sexta-feira, 6 de março de 2009

Tim Maia. Céu azul de brigadeiro. E o meu passado respira do meu lado.

O Gregory é leve.
Eu senti suas quatro patas, duas no meu peito e duas na minha barriga. Ele passava sua língua do meu queixo até meu nariz. De forma rápida. Com um intervalo menor que um segundo entre cada lambida.
Eu viro a cabeça pro lado e digo pegando meu celular:
"- Bom dia cara..."
Ele senta na cama abanando o rabo. Com uma orelha pra baixo e outra pra cima...
Minha garganta está um pouco irritada. Culpa do ar condicionado.
Enquanto eu ligo o chuveiro, penso que deveria comer alguma coisa. Levando em consideração que a última coisa que eu ingeri foram as cervejas que um amigo havia levado pra minha casa na noite anterior. Antes disso eu havia almoçado.
Meu telefone toca.
"- Alo ?"
"- Booooooommmmm diiiiiaaaaaaaaaaaaaaaaa !"
Eu dormindo. Ele pensando em pular de para-quedas.
Agradeço o convite, mas não posso !
Hoje é um dia importante, hoje é um grande dia pra produtora.
"- Combinamos alguma coisa mais tarde, pode ser ?"
Ele concorda. Nós desligamos, por hora...
Meu cachorro ainda tá sentado, balançando seu rabo sentimental. Com as orelhas desalinhadas. E um olhar de que comeria meia banana picada.
Tudo bem, eu te corto uma banana "Gré" !
Enquanto eu saio do banho o telefone toca de novo.
"- Tudo bom filho ?"
"- Oi mãe..."
Minha irmã sempre faz caras de desaprovação quando eu atendo nossa mãe no telefone.
Ela sempre diz que eu deveria dar mais atenção a essas ligações. Deveria "falar direito".
Eu sempre passo o telefone pra minha irmã quando ela está próxima e minha mãe liga.
Normalmente ela atende dizendo:
"- Sim mãe. O Leandro tá bem..."
Ainda bem que não tem ninguém mais em casa. Se o Gregory falasse talvez ele estivesse dizendo:
"- Fala direito, chomp chomp... com a tua, chomp chomp... mãe, lê chomp" (chomp é a onomatopéia para alguém que está comendo...).
"- To indo trabalhar cara..." - deixo a televisão ligada no cartoon network. Assim como eu, ele gosta de desenhos animados.
Desço as escadas pensando em tudo que é compromisso profissional que tenho. Ligar pra lá, cobrar email de cá. Tentar por alí. Assinar contrato. Passar cotação.
Abro a porta.
É um mundo mágico, um video clipe, um filme do Kurosawa, sei lá
...
Amanheceu um céu azul de brigadeiro.
Na hora que eu boto o pé pra fora de casa, vejo que tudo é camera lenta. Um bimotor passa dando um rasante com uma faixa presa a cauda dizendo:
"- BOM DIA LEANDRO !"
Uma linda menininha loira de olhos verdes, com no máximo dez anos de idade se aproxima e me dá uma flor sorrindo. Um grupo de pessoas começa a fazer uma dança coreografada, pulando de lado pro outro... Entra um carro alegórico em minha rua, totalmente colorido, cheio de gente em cima. Pessoas tocando tambores, flautas, violões. Eu olho pro alto e vejo outros aviões que passam e deixam rastros de fumaça colorida. Vermelho. Verde. Amarelo. Rodopiando em loops, fazendo figuras. Abaixo a cabeça e vejo dois cães adestrados, usando roupa de Senhor dos Anéis sobre suas patas traseiras. Alguém toca no meu braço, eu olho pro lado ainda muito atordoado. É uma senhora que trabalha no café que fica na esquina da rua. Ela me oferece uma xícara com um café expresso. Eu agradeço... Alguém toca em minhas costas gentilmente. Eu me viro. É uma moça, muito bonita... Parece com aquela menina que me havia acabado de entregar a flor. Mas pelo menos doze anos mais velha. Eu penso:
"- Nossa, você cresceu..."
Ela diz:
"- É hora de ir pro trabalho Lê." - e aponta pro meu carro.
Eu sorrio e penso:
"- A gente devia fazer alguma coisa juntos qualquer hora dessas..."
Ela me olha. Eu não digo nada.
De repente, todos somem. Nenhum carro passa. Não tem mais ninguém na rua. Nada de vento. Ou sons distantes. Eu to sozinho. Completamente.
Meu carro desarma o alarme sem eu fazer nada. Sem apertar nenhum botão.
Bip bip (como o papaléguas).
A porta dele se abre e o motor liga.
Eu entro e a porta fecha. Ele começa a se mover. Através do vidro eu vejo realmente a cidade ficou vazia.
O céu está azul.
" - Acho que já é inverno..." - eu penso olhando para as árvores e a forma como a luz do Sol as ilumina. Desço a rua Sete de Setembro sem cruzar com nenhuma alma viva. Meu carro liga Sigur Rós em um volume agradável.
Chegando no trabalho.
Eu ouço um som. O carro para e abre a porta. Alguém diz:
"- Chegamos."
Sem me importar de onde veio a voz (realmente é irrelevante) eu respondo:
"- Não é aqui..."
Silêncio.
Eu saio do carro e quando piso, me falta o chão sob os pés.
Eu caio.
É um abismo. Me viro lentamente e olho para cima. Um penhasco, meu carro, uma montanha e o céu continua azul. É tão bonito.
Instantes antes de atingir o chão eu fecho os olhos com um sorriso no rosto.
Alguma coisa lambe meu queixo.
Eu abro os olhos novamente.
O Gregory é leve.
Eu senti suas quatro patas, duas no meu peito e duas na minha barriga. Ele passava sua língua do meu queixo até meu nariz. De forma rápida. Com um intervalo menor que um segundo entre cada lambida.
Eu viro a cabeça pro lado e digo pegando meu celular:
"- Bom dia cara..."

Peraí. Eu olho pela janela. E o dia está realmente muito bonito.

Eu olho para o Gregory e ele está sentado com o rabo abanando. Eu digo:
"- Tu queres uma banana ?"

Ele responde:
"- Teu amigo vai te convidar pra pular de paraquedas antes. Depois tu me dá a banana. Depois tua mãe vai te ligar, fala direito com ela..."
Eu digo:
"- Tá, isso foi um sonho ?!?!"
Ele sorri. O telefone toca.

Ao menos o céu continua azul ! : )

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