quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Sobre como tudo vai embora.

A nossa vontade é parar no tempo. Não no sentido estacionário. Mas em uma espécie de congelamento do estado de felicidade. Sabe aquela sensação de que está tudo bem? De que somos saudáveis, de que estamos seguros, de que vai dar tudo certo? É ali que a gente queria morar, durante todo trajeto da vida. Mas ainda bem que não dá pra fazer isso!
Desde o dia em que qualquer matéria viva ou não viva entra nesse planeta, a única constância é a impermanência. É o fato de que nada ficará aqui. Isso vale para o menor dos piolhos até a forma como o monte Everest está nesse momento. Nada feito de matéria física dura eternamente. Talvez seja o preço a se pagar para existir nesse mundo: o fato de que aqui tudo é passageiro.
Poderia funcionar como um período de férias da eternidade.

"- Cansei de ficar aqui!" - dissemos nós do lado de lá.
"- Tu tá afim de dar uma volta?" - perguntou uma voz vinda de lugar nenhum.

"- Acho que sim... Tava pensando em ir para a Terra... O que achas?"
"- É uma viagem curta, acho que vais gostar..." - respondeu a voz misteriosa.
"- Então tá, como faço?" - dissemos nós.
"- Olhe ao seu redor pequenino, você já está em um útero!" - nos disse a voz mais distante.

"- Cacetada! E agora como eu saio daqui?"
"- Você nasce!"
"- E depois, como eu volto pra aí?"
"- Você morre... Faça uma boa viagem!".
Nós não somos corpos que tem um espírito. Nós somos espíritos que nesse momento tem um corpo físico.
Encarar o vazio que nos habita é um desafio e tanto. E através dessa jornada interna nós encontramos muitas novas percepções da vida. Nascemos jovens e a partir desse momento podemos partir a qualquer instante. Mas não vivemos esperando a morte, não. Nós vivemos buscando um estado de satisfação para as nossas percepções. E frequentemente perdemos o foco do que realmente importa nessa busca.
É sentindo a variação entre as estações que percebemos o ano ir embora. Enquanto diariamente sol e lua dançam uma valsa sincronizada sobre as nossas cabeças. E todos inspiramos ar, ideias, sentimentos e dores. O Budismo fala muito dessa impermanência, da forma como tudo se desfaz. Do problema mais cabuloso até o gozo mais irretocável. E nós, crianças galácticas flutuando nesse oceano estrelar nos alvoroçamos porque:

"- Ele disse isso de mim..."
Ou
"- Tu acredita que ela fez isso com a Angela???"

"- Não acredito!"
Quem não acredita que isso te importa é o universo. Acredite!

Existe um contentamento muito puro dentro dessa impermanência. Existe um sentimento de aceitação e de claridade na percepção de que nada realmente é o fim, dentro do "tudo acaba". Acredito que a palavra seja CONTENTAMENTO. É uma espécie de felicidade sem desejar que essa felicidade permaneça, porque nada vai permanecer...
Quem conhece esse contentamento é feliz sentado no chão.
Quem não o conhece, pode se tornar infeliz sendo dono de um castelo.

domingo, 1 de dezembro de 2019

Encerramento 2019.

Gira o ponteiro do relógio: tic-tac. Ouço alguém dizendo que o tempo é nosso recurso mais valioso. Que gastar tempo é investir vida. Tic-tac. Flutuamos juntos sobre esse rio e o destino só pode ser desaguar no oceano. Apreciar a paisagem é um dos maiores desafios, tic-tac. Minhas sobrinhas parecem crescer além do normal. E dobrando uma esquina eu encontro um casal de amigos com um filho que até alguns meses habitava o imaginário dos próprios pais.
"- Como ele tá grande!" - eu digo.
Tic-tac, eu ouço.
Tudo tem seu tempo, leio em um livro empoeirado. Mas não consigo escapar do pensamento que a ampulheta de todos os seres vivos é virada na entrada desse mundo. E nenhuma areia adicional pode ser adquirida. Tic-tac.
Final do ano é hora de renovar ciclos. Pessoas que se aproximam, pessoas que se afastam. Dias que te fogem, dias que não chegam nunca. Resoluções não resolvidas. Que horas são? Tic-tac. A única forma de um ciclo recomeçar é se fechando, é verdade. Mas algumas coisas começam e terminam só uma vez. Tipo 2019 e todos os anos antes dele. Tic-tac. Eu imagino se algum dia conseguiremos viver algum dos anos que já vivemos, novamente. Provavelmente não. Tic-tac. Ouço as taças de vinho e copos tilintando nos brindes, mas me pergunto: quantos desses corações estão realmente abertos? Pessoas boas também machucam os outros, o segredo é aprender e não viver como se não ferir o próximo fosse o objetivo principal. Ninguém entra nesse planeta ileso, ou sai dele assim. Tic-tac.
Depois de um tempo, toda virada de ano fica muito parecida com as anteriores. Pessoalmente eu admiro muito pessoas mais velhas que mantém o entusiasmo em se reunir aos seus e sinceramente compreender o valor da presença de cada uma das almas em suas vidas. Não dá pra viver só lamentando as partidas. É preciso perceber o valor do presente. Tic-tac.
O céu do final de tarde sempre me fascinou. Eu costumava chamar o amarelo-laranja-avermelhado que se forma nas nuvens crepusculares de "amarelo antigamente". De fato, não uso essa expressão a muito tempo. Tic-tac. Mas no fundo, eu acho que esse céu sempre me remeteu a alguma forma de fotografia velha. Daquelas que ficam no papel até amarelar, sabe? E quando isso acontece e se derrama sobre todas as coisas, ou paisagens, parece que estamos todos dentro de uma espécie de foto. Em movimento, rumo ao passado. Já vi muitos céus causadores do "amarelo antigamente". Já joguei bola com os moleques pela última vez, sem saber que era a última. Tic-tac. Já me despedi de pessoas, sem saber que nunca daria outro tchau à elas. Já respondi a mensagens sem nem de longe perceber que estava dando adeus. E dei abraços de até logo que na verdade eram os últimos. Já tive até pensamentos de "será que a gente vai se falar novamente" e olhei sozinho para trás sem a outra pessoa nunca virar... Eu me arrependo de muita coisa, mas não de tentar. Tic-tac. O tempo é o rio sobre qual todos nós flutuamos, e remar ao contrário não vai te fazer voltar sobre ele... No máximo, remar ao contrário vai te manter parado sobre um momento e o esforço pra fazer isso nunca vale a pena. A natureza do rio é fluir e a do tempo é urgir.
Eu acho que quando 2019 terminar, quando o último segundo bater no 12 do relógio e de 23h:59min:59s a gente entrar na meia noite e 01 segundo do dia 1 de janeiro tudo que eu posso realmente desejar é perceber o valor de cada micro momento que a gente vive. Compreendendo que não é o fluxo do tempo que realmente importa, e sim todos os infinitos que habitam entre cada tic e cada tac.
Tic-tac.