sexta-feira, 12 de maio de 2017

É por ali ó!

Aqui na terra da madeira em brasa, que virou Brasil. Mas podia ter sido chamada de Pau de fogo. As coisas não vão muito bem... E eu nem me refiro as nossas noções distorcidas de serviços (deserviços, no nosso caso) públicos. Não, não cara pombinha digital que "avoa" por esse marzão de informação que é a rede. Neca de pitibiríba!
Eu falo é da doença silenciosa. Invisível aos olhos destreinados da massa. Um mal ardiloso, pegajoso, quase sombrio. Indetectável por exames físicos. Uma doença que se prolifera como um fungo sobre madeira molhada na sombra.
Na terra do "fevereiro tem carnaval" a gente vive na esperança de um dia que nunca amanheceu. Mas que em toda propaganda política já produzida, é amanhã. Pois bem pombinha digital, amanhã vai melhorar. Amanhã, vou construir. Amanhã, vou cobrar. Amanhã, sem sombra de dúvida, vou resolver. Vou conseguir. Vou fazer. Vou te encaminhar.
Amanhã é um dia tão distante. Mas tão distante. Que eu desconfio, nunca virá. E enquanto isso, as grávidas que tenham seus bebes no chão na frente das maternidades. Debaixo dos viadutos. Nos becos do porto. Da grota do esgoto. No lixo. E que já aproveitem que estão sangrando o pós parto e morram. Uma morte poética, alguém vai me dizer. Uma morte bonita! E se tu reclamares muito, a polícia vai te cobrar a propina pra não te assaltar. E o assaltante vai te furar com uma lâmina cega e enferrujada porque tu estavas sem dinheiro. Dinheiro esse que tu pretendias usar pra pegar uma lotação pra ir pra casa. Depois de um dia de 12h de trabalho. Recebendo apalpões na bunda, vindas de homens e mulheres que tu não entende se querem tua carteira ou teu sexo. E tu nem te importas mais. Teu corpo já nem é mais teu. Teu corpo é um caco quebrado do que foi, quando era inteiro.
E a unica coisa que te sobra, é uma partícula da mente gritando que o mundo ficou louco. E que tudo está muito errado. Mas tu, pombinha digital, está cansado demais pra revidar aos argumentos. Tu sabes que todo político é ladrão. E que ninguém presta. Tu assume as asneiras gritadas tantas vezes pela massa, repetidas tantas vezes nos microfones dos palanques que viraram verdades.
Tu diz que é assim mesmo. Sem nunca nem ter sabido como era de outro jeito.
E tu segue o caminho caminhado antes de ti. Pegada por pegada. Do morro pra cozinha, da cozinha pro coletivo, do coletivo pra tua cama, da tua cama pro caixão. E aí tu vaga a cama pra outro ser que nem sabe que é humano deitar, levantar e morrer. E assim a gente vive, cada um na sua prisão domiciliar. Assistindo o pau Brasil arder nas florestas. Até virar um carvão tão preto quanto a pele do negro acorrentado a todas as nossas obrigações impossíveis de concluir.
E o país inteiro sangra. E sangue é vermelho. Não é azul. Não é preto. É da cor do lábio e da carne do povo. Da foice e do martelo cruzados. Como uma esperança de que sangrando a gente consiga resolver o que não foi resolvido. Dividir a dor, o amor e o calor. Mas os porcos que se sentaram a mesa, tem um amplo gosto por uísque. E uísque custa dinheiro. Dólar. Bufunfa. Euro. Cascalho. E até real! Ninguém cobra abraços por uísque. Não cara pombinha.

Ninguém dá o que se vende.
Enquanto o nosso Lula "não sabe de nada", "não viu nada", "não participou de nada", "deve ter sido a Marisa", "eu sou honesto", "estão me perseguindo", "tadinho de mim...", enquanto ele tudo isso.
A gente se fode como sempre se fodeu na mão da direita, do centro e agora da esquerda. É. Tá confirmado, o espectro político brasileiro foi todo utilizado. Da extrema direita a extrema esquerda, nada funciona. Vamos terceirizar a nossa política para a Finlândia. Proponho aqui uma recolonização da nação brasileira. Vamos voltar a ser colônia de alguém que consiga concertar esta bagunça. Assim como um viciado em maconha, álcool ou compras a gente não consegue sair sozinho dessa fossa. Vamos visitar o AA da política. O PA (políticos anônimos). Vamos sentar em roda e dizer:

"- Eu sou político e eu roubei. Roubei, menti, matei e violentei. Sem pena...".
Vamos ter a conversa velada que nunca aconteceu. A conversa que se posterga para sempre, para amanhã. Para aquele dia que nunca chega. Para aquele momento em que nunca vivemos.
Aquele um dia. Que nasceria como qualquer outro. Com um sol silencioso. Nuvens e vento. Mas que antes do seu fim, todos políticos de todas as esferas entenderiam que a população dessa nação não aguenta mais. Que não podemos e nem queremos esperar mais 1 segundo que seja. Que ou acontece, ou tudo seria posto a baixo. Tudo seria queimado. Que sangue seria derramado sim, como é todo dia. Mas não seria só sangue pobre. Sangue miserável. Seria sangue rico. Sangue dos filhos deles. Não só dos pretos pobres e favelados.
E aí eles tremeriam de medo.
E entenderiam que mesmo que nós tenhamos sido violentados em diversos níveis no decorrer dessa história, um novo dia nasceu.
O amanhã seria hoje.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Lembrem-se de mim - ele disse.

Era outono. Um final de tarde daqueles de cinema. Céu amarelo, vermelho, roxo e negro. Ventava um vento ameno. Que fazia a grama dançar na calma de cada lufada. Os galhos das árvores uivavam com o atrito do ar. Era um daqueles momentos silenciosos, de pesar. De não se esquecer tão cedo. Mesmo onde estávamos, no campo aberto, do lado de fora da casa parecia ser um lugar fechado. Um comodo do mundo. Um cantinho bendito entre a terra e o firmamento. Uma ponte para o além. Para o depois do que vem.
Quase era possível ver a cortina da eternidade suavemente flamulando. Se entreabrindo e entrefechando.
"- Ela está aqui..." - ele balbuciou com os olhos perdidos no céu e sorriu.
Mais de uma pessoa perguntou "quem?", mais de uma pessoa queria saber "quem está aqui?". Alguns de nós nada disseram. Eu acho que ele falava do fim. No feminino. Como sendo a morte, talvez... Ela deve ser a causadora da partida. 

A viagem. 
A jornada.
Não dá pra explicar tudo com palavra, caro(a) leitor(a), mas gosto de pensar que o silêncio respondeu a todas as perguntas.

Eu não me considero um ser humano religioso. Nunca me fez muito sentido a ideia de "pai celestial". De um criador provedor da existência. Um causador de bençãos ou maldições. De um juiz capaz de devolver erros ou acertos a cada ser de acordo com a sua conduta.
Mas isso nunca me fez descrer na espiritualidade. Eu gosto de pensar, por mais idiota que seja declarar isso, de que esse plano extraterreno, extramundado é distante da nossa perspectiva de acerto e erro. Releva essa ideia de bom e ruim. De positivo e negativo.
Vai ver, foi por isso que ele sorriu ao dizer "ela está aqui...". Ele sorriu como que vendo além dos átomos e moléculas. Ele viu o que para nós é invisível. É irrelevante. E que talvez para o resto do universo seja a essência.
E por um segundo hipotético, não mais do que isso, por um instante, um respiro. Um momento, eu vi que ele não se importava mais. Que de alguma forma ele entendeu que aquele corpo velho e cansado. Aquele veículo doente e usado, tinha encontrado seu ponto final.
Segurei a sua mão enrugada. Suas unhas bem feitas e delicadas. Seus pelos finos e brancos, bem espaçados. Sua pele fina e frágil, de tantos sóis e tantas chuvas. De tantos cortes e tantas lutas. De tantas roupas e uniformes. De muitos amores. De dias de vida e desse dia de morte.

Movi meus olhos e vi seus olhos me olhando. Não éramos só nós que estávamos tristes, o mundo estava chorando.
"- Sem choro..." - ele disse rápido. Quase grosso. Como quem diz com pressa. Sem tempo para perder o trem que não o espera. Sem tempo para perder a onda que tudo leva.
"- Lembrem-se... de mim..." - disse sorrindo um sorriso bonito. De dentes amarelados de cigarros e vinhos. Com lábios finos. E uma barba rala, sem compromisso, sem expectativa. Ainda sorrindo, piscou seus olhos azul turquesa. Com suas sombrancelhas hirsutas.
E suspirou.
Um suspiro final.
De quem solta o ar sem de novo puxar.

A vida sempre termina no suspiro, me disse uma professora de yoga. Me lembro disso, quando expiro.
Ele suspirou para nunca mais expirar.
Devolveu o ar ao mundo sorrindo. Sem de novo puxar.

Vá em paz, tu que vais partir. Segue teu caminho, não precisas mais estar aqui. Fica tranquilo, escuta minhas palavras: essa dor que sentimos um dia passa. Teu rastro será só amor. A lembrança que tu nos deixa é de vida. E a vida precisa sempre continuar.
Tu cumpriu teu papel. Sem exceder nada. E nada faltar.
A saudade que sentimos é a saudade que deixamos.

Amanhã nos encontraremos.
Palavras não resolvem o que não entendemos.
Te vejo mais tarde.
Te vejo do lado de lá.