quinta-feira, 10 de novembro de 2016

É um mundo estranho.

Faz tempo que guardo no baú da cabeça a ideia de que eu não entendendo o mundo. Só para começar, a própria palavra ideia é escrita sem acento. E meu computador sabe mais disso do que eu. Porque eu escrevo idéia e ele a sublinha de vermelho, dizendo:
"- Leandro, essa palavra está escrita errado."
Eu respondo:

"- Obrigado máquina, vou corrigir." E ouço ela dizendo:
"- Eu podia fazer isso sem você, e faria melhor."
E me calo. Olhando para as pontas dos meus dedos no teclado.

"- Caralho, que mundo estranho...".
Li em algum lugar que o "fim está próximo". Foi em uma foto tirada nos anos 70. Um homem velho, nos estados unidos, usando roupas maltrapilhas segurava uma placa com isso escrito. Com um rosto cansado de viver. Os olhos dele pediam socorro. Mas não acho que alguém o ajudou. Vai ver o fim estava próximo quando a foto foi tirada.. Vai ver ele já chegou. O homem da placa se foi e o fim ficou. O fim é foda. Ele acaba mesmo. Termina com qualquer coisa. Não tem com licença, por favor e obrigado. É fim e pronto. Acaba. C'est fini. Arrivederci. The end. Nem de ponto precisava. Já acabou mesmo. Podia ser como é nos cinemas.
The end
Mas sempre vem algo depois do filme. As vezes eu fico pensando, nesses amores "para sempre" dos filmes. O que acontece depois do letreiro? Eles nunca mais discutem? E o herói que se casa com a princesa, depois de salva-la do dragão? Eles se descobrem imcompatíveis sexualmente? E a vila que foi libertada pelo exército? Eles conseguem se recuperar de todas aquelas mortes? E o vilão? Ele vira bom? Ele pensa:

"- Porra que babaca eu fui, pra que querer dominar o mundo? Eu tive problemas de relação com o meu pai... Preciso trabalhar isso com um profissional...".
E aqueles figurantes todos? Vão pra onde? Qual era mesmo o nome deles? Eles trabalham? E o melhor amigo daquele cara? Que pulou do carro para dar tempo de ele chegar... Ele viveu? O que aconteceu?
Ai o Trump se elege o presidente dos USA. E todo mundo pira. 

"- É o fim do mundo, preparem-se". Dizem no facebook. Eu já li isso em algum lugar. Penso.
A gente elege o Tiririca e o Frank Aguiar como representantes do povo. E agora reclamamos do Trump? Isso é o fim do mundo mesmo. Não! É pior que o fim do mundo. O fim foi antes. A gente tá vivendo o depois do "the end". É isso aqui que acontece.
 

Na literatura de Pablo Neruda, ele divaga sobre o fim da vida. Sobre a morte. Ele não foi o único, já falei antes de Ariano Suassuna. E tem também meu chara Leandro Gomes de Barros que quase todo dia me pergunta:

Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?”


Essa gente toda já morreu, sabes né? Eu penso que seria muito legal ter a chance de ver uma conversa deles. Nem que fosse no pós vida. Bem quietinho. Segurando uma taça de vinho. Sentado no fundo da sala. Deixando eles explicarem o que viveram. E o que acharam que viveram. Deixando eles chorarem suas saudades. E rirem dos seus medos. Passar pela vida de cada um, através das suas palavras. É isso. É por isso que eu amo tanto o registro videográfico. Porque ele é uma espécie de mini eternidade. Porque, nesse mundo estranho é uma das coisas que existem depois do "fim".
E tu aí? O que amas depois do "the end"?
O que existe pra ti, quando eu termino essa frase?

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O som da vida é um só.
Vento, água corrente,
e desatar do nó.
Noite e dia, tudo é um.
Vivo ou não,
ser é condição.
Final da tarde,
chuva lava a solidão.
Pingo sozinho,
deixa nuvem mãe.
Ser rio, tornar-se mar.
Evaporar é sangrar.
Lágrima que cai.
Escorre ao chão.

Perdermos tudo
o amor,
a dor.
Mas não a direção.
O som da vida é um só.
Nascemos chuva.
Corremos rio.
Evaporamos mar.


domingo, 11 de setembro de 2016

Um dia desses.

- Se a pilha do controle remoto acabar, a gente compra outra. - ela disse com um sorriso quase infantil nos olhos.
É claro que a gente compra outra, o que mais a gente ia fazer? Construir uma usina elétrica pra fabricar as nossas próprias pilhas?! Ainda assim, eu não respondi. Existe algo de mágico no jeito em que ela me diz as coisas mais óbvias do mundo. É quase sórdida a forma como ela trata a realidade. Ainda assim, eu não consigo fazer nada além de sorrir de volta. No meu caso, com a boca. Meus olhos devem sorrir também, porque ela não liga e continua comendo pipoca no sofá. Não me importo com os grãos e "pelinhas" de milho por todos os lugares. De verdade que não. Mas esse cheiro me incomoda.
De repente, os caras do Monty Python acertam uma piada boa. E a gargalhada dela é milho por toda sala. Uma "super camera" filmando em camera lenta faria disso um milhão de acessos no youtube fácil. A piada é boa e eu acabo rindo junto. Um pouco por causa da situação, mas tá valendo. 

- Tu viu o que ele disse? - ela pergunta.
- haha bem bom né? - eu respondo.
- "Como eu poderia, o senhor é o Rei, majestade!" - ela diz imitando a voz do personagem
Ela acabou de me perguntar se eu vi o que ele disse. Eu respondi que sim. Ainda assim, ela imita a piada. Exatamente como a gente acabou de assistir. Novamente, eu não digo nada.
- "Como eu poderia, o senhor é o Rei, majestade!" - ela imita de novo e chora de rir.
- É boa né? - eu pergunto sem saber o que falar.
- SIM! - ela grita - eles são geniais! - completa.
Eu apresentei Monty Python pra ela no inverno passado. Assistimos tudos que eles fizeram pro cinema. E agora estamos assistindo os episódios pra televisão. Monty Python é um grupo de atores britânicos que começou lá pelos anos 60 a produzir comédia. Muito do que a gente assiste hoje na televisão e no cinema é um extrato do que os caras produziram. Eles eram mesmo geniais. Mas as vezes eu me arrependo do que faço. Eu criei um monstro, de novo. Foi assim com Beatles, ela já conhecia a banda. Como todo mundo. Mas nunca tinha ouvido os discos em ordem pra realmente sentir a viagem dos caras. Ficou tão brisada que alucinou. Por pouco não fez uma tatuagem de "let it be" nas costas. E um dia (não sei ao certo como) comprou um decalque de "all you need is love" na deepweb e colocou no pulso. Achei que era uma tatuagem de verdade por algumas horas. Foi uma boa trollada.
Agora é Monty Python. Eu me levanto pra pegar algo gelado pra beber. To na frente da geladeira e pergunto:

- Queres beber algo?
- Nãã... - ela diz e volta a rir de outra piada.
Pego água. Encho um copo. Sento de novo tentando me concentrar na história do filme novamente. Ela olha meu copo. Olha a tela. Eu bebo. Ela olha o copo novamente. Eu olho ela. Ela pergunta:

- Tem coca?
- Acho que sim...
- Pega um copo pra mim por favor?
Eu acabei de perguntar se ela queria algo, faz menos de um minuto. Devem fazer uns 30 segundos.
- Pego...
Ela sorri. De novo, boca e olhos em um sorriso doce. Que raiva desse sorriso.
Me levanto, pego um copo, gelo, coca. Sento. Ela ta rindo de outra piada. Um riso mais silêncioso. Entrego o copo. Ela bebe, apoia o copo no descansa copos de madeira no braço do sofá. E diz:

- Esse cara tá falando pra aquele cara que ele deveria ser Rei, no lugar do Rei. Só que esse cara é irmão do Rei e só tá falando isso pra que ele mesmo seja Rei. É muito bom. Tipo um Game of Thrones engraçado.
Sinto vontade de dizer que já assisti isso. Não acho que pareça nem de longe um Game of Thrones engraçado. Na verdade não tem nada haver. Dou um sorriso amarelo e continuo vendo.
Passamos quase meia hora, rindo das piadas deles. Como um pouco da pipoca. Acabamos nossas bebidas e eu levo os copos pra máquina de lavar louça. Ela liga outro filme.
Quando vejo que é um desses romances forçação total de barra tipo "Como eu era antes de você" ou "A culpa é das estrelas", digo que vou jogar video game no escritório.

- Assiste comigo - ela diz quase choramingando.
Coço a nuca respondendo:
- É que tu sabes que eu não curto muito...
- Pooor favooor - ela praticamente chora.
- Ok.
Me sento. Ela sorri, boca e olhos novamente. Uma hora e quarenta minutos depois. Ela chorou tanto que eu achei que ia virar uma poça. Eu no máximo consegui ficar mais atento no momento em que o mocinho lindo morre e a família dele fala do casal de namorados jovens e cinematograficamente modeléticos no enterro do rapaz. Alguém lê uma carta e a minha barra se quebra de tão forçada.
Letreiro subindo. Eu olho pela janela, é final da tarde de sábado. O céu está tomando por um amarelo antigamente genial. Penso que a gente podia fazer alguma coisa, tipo ser jovem 20 e poucos anos de novo. Nos drogar de juventude, como Juca Chaves diria.

Ela me abraça por trás e sussurra no meu ouvido.
A gente se beija.
Ela sorri com a boca e os olhos de novo.

- Adoro quando tu sorri com a boca e olhos. - ela me diz.
É, é isso.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Pra ti lá em 2116.

Aqui quem fala é de 2016. E é 100 anos antes propositalmente. Porque se vocês aí em 2116 estão mal, eu preciso que tu faças alguma coisa. Eu to soterrado por toneladas cúbicas de uma coletividade que tem certeza de que "é assim mesmo". Que o mundo não ficou louco. Que gente morrendo de fome e da raiva dos outros, é tudo bem. Desde que seja longe de mim. Desde que eu não os ouça gemer, ou os sinta cheirar. E enquanto a rua corre pra todo lado, parece que todo o resto tá completamente estacionado. Estacionamento de carro sabe? Tipo açúcar em excesso no sangue. Só que barulhentos e burros. Perdendo toda paisagem, perdendo os passarinhos pra ouvir rádio. Perdendo tempo vivo. E comprando a maior miséria do planeta: a de ter nascido e morrido. Enquanto enchem o espaço entre os dois com um "vivido" mirrado. Seco. Pobre de vida. E de sentido.
E eu sei que alguém aqui vai achar que quando a cidade é grande não precisa de muito pra ter um carro blindado ou morrer. É 2116, aqui ta foda. Difícil ver tanta gente indo pro outro lado e dizendo: " caralho eu to errado??".
Até pode ser que esteja. Não sei doar tudo que tenho para viver entre os pobres. E nem é disso que eu to falando. Na real, é exatamente disso que eu to falando. Dessa necessidade coletiva de responder a todo pulso com "mais razão" que o pulso anterior. E a gentileza ardeu até virar cinzas. Aqui sobrou pouca e ainda menos. Enquanto a vida perde o sentido de existir, a gente compra um levando dois de qualquer coisa que seja um "ótimo negócio".
Sem olhar pela janela de vidro. Sem parar pra respirar. Sem titubear. Vivemos a liquidação da existência. Todo mundo pode tudo, desde que possa pagar em dinheiro por isso. 

O pior, 2116, é que estão ensinando isso para as crianças. Aqui, cada vez mais pequenas, elas tem celulares, namoradas(os), times de futebol, ódio e preconceitos absurdos. Cada vez menores, eles são ensinados a comprar, a ter, a consumir, a gastar, a mostrar o que tem. A se orgulhar do poder que eles acham que isso lhes dá.
Ser rico aqui, é a prioridade.
Ler, é uma raridade (a não ser que seja o facebook).

Ajudar alguém aqui é ser idiota.
Acreditar é coisa de burro.
E assim, eles seguem. Vivendo cada vez menos. Esquecendo cada vez mais. Empurrando suas tristezas tão fundo, que tá ficando normal comprar arma para matar 30 no shopping. Botar bomba na cintura e explodir carro na rua. Ta ficando normal, se matar por qualquer razão. Decidir tudo na violência, falada, batida, escrita e vomitada.

Sei lá como vocês estão ai 2116. Se estiverem melhor, aproveita e continua dando as costas para a gente aqui. Se estiverem igual, tenta fazer algo. Nem que seja escrever uma carta pra 2216. Contando o que tu vê. E dizendo pra eles serem diferentes.
Abraço.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A melancolia que eu imaginei para ti.

Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não faria nada diferente. Viveria meus dias, como se tudo fosse eterno. Do jeito que é na nossa mente. Não daria um tchau antecipado, ou mandaria beijos. Não abraçaria além do normal ou vocalizaria meus mais positivos desejos.
Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu me manteria igual. Quase incrédulo, até o final. Até o último instante. Só para ver aquela bola de fogo se aproximando, gigante. Ardendo a vida da terra, sem culpa ou pena. Como quem varre uma varanda empoeirada. Não pensando em como a vida é pequena. Na morte dos que se foram cedo. Na tristeza dos que te ofenderam. No café que ficou no bule quente. No pão de amanhã. E bem pouco no próprio presente.
Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não contaria para ninguém. E quando minha esposa falasse sobre algum problema do trabalho, eu diria que tudo está bem. Que amanhã isso se resolve. Que o suspiro da vida que vivemos não vale o incomodo.
Ela iria estranhar.

Eu iria sorrir.
Mas um novo dia nasceria, para que o fim nos achasse.
E se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não dormiria. Eu leria a poesia de Pablo Neruda. E caminharia através das estrelas com Ariano Suassuna. Eu conversaria com Deus do jeito que eu penso que ele me ouviria.
E esperaria.
Aquele último instante, antes do tudo virar nada. E de todos os problemas da terra serem resolvidos em um único segundo.
Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não faria nada diferente.

Eu amaria. Erraria. Choraria. E não desistiria nem por um segundo de ver outro sol nascendo, nesse mundo sem fim. Tão divino. Tão terreno.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Leandro Gomes de Barros me disse sorrindo:

Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando se chega pra cá?

Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que é que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Vivemos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?


Isso aí Leandro, quem foi temperar o choro e acabou salgando o pranto!?

quinta-feira, 14 de julho de 2016

O relógio da chuva.

De rompante, o hoje virou ontem. O tempo flutuou para o longe. E sabe-se lá, onde esse longe há de chegar? O incerto, virou certo. O correto do inverso que o estranho, conheceu. Se esqueceu. E quando encontrou, se perdeu. Confundido continuou caminhando. Nossa alma é pedra, a carne é pano.
Em um mundo de fantasia, a realidade imita a arte. E a vida imita quem?
De tudo que nós fizemos, a única certeza é de que nada é certo.
E todos somos,

ninguém.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Forasteiro, de flor e cheiro.

Dia cinza, longas datas se passaram. Eu nem aqui. Talvez você nem aí. E a gente, acabou que nem foi. Ficamos sós? Quem fica só? Ninguém sabe pra onde ir. O caminho chama, e vai quem foi. Fica quem está. Tudo é presente, já disse e me repito. O mundo gira sem parar, por nem um minuto. Todo dia é dia. Toda noite é escura. Sobe o sol e descem tantas luas. Voa um pássaro para o ninho. Foge outro querendo ficar sozinho. E as ondas dos oceanos que nunca terminam. Sempre indo e vindo. Dando sentido ao fluxo contínuo. Ao eterno mover do que é vivo. Seja a folha que dança ao vento. Sejam as pernas que dançam a música em hipnotizante movimento. E as gotas da chuva que te molham. Rasgam o céu em silêncio. E explodem em destempero. Criando poças e fazendo correr as moças. Abrindo os guarda-chuvas. Encharcando as roupas nuas. E escorrendo para além de onde nossos olhos veem. Descendo fundo na terra. Por entre as rochas, raízes e cadáveres. Até onde é estranha ao mundo. Onde não é mais água. Mas é vida. E assim é sugada e consumida. Subindo em forma de flor. De cheiro. E sem ter fim, se torna despedida. Todo adeus é um novo começo, nos ensinam.
Como flor. Secando. Cheirando. Do começo ao fim e ao começo.

De flor em flor, me despeço. Me despedaço. Me esqueço. Me lembro. Me termino. 


E me começo.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

O frio, o café, a janela e a saudade.

Se não fosse por acaso, seria  por destino. Eu penso que o acaso seja o destino que todo mundo tem. Todo mundo tem acaso. O acaso sempre vem. Sorrateiro, silencioso e imprevisível também. Enquanto eu escrevo na minha tela acesa, tento não olhar para as teclas do teclado. Sou de 1982, nós somos as crianças que fizeram curso de datilografia no colégio. Usamos os dedos mindinhos para digitar. Fomos aqueles que começaram a ter internet no celular. A gente via o mundo de outro jeito. Ou o mundo era mesmo mais devagar. Lembro de precisar pesquisar conteúdos nas bibliotecas. Eu não sabia, mas já me sentia em Hogwarts. Caminhando por entre os corredores gigantescos cheios de livros antigos e cheios de pó. Fui criança até muito tarde, ou talvez hoje elas sejam até muito cedo. A vida adulta demorou pra chegar, e eu nem a vi entrar. Era como ser criança para sempre. Ralar o joelho correndo livre. E dormir sem escovar os dentes. Era acreditar na lenda da loira do banheiro, nas histórias do velho do saco e dos gigantescos cachorros do mato. A gente acampava na sala dos pais de nossos amigos, e ficávamos acordados por toda madrugada descobrindo nosso próprio mundo que nunca existiu. Lutávamos com feixes de luz de lanternas. Saltávamos por cima dos sofás, imaginando que o chão era lava. Subíamos as árvores dos quintais e sítios. E descíamos até as profundezas dos rios que hoje a água bate em nossas cinturas.
Era assim, até um dia em que acordei e meu velho pai havia morrido. Digo velho, porque ele tinha 96 anos de idade quando morreu. Eu tinha 17 feito a alguns meses... Vivi aquilo do jeito que pude. Não houve barreira entre a onda de dor e meu peito. Foi um golpe e tanto. Demorei um bom tempo pra entender que qualquer um que pudesse ter me ajudado na época, recebeu a mesma onda. Com a mesma força, ou até maior. E hoje, eu realmente acho que não há barreira que represe essa dor. Para ninguém. Um dia, minha mãe chorava no silêncio do quarto que foi deles por 30 anos e eu entrei. Ver a própria mãe chorando é foda. Não sabia o que dizer, só queria que ela parasse de chorar. E depois de um tempo, ela finalmente parou. Um dia ela me disse que naquele dia, ela chorava porque não sabia o que fazer com a dor dos filhos. E eu fiquei pensando que a dor dela devia ser uma das maiores de todas, mas ainda assim ela sentia a nossa antes da própria. Aprendi uma lição foda naquele dia. Aquela dor, mesmo roendo as cordas que sustentava tudo que eu conhecia como mundo e realidade, ajudava a todo mundo a içar novas cordas. Com novos cenários. Para outros personagens. Permitindo que a vida seguisse seu rumo, até a deixa para que nós saíssemos da cena. E nossos filhos e netos entrassem. Até que houve um dia, em que a dor virou uma espécie de pesar. Que nem doía mais tanto.
Já escrevi aqui sobre a armadura imaginária do meu velho pai, velho cavaleiro da coroa real, velho mestre e grande amigo. Já disse que nós, os que vem depois dele, por vez a visitamos em um silêncio fúnebre mas que de alguma forma nos enche de esperança e alegria. Foi assim que eu aprendi, que com a morte dele, a vida segue. Sem nunca esquece-lo. Sem nunca deixa-lo para trás. Mas com um passo depois do outro, repetindo o que aprendemos para que o mundo seja melhor.
E quer saber? Seria um grande orgulho, se algum dia um filho meu me dissesse algo parecido. Seria um grande orgulho se a armadura que eu uso hoje para deter as espadas do caminho, um dia tivesse lugar ao lado da dele.

Manter a minha espada afiada. Minha armadura limpa. E meus olhos no horizonte. É o que posso fazer.
O meu melhor, até a deixa que me tire da cena.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Não fode.

Acordei estuprado. Fui vítima da ignorância. Igual a você, sua mãe, seu irmão e sua avó. O motivo do meu medo, não é de ser estuprado de novo. Não, eu tenho mais medo de ficar igual a todo mundo. De concordar com a idéia que a culpa do estupro é da minha roupa. É do meu sexo frágil. É da minha escolha. Que a culpa é minha. A culpa não é minha. Mas pode ser de tanta gente. Que eu nem saberia por onde começar. Mentira, saberia sim. A culpa é de quem passa a mão na minha bunda. De quem chupa os dentes ao me ver passar na calçada. A culpa é de quem acha que pode me comer porque quer. A culpa é de quem ensinou para os filhos que mulher é menor que homem. A culpa é de quem já levantou a mão para a esposa, namorada, noiva, ficante ou desconhecida. A culpa é nossa. E não adianta não ver a culpa para ela não ser tua. A culpa te acha. Te droga. E te estupra enquanto tu dormes.
Amanhã, vais ter filhos da culpa.
Seu filho da puta!

quarta-feira, 25 de maio de 2016

A lembrança do nosso esquecimento será assustadora.

Era silencioso. Eu não era medroso. Mas tinha medo. Como criança assustada. Quando a noite te cala. Quando o dia não vem. E a penumbra era tudo que te restava. Onde eu havia me metido? Tanto, terror. Tanto, que agora era nada.
Ouvi o choro sofrido de um de nós.

Corri, sem caminho.
Sempre sozinho.
Até encontrar.

O mundo.
Num vaso de planta.

Esperei a semente crescer.
E fui o que sou. Aqui estou. E agora vou.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Pra ver a minha dor passar...

Foi na batida do repente imaginário, que meu mundo girou. Veio a baixo a estante. E a linha reta entortou. Bateram na minha porta de madrugada. Era a solidão de saco e mala. Tomando seu lugar a mesa de jantar. Cantando antigas cantigas esquecidas de ninar. Eu não dormi até ela chegar. E nunca mais consegui me acordar. Passou o dia e a noite veio. Só para outro sol nascer, em total silêncio. Pássaros que não cantam e não voam nos observam, a respirar. Empilhamos nossos cadáveres nas ruas, exibindo nossa ignorância mortal, pra quem passar. Somos pó no deserto do existir. Chamamos de futuro tudo aquilo que está por vir. De passado, o que se foi. E o presente não existe. O presente é a mais pura das ilusões. Uma alucinação coletiva tão profunda que nos impede de ver o mundo como ele é. Vivemos a perturbação como se fôssemos parte dela. As maiores constantes do mundo são o vento e a morte. Sempre haverá vento e morte. Todo lugar é o mesmo lugar. Todo amor é o mesmo amar. Todo viver é o mesmo existir. Neva na escuridão do mundo. Nasce mais uma criança de um amor profundo. Morre no tiro perdido outro adulto. Entre as árvores cortadas e o rios destruídos, existe aquela última tribo. Daquela gente que não conheceu outra gente e não sabe o que é ser ruim. Daquela gente que não sabe que o homem é o lobo da gente e sempre viveu assim. Longe do que fizemos. Sem tanto "tendo", "sendo", "vendo". Mais sentindo. Ouvindo. Sorrindo. E que o criador me julgue se ele puder. Porque minha alma agora é livre. E o tempo passa bem, aqui. Aprendi tanta coisa e tenho tanta gratidão por isso que não consigo encontrar palavras que pudessem me fazer dizer a maior parte do que realmente sinto. Me lembro de quando eu era pequeno e ainda caia enquanto caminhava. Um dia, ouvi meu velho pai dizendo: "precisar aprender a caminhar...".
"É o único jeito de ver a tua dor passar...".
Entendi pai, obrigado.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Introdução.

Eu fiquei confuso ao escrever sem fuso. O céu azul me corrigiu, há frio. O café é quente. Meus cigarros são pacientes. Tive uma idéia idiota. Ou talvez só queria contextualizar a palavra demente. A vida é rara, diz a NASA. A vida é tão rara, disse Lenine. Eu sofro pra lavar minhas mãos no inverno. E sinto falta do abraço materno. Me confundi desenhando na parede. Achei que era criatividade, mas foi só sede. Enquanto o dia amanhece eu vejo as barras de renders de computadores correndo frenéticas por suas telas. Já já todo esse lado do planeta vai despertar. Imagine só, todos os olhos que se abrem em perfeita sincronia. E eu imagino como Machado de Assis leria o que eu escrevo, tanta diacronia. Tanta raiva nas ruas. Da janela eu vejo a linha do horizonte. Ela tá logo ali. Escondida atrás de um monte de terra. Já vi ela. Ela tá ali. Minha xícara de porcelana branca tem padrões formados pelo que restou do café nela. Um dos desenhos parece um rosto triste. Outro olhos que choram. Eu preciso me auto examinar com rorschach, certeza que haverá algo de errado comigo. Melhor deixar assim. Ainda estou vivo. Pensei nas coisas que perdi e não consigo recuperar. Há tanto tão longe. Talvez o destino tenha me passado a perna. Talvez a vida seja mesmo assim. Talvez o futuro seja só um presente que te faz sentir saudade do passado. Mas se o presente fosse eterno, tu sentirias falta de outra coisa. Talvez essa seja a natureza humana, o que nos moveu pra fora da caverna no primeiro momento. O que te fez olhar pro fogo das árvores com mais coragem do que medo. O que te fez imaginar que serias melhor em outro lugar. Em outro momento. Que era preciso caminhar. Que o caminho nos chamava. Que ficar, não dava mais. Talvez sejamos assim e só por isso estejamos aqui. Me ocorre que seria algo muito legal se cada encarnação fosse vivida em um planeta diferente. Flutuando a partícula que é nossa essência através dos planetas que existem nesse vazio. Fecundando novas células em diferentes atmosferas e rompendo a existência em novas vidas toda vez. Nascendo. Vivendo. Morrendo. E flutuando até nascer novamente. Pode ser. Vai ver existe até um tipo de maré cósmica que guia nossa essência através dos planetas. O sopro de Deus. Aquilo que nos criou. Ou vai ver, aquilo que nos criou foi o puro acaso. Uma deformidade do que eramos pra ser. Vai ver nosso maior defeito é pensar sobre isso. E sejamos só o azar de Darwin nos impulsos genéticos simples e frios de um homem que vê uma bunda bonita swingando em movimentos astrais quando passa pela calçada. Talvez sejamos pouco. Talvez sejamos tudo. Talvez a vida tenha nos dado mais do que possamos entender para que aprendamos.
Eu por exemplo aprendi a cozinhar. Vai ver, o planeta terra é a introdução do que ainda há de vir.
Mundos e mundos de existência.
Sem intervalos.
Só merchandising.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Tudo é tão normal.

Há poucos que sabem,
que somos planta.
E morte não é fim,

é colheita.
Raízes profundas.

Rasgadas de qualquer maneira.
Vida que cessa.
E depois recomeça.
Sol que se põe,

e se ergue.
A água que correu o rio.
Amou o mar.
Subiu às nuvens.
E voltou a cair.

Os olhos que te viram.
E se fecharam.
Novamente se abriram.
E se apaixonaram.

Choramos no fim.
Sorrimos no meio.
Tantos

recomeços.

terça-feira, 5 de abril de 2016

As vezes, não dá pra dizer tchau.

Sabe como eu sei que esse vai ser um daqueles textos de merda? Porque sim, eu sei. Eu sei porque escrevo sobre a morte do pai de um grande amigo, porque toca Sigur Rós nos meus fones, e porque eu tive uma ideia que gostei.
Meu celular sabe tudo da minha vida. Ele completa minhas senhas bancárias, me avisa dos meus emails profissionais e pessoais com tons diferentes, me indica bandas para as quais eu realmente pago pau (ele acerta muita vezes, mesmo!) e completa minhas palavras nas msgs que mando para o mundo.
Enquanto eu digitava uma mensagem, noutro dia, percebi que meu celular não sabe escrever a palavra "pai". É bem simples, ele não sabia (e provavelmente agora sabe), porque eu não a escrevo. Meu pai nunca teve celular, email, spotfire ou qualquer outro app, gadget ou elemento virtual em sua vida. Ele morreu antes disso tudo acontecer. Logo, eu nunca pude trocar emails com o meu pai (então troquei cartas) ou conversar com ele no whatsapp (nós nos falávamos pessoalmente quase todos os dias).

A morte pode ser uma coisa bem fodida (eu ia dizer confusa, mas fodida representa melhor). Um dos problemas da morte é que ao contrário de tantas outras coisas que temos controle, sobre ela não temos. Ela pode ser anunciada em forma de uma doença que cause dor e sofrimento ou pode ser abrupta como um acidente que acontece em menos de 10 segundos. A morte não se importa. Ela vem. Acontece. E vai embora. Sem receios. Sem problemas. Fria. Rápida ou demorada. Simples como uma folha que cai da árvore ou complicada como uma menina que nunca conheceu seu pai, até um dia antes de ele morrer.
A morte não te julga por seres rico, pobre, bonito, horrível, negro, oriental, bisexual, perverso ou a Madre Tereza de Calcutá. Ela abraça a todos nós.
Eu já pensei muito sobre a morte.

E o que complica muito as coisas, é quem fica para trás.
Quem permanece aqui, vendo as fotos, sentindo os cheiros, ouvindo os sons e pensando em quem foi. É um processo mapeado, nós criamos até um nome para ele, nós o chamamos de: luto.
Todo luto termina. A vida tem essa mania de ser maior que a morte. Tem uma frase que li a muitos anos atrás que diz: "Todos nós um dia vamos morrer, mas em todos os outros dias, nós vamos viver...".
La muerte já foi motivo de poemas, de lindas obras de arte, já foi a razão para se estudar a filosofia da existência. E a verdade, nobre leitor(a), é que sem a morte nada seríamos. A morte é a última página do livro que escrevemos todo dia. O capítulo final. A sentença derradeira. A morte é o fim para tudo que vive nesse planetinha "Via Lactea fundos".
E apesar de não considera-la mais significante que a vida, eu ainda assim digo: a morte é mais importante que o amor.  

Amo-te. 
Amor. 
Morte. 
E as sentenças sem ponto final
 

segunda-feira, 28 de março de 2016

Não é?

Vai ver
morrer é
Nadar
sem dar pé
Tentar
só na fé
Desistir 
do "se quer"
Para aprender:
Que vida e morte

são um só.
 

Tudo, é.
 
 
 

sábado, 12 de março de 2016

Dizem por aí...

Me disseram
que um é tolo.
E a outra é safada.
Que a vida é boa
e pra morte não se leva nada.
Nos convenceram a sentar 
na escola.
Nos carros.
E nos escritórios.
Nos ensinaram a ser igual.

Educados. Limpos. Simplórios.
Faça silêncio, sinal da cruz
caminhe reto.
Veja a luz!
Sei lá, 

não vejo nada...
Viver pra morrer.
Não é pra mim.
Mas ouvi dizer:
"-É sim!"

segunda-feira, 7 de março de 2016

A gente cansou de ser brasileiro.

Quase todo mundo conhece aquela sensação de acordar cansado. Sabe? De abrir os olhos em um dia quente, daqueles que nem precisam existir. Pois é. Hoje não é esse meu dia. Mas já os vivi e provavelmente viverei de novo. Ainda assim hoje de manhã, enquanto tomava uma xícara de café e ouvia as notícias da televisão, eu percebi: o Brasil está cheio de pessoas cansadas.
Não aguentamos mais aqueles que torcem para a esquerda, aqueles que torcem pela direita, aqueles que torcem pelo Evangelho, aqueles que são "Bolsoloucos", aqueles que querem tudo e aqueles que não querem nada.
Fomos divididos em times de futebol, em SP e RJ, em Nordeste pobre e lindo e Sul rico e vilão. Fomos separados em identidades que não identificam nada além do bairro de onde viemos.
E enquanto lá no palácio no centro do país, os engravatados e elegantíssimas representantes do povo cheiram cocaína, comem caviar e abrem champagnes rindo da nossa dor, ficamos aqui batendo boca. Feito gente louca que discute com a parede sobre ser ou não Napoleão.  Acho que eu preciso pedir desculpas pelo meu tom. Mas é que preciso saber: batemos boca por quem? É o dinheiro que fala tão alto? O amor a opinião política que independente da orientação visivelmente não deu certo na administração desse país. O que tá faltando? Falta vontade? Falta identidade? Falta vergonha na nossa cara? Tudo isso e ainda mais?

Eu sei que eu to cansado. Nunca concordei com o "ter orgulho" do brasileiro sobre futebol, samba, cachaça e bunda. De verdade. Mas é que ultimamente, tem sido pior. Ultimamente, uns querem mudar o seis pela meia dúzia e outros insistem em dizer que esse carro "capotante" é a melhor coisa que já nos aconteceu "nessa viagem". Não. Não é. Fim desse argumento.
Eu acho que tenho um pouco de medo do amanhã. De não concordar com nada do pouco que eu já concordo. De ver nossas ruas todas quebradas, nossa economia falida, nossos Joãos e Marias de rostos desolados e achar isso normal. Achar que "isso é Brasil". Não é possível. Eu nasci nessa terra como tantos outros. Vivi aqui toda minha vida. E deveria ter orgulho do que somos e temos. Mas não tem mais como. Esse país que levou nome de madeira de fogo. De brasa! Que é tão imenso e tão cheio de gente de verdade. De vontade. De sangue que ferve. De independência ou morte.
Esse país que podia ser tanto.
Mas que fica sentado sobre seus tesouros chorando ossos.
Usando grilhões de ferro pesado.
Feito touro castrado.

Feito escravo cansado.
Feito homem enganado.

Era pra ser diferente. Pra ser um país grande, com problemas sim como tantos outros, mas ainda assim grande de tantos jeitos diferentes.
Não é.


O Brasil diminui todo dia.
E de tanto que encolhe, ainda vamos sumir.
Ou cair em um sono desses de ditadura (que nem precisa ser militar, se você parar pra pensar...).
Somos pesadelo em terra de sonho.
Somos solidão em terra de todos.
Somos gigantes dormindo em terra de impávido colosso.


Ainda assim Brasil:
Em teu seio, há liberdade?
Se não houver, desafie por favor, o nosso peito a própria morte.
E sejamos, uma vez ao menos, uma pátria amada e idolatrada.
Que ninguém precise salvar.


quarta-feira, 2 de março de 2016

Aquele velho.

Fugia do verbo. Mas quando chorava bebia as próprias lágrimas. Gostava da chuva, mas sempre preferiu o gosto das maçãs. Jamais existiu mandinga mais forte que seu pensamento positivo. Tinha santo forte. Adorava olhar céus estrelados. Se sentia constelação. Assistia dias nascerem, quase sempre se emocionando. Como se fossem os últimos. Como se a vida não tivesse fim. Como se janelas fossem passagens extraplanares para dimensões distantes. Fazia sua rotina cantar. Tomava banho de Beatles. Cortava as unhas com Rubel. Cozinhava à Phill Veras. E apresentava Dônica as pessoas como se fosse um velho amigo de infância. Desenhava papeis e paredes. Guardava seus textos em gavetas. Queimava cigarros com gosto de café. E tentava a anos gostar dos filmes de Godard. Imaginava como seria envelhecer. Como seria se ver morrer. Como seria descobrir todo o mistério que cerca o segredo além dessa existência. Sempre me dizia que a vida era só o prelúdio. Que havia mais. Mas nunca me falou de Deus, mandamentos ou dízimo. E se alguém o questionava sobre essas coisa, sobre a hipocrisia humana, ele contava uma piada. Sempre das ruins. E ria como criança. Golfando no ar até lágrimas lhe escorrerem os olhos. Nunca se encaixou entre as outras pessoas. Ele precisava do seu espaço. Sofria muito com isso. Muitos o erravam nas palavras. Mas não eram as palavras que o machucavam. Palavras são só palavras. Era a crueldade alheia. A vontade de ver sofrer é que lhe doía mais. Um dia me escreveu uma carta dando adeus. Perguntei para onde ele ia? Não sei, respondeu calmo, e tu vais para onde? Não entendi. Eu acho que nunca entendia. Compartilhávamos diálogos longos, cheios de silêncio. Líamos lado a lado. Acendíamos nossos próprios cigarros vendo as chamas dançarem no imprevisível. Um dia eu cheguei no seu apartamento, para lhe contar novas novidades da ultima semana. Mas ele não estava lá. Sem cartas. Sem bilhetes. Sem nada. Por muito tempo, pensei que ele fosse fruto da minha imaginação. Que ele nunca existira realmente. Me peguei olhando para os cantos dos cômodos. Vendo sua imagem em baixa opacidade passar por mim. Apontando quadros nas paredes, atuando como atores de filmes antigos, chorando, sorrindo e cantando. Quando me percebi, escorriam lágrimas dos meus olhos. E antes que a primeira caísse, eu a bebi com a ponta da língua. E lembrei que ele sempre estaria em mim. 

Como a vida que se dá pra quem se deu. 
Ele, enfim, cedeu.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Pensa duas vezes.

Tecer sombras fez dela uma criança louca. Daquelas assustadoras. Que nunca envelhecem e vivem em bosques escuros com finais de tardes macabros.
Lá no fundo tinha certeza de que era gentil.

O mundo lhe reprovou.
Ela nunca mais foi vista, as pessoas pararam de entrar no bosque.

Quem você conhece que entra em bosques?
Pois é. Ela também.


domingo, 24 de janeiro de 2016

A vida que escolhi.

Como quem vê um filme, eu assisto o mundo pela janela. Os carros e as motos correndo apressados ao seus destinos distantes. As pessoas preocupadas com seus assuntos tão importantes, caminhando, falando, pagando e comprando tudo que podem. Sempre imagino como seria o mundo sem o ser humano. Todas as árvores que deixariam de ser cortadas, todas as aves que não seriam proibidas de serem aladas. Tudo que seria tão diferente, e que ficou assim. Com essa ferida de asfalto quente. Com essa crosta de cimento duro e seco. Com tanta fumaça e barulho. Cedendo esse curto espaço para que o mundo seja mundo. Do jeito que seria se não tivéssemos tanta sede, tanta fome, tanto medo e tanta raiva. O bicho homem é engraçado. Mas um engraçado triste e insensato. Vivemos esse curto dia que é a nossa vida, como se ele fosse eterno. E quando chega o por do sol do nosso viver, choramos as lágrimas que foram guardadas por toda manhã e tarde. Dizemos que a vida é injusta. Que não existe um sentido. Que somos a razão de tudo que acontece nesse planetinha distante do resto da galáxia povoada. Enquanto isso, longe dos pequeninos espaços que ocupamos nessa terra de Darwin, a água corre cristalina e livre por entre as rochas ancestrais que já estavam aqui muito antes da gente. Cavalos cruzam uma campina coberta de gelo, ao amanhecer de um dia de inverno. Mares de folhas se movem ao prazer do vento com a sincronia visual que os computadores mais velozes dos homens dificilmente alcançariam. No alto de uma alta montanha, longe do mais alto dos prédios humanos, a neve se acumula formando padrões que nunca nenhum de nós verá. E na profundeza do mais profundo oceano a escuridão é tão intensa que os que lá habitam produzem suas próprias formas de iluminar o caminho. Com lâmpadas literais balançando de seus corpos, como em um dos nossos filmes de ficção. Só que de verdade. Sem 3D, sem animações de alta complexidade e sem a direção de um humano.
Convenhamos, humanos não dão direção alguma.
Nós só fazemos do mundo um lugar cheio de falta de tempo. E é só.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Reververbo.

Na falta do nome.
A chama acende, chamado.
Na distância do acerto.

Percebo:
quem é errado?
Ser-se verbo, é.
E, se não for.
Põe de lado.