terça-feira, 24 de julho de 2018

Na estrada que me trouxe para cá.

Passado não chora.
Quem chora é presente.
E que presente m
e dei!
No dia que te esqueci,
me lembrei:
Passado não chora.
Futuro, eu não sei.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Todo universo em uma xícara de café preto.

Acho que acordei com um soco no estomago. Não é agradável. Mas quase todo mundo já passou por isso, acredito. Aqui, desse grão de areia flutuando no infinito negro do oceano intergalático, eu preciso dizer: não entendi nada. Essa confusão mental é um estado passageiro, eu sei porque já a tive antes, mas dessa vez vou aproveitar para escrever embaixo da nuvem que ela causa.
Na rua um senhor remexe o lixo, indo de latão em latão para catar latinhas de alumínio, restos de comida e o que mais a sua sorte lhe trouxer. Enquanto os carros que valem apartamentos passam em alta velocidade pela via, tocando as últimas músicas da moda dessa semana.
Uma senhora está sentada na calçada, com a mão direita esticada em concha dizendo que precisa de algum dinheiro a todos que caminham na sua frente. A maioria absolutamente indiferente a outro ser humano desesperado.

"- É uma preguiçosa, podia trabalhar..." - ouço alguém dizer.
Sinto inveja, queria pensar assim.
Em uma casa, de um bairro distante, a meia luz de uma final de tarde, com o céu roxo, amarelo e vermelho. Um senhor observa o manto da noite sendo esticado no céu. De mais um dia que seus filhos, netos ou bisnetos simplesmente não apareceram. Seus pés gelados doem, ele pensa, para eles há um cobertor. Para o seu coração, não.
Um amigo visita o túmulo de outro. Sua mão sobre a lápide o faz sentir a pedra áspera de tantos sóis e chuvas. Como naquela noite, era formatura do Dinho, o último da turma a terminar a faculdade. Ele tinha conhecido a Beatriz no último ano, amor ao primeiro porre. Tinha conseguido um estágio em SP, ia começar em fevereiro. Todos estavam juntos no clube. Os país do Dinho, seus tios e primos. A gente dançava e bebia como somente quem tem 20 e poucos anos faz, não pela quantidade, mas por não se importar com o amanhã. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. O carro dele foi encontrado captado ainda de madrugada. Completamente destruído. A Beatriz ficou em coma por quase 2 semanas. O Dinho morreu na hora. Sem estágio, sem noivado (ou término dramático de relacionamento), só morreu. E a gente enterrou ele em um buraco no chão, com uma placa de pedra em cima dizendo:

"Aqui jaz Augusto dos Santos Júnior, grande amigo e filho amado.".
Nunca vou me esquecer do rosto do Seu Augusto no dia do enterro. Acho que fiquei encarando ele por tempo demais. A mãe dele chorava lágrimas de desespero, lágrimas de uma mãe que morreu um pouco, que jamais se conformaria na vida com o que aconteceu. Mas o Seu Augusto não... Ele só encarava o rosto do próprio filho ali, naquela caixa de madeira, sem nem se importar com o mundo ao seu redor. Vez ou outra, ele passava a mão pela lateral do rosto do filho. E dizia algumas palavras bem baixinho. Ele sorria enquanto falava. Um amigo se aproximou e ouvindo uma parte da fala:

"-... seja feliz meu amor... Se cuida, que o pai cuida da mãe aqui... A gente te ama muito, meu amor... Muito, muito, muito..."
Algo assim. E hoje, quando eu vim visitar o túmulo do Dinho, encontrei outro amigo lá sentado. Ele chorava, eu não quis atrapalhar. Esperei dentro do carro de longe, até ele ir embora. Quando cheguei na lápide, havia uma carta fechada que dizia: 

"Para Dinho."
Eu coloquei ela na fenda do túmulo. O Dinho vai ler, eu sei.
Na rua, longe dali, em um dia chuvoso. Um cachorro se aninha entre uma parede e alguns pedaços de papelão molhado. Houve um tempo em que o nome dele era Toddy. O filho do seu dono adorava todynho, então foi assim que foi chamado. As vezes ele ficava sozinho em casa, mas a algumas semanas, seus donos o colocaram dentro do carro. E dirigiram para longe de casa. Abriram a porta e o Toddy correu para fora, correu para longe curtindo a grama sob suas patas. Quando ele ouviu o som do motor, voltou. A tempo somente de ver o carro fazendo a curva e desaparecendo. Esperou ali por várias horas, por 2 dias, quando a fome lhe venceu procurou água. Bebeu de poças, vomitou. Comeu lixo. Foi chutado por desconhecidos. E ontem um carro lhe atropelou. Desde então, sua pata traseira esquerda lateja e não pode ser firmada no chão. Deitado sobre o papelão molhado, Toddy ainda espera seu dono voltar.

"- Ele não me achou ainda..." - pensa - "...eu vou esperar mais..."
Um amigo me diz que nós não merecemos os cachorros. Que eles são bons demais para nós. Eu pensei muito sobre isso e concordo. Nós não merecemos os cães.

Em um apartamento do outro lado do planeta, Diana passa um lenço no rosto. Ela está dentro do banheiro. Seu namorado dorme no sofá. Ele chegou tarde, bêbado e cumprindo todos os limites do esteriótipo de um criminoso, deu um soco no rosto da sua mulher. Ela caiu, mas conseguiu correr até o banheiro e se trancar. Ele esmurrou a porta de forma indolente por alguns instantes, antes de cair no sofá e apagar enquanto prometia lhe dar uma lição assim que ela saísse. Diana significa "aquela que ilumina". Mas essa Diana aqui não aguenta mais. Chora o que tem para chorar sentada na privada. Se limpa novamente agora percebendo melhor o estrago do olho. Se enfurece, abre a porta e vê ele desmaiado no sofá. Pega uma faca de cozinha, a maior que tem em casa e sem demorar, passa a lâmina bem abaixo do queixo dele. Com força e em um movimento único. A garganta se abre como uma flor. No começo do corte ele já abriu os olhos tossindo. No final do corte ele já rolava no chão, se debatendo e manchando tudo que encontrava pelo caminho com seu sangue e saliva. Demora até parar de tossir e grunhir. Muito mais do que ela esperava, mas uma hora parou...
Diana não se importa em ser julgada pelo crime. Mas não aguenta mais apanhar toda vez que ele entra bêbado em casa... Ainda assim, ela levanta o telefone e liga para o seu primo e advogado. Ela não chora mas ele pede calma e diz que em 10 min estará ali. Pede que ela se tranque no quarto. Que tudo vai ficar bem. Que ela não precisa ser presa. Que ele a agredia. Pede que ela não faça mais nada, só espere 10 min...
Ela não quer mais nada.
"- Ninguém nunca mais vai me bater...." - ela diz baixinho largando a faca no chão e fechando a porta do quarto.
Em outra casa, de outra cidade, de outro continente, no meio da noite, ele pensa: 

"- Amanhã vai ser melhor...".
Longe dali em outra rua, em um outro apartamento, ela pensa: 

"- Amanhã eu vou conseguir fazer isso...".
Caminhando na rua, o Seu Adalberto diz para si próprio:
"- Vai dar certo!".
Dentro do carro, indo para o seu destino na BR, a Alessandra canta enquanto pensa:

"- Eu vou conseguir..."
Todo nossos corações pulsam. Eu imagino quantos tem o batimento na exata mesma frequência. No mesmo ritmo. Ao mesmo tempo. Quantos de nós piscam juntos, todos os dias. Ou as mesmas palavras que nós pronunciamos. Pensamos e desejamos coisas muito parecidas. Um pouco disso pode ser sorte. Mas tudo, não.
A minha xícara de café acaba e encontra o fundo branco da porcelana.
"- Outra hora eu escrevo mais" - eu penso.