terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Me dá um pedaço de vida?

Anoiteceu ao invés de amanhecer. E eu pensei: 
"- Esse vai ser um dia daqueles..."
"- Noite Leandro, vai ser uma noite daquelas. Não dia..." 
"- Verdade, obrigado. Quem és tu mesmo?"
"- Eu sou." 
Na verdade, eu sei quem é aquele que se auto denomina de "eu sou". É Deus naquele filme "Exodus: Gods and Kings". Que eu vi esses dias. Já sei, eu devo estar sonhando.
"- Isso é um sonho..." - eu digo baixinho.
"- Sim, um sonho..." - responde o eco no vazio.
O vazio ecoa a eternidade pelo infinito. Vazio, eternidade e infinito. Eu devia escrever sobre maquiagens e receitas de cupcakes. Isso aqui tá ficando meio pesado. Também não vai adiantar eu querer discutir Lacan com quem me pergunta as horas na rua. É exagerado.
"- Que horas são moço?"
"- Olha, o relógio marca 14h15. Mas o que será que o relógio quer dizer e não diz? Será que ele preferia que fossem 2h15 da madrugada? Será que por agora ser 2h15 da madrugada em outro relógio em outro lugar do mundo eu possa dizer que esse relógio aqui está mentindo? O que significa o tempo pra ti hein...? Hein-hein!?!"
Não daria certo.
Ei, criatura que "é". Ainda estás ai?
"- Sim Leandro. Eu sempre estou."
"- Minha vida inteira? Até quando eu tenho diarreia?"
"- Sim, até quando tens diarreia..."
"- Isso é um pouco perturbador, sabes né?"
"- Não. Não é. Ter diarreia é comum. Muitos mamíferos tem."
"- Ok..."
"- Acredite, eu vejo coisas piores do que diarreia."
"- O que por exemplo?"
"- Como assim, o que por exemplo? Eu não vou te contar isso..."
"- Ah tá. Tu "és" encabulado também?"
E a minha boca se solda em pele. Sem dor, eu fico sem conseguir falar. Como se nunca tivesse tido uma boca. A cavidade bocal inteira se fecha com a mordida perfeita dos meus dentes cerrados. Eu tento falar, mas emito nada além de um gemido gutural que fica preso na minha própria garganta. Não há mais por onde sair o som....
"- Humano, humano... Tantas palavras para tão pouco significado... Não consegues ver? Teu silêncio vale mais do que qualquer palavra que a tua boca suja possa pronunciar... Esse é o único jeito de te fazer ouvir? Te calando?!?"
Lágrimas de raiva escorrem dos meus olhos. A agonia é inominável.
"- Vou abrir a tua boca, pensa bem nas tuas próprias palavras. Pensa no que vais me dizer..."
E a minha boca se reforma. Lábios, saliva, língua que dança. Sinto tudo novamente. Abro e fecho a mandíbula para esticar os tendões e músculos.
Aquilo me observa atento. Como que registrando meus movimentos. Aguardando as minhas próximas palavras.

"- Ei...." - eu digo.
"- Fala Leandro...." - me responde.
"- Me dá uma mordida da tua vida?"
"- Não, arranja a tua própria vida. Essa é minha."
E fico sozinho novamente. Agora acordado.
Penso: droga, aquela vida dele parecia tão apetitosa. Eu queria uma mordida...

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Milionário e Zé Rico em "Nessa longa estrada da vida"

Na verdade, eu escrevi isso, ouvindo Cícero.
Todo dia é um passo. Dias bons são dois passos. Dias ruins são um passo a menos. Alguém me diz que mar calmo nunca fez bom marinheiro. E eu pergunto para o capitão dentro do meu barco imaginário o que ele acha disso.
Me responde: 

"- Navegar é preciso, viver não é preciso. Não posso evitar as tempestades ficando na terra. Navegar a tempestade é um preço pequeno a pagar pelo mar..."
Ele ama o mar. Eu sei.
Há quem ame a estrada.
Quem ame a luta.
A verdade.
O filho.

E quem ame nada.
Amar e caminhar o caminho. Não é todo mundo que entende, mas isso é mais importante do que chegar. O ponto final do destino só serve para que novos caminhos se abram.
E sem novos caminhos, o caminho não existe.
Um dia, todos seremos só um perfil do facebook largado as traças digitais. Seremos um perfil obsoleto do instagram. Seremos uma lembrança, uma foto dentre uma galeria. Seremos a estrada que andamos. O caminho que fizemos.

E enquanto eu falo sobre a ausência do corpo físico, alguém me pergunta qual é a graça em ter um blog se nem "likes" eu posso ganhar.
Vomito sangue sobre meus próprios pés.
Tudo vira camera lenta enquanto eu sinto o suor escorrendo pela minha testa. Uma vaso cai de uma comoda a alguns metros de mim. Vai demorar muito tempo até chegar no chão. E vai se estilhaçar quando o fizer. O vaso somos nós e a gravidade é Jesus. Péssima referência.
Antes do caos, ligo Baleia no meu fone e dou outro passo em direção a qualquer lugar.

Enquanto eu saio pela porta e meus dedos ficam em cima do teclado, eu penso que dá pra caminhar até sentado. O caminhar é mesmo incrível. Você caminha até parado. Caminha do jeito que quiser.
"Decifra-me ou te devoro!" - ouço alguém dizer.
"Quem disse isso?" - pergunto para a parede.

"Não sei Leandro, eu sou uma parede seu imbecil..." - responde ela.
"Desculpe parede. Acho que alguém me mandou decifrar algo ou serei devorado..." - digo eu olhando para minhas próprias mãos.
"Fui eu quem disse" - me fala essa voz que eu não consigo identificar se é feminina ou masculina.
"Quem és tu, ó voz misteriosa?" - pergunto novamente.
"Eu sou a vida, e mesmo que tu me decifres eu vou te devorar...." - responde ela com tom perigosamente perigoso.
"Que merda hein?!" - digo eu me sentindo o mais solitário dos seres do universo.
"Vocês não fazem ideia do tamanho da merda Leandro..." - responde ela surgindo diante de mim com um sorriso de mil dentes.
E o vazo finalmente encontra o chão em um universo de caos e cacos brilhantes.