sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Quem é você?

Passou por mim. Ombro a ombro na calçada. 
Nos olhamos por alguns míseros segundos.
Aquele olhar de quem se olha só para não se esbarrar.
Ele continuou o caminho dele. Nem me viu, eu acho.
Eu espero leva-lo para sempre comigo.
Eu estava de sapato, ele de chinelo. Estava trabalhando. Ele tinha o rosto cansado. Eu tinha comido, e falava no celular. Ele carregava uma sacola de lixo nas costas e parecia pesado. Eu dava passos largos, tinha pressa. Ele, parecia decepcionado. Mas com o que? Comigo? Com todos nós? Ele era tão frágil. Eu acordei com meu celular tocando uma musica que pude escolher. Ele usava o sol. Sol após sol, ele já nem lembrava mais quantos eram. Filho de um João e de uma Maria. Filho de um Pedro e de uma Silvia. Filho de um pai e de uma mãe que nenhuma diferença fazia. Eu estudei a vida inteira, me formei na faculdade. Ele catava coisas da rua, tudo na mesma cidade. Quem foi que disse que seria justo? Que a vida precisa de sentido? Talvez Deus não exista, é cada um por si amigo! A alma dele estava ali dentro, naquele corpo franzino. Quando passamos pela calçada, fomos vizinhos. Existimos. Eu de cinto nas calças e sapatos limpos. Ele quase descalço e com a boca sem sorriso. Se eu pudesse lhe dizer alguma coisa, qualquer coisa. Pediria desculpas. E nem sei pelo que. Não fui eu que lhe fiz o mal, eu sei. Nenhum de nós foi. Ninguém decidiu que essa seria a vida dele. E alguém me dirá, que ele até pode escolher esse caminho. Que teve chance na vida. Que não nasceu sozinho.
Mas nada disso importa.
Eu não pediria desculpas por ele. E pelo seu sofrimento. Pediria desculpas por mim. Por ter sido para ele, nada além de vento. Vivemos trancados em carros, escritórios e apartamentos. Com as nossas vidas cheias de importâncias tão importantes. E de tantas certezas. Somos Reis e Rainhas, em nossos próprios reinos. Vivemos e morremos como se o amanhã fosse uma certeza. E não é. Estamos errados.
Li em algum lugar que não vemos o mundo como ele é. Vemos o mundo como nós somos.

E nós somos muito feios.
Em um lugar onde crianças mortas vem com a maré. Onde a fome te põe pra dormir e te acorda. Onde o sangue lava o chão, saindo de furos de facas e balas.
Ser humano é muito pouco.

É preciso ser mais.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

(não) voltei de férias?

Não tenho medo de avião. Mas enquanto voava pensei em como seria morrer num acidente aéreo. Assim que pousamos, achei isso uma grande bobagem. No taxi que não era Ubber, mas deveria ter sido, ouvi que o país está no buraco. Nas paredes pichadas da cidade grande, muitos desenhos morriam. Até no chão tinha sangue. Nos rostos escondidos, por trás dos grandes prédios, eu via também rostos de mendigos. Uns usavam terno e gravata. Outros tinham pouco. 
Poucos dentes. 
Pouco o que fazer.
Pouco para esperar. 
Quase nada pelo que viver? Imaginei um viaduto limpo. Mas na terra do céu de concreto, não há amor. Dizia a letra do Criolo. Se há amor eu não sei. Mas aqui as pessoas não estão de férias. Eu tinha areia entre os dedos dos pés. Um copo com gelo nas mãos. Meus olhos alcançavam até a linha do horizonte. E só havia água. Sol forte. Céu azul. Na cidade grande, da fumaça e do fuzil. Eu uso óculos escuros com medo de ser assaltado. Da violência que eu vejo na rua, espero que ela sempre me deixe de lado. Se a sentido em viver essa vida, tomara que ele seja verde em uma floresta florida. Eu pensei que esse mundo pode ser as férias da vida além da vida. E quando morremos, nós voltamos a usar ternos com aberturas para asas nas costas. Pensei que nossos colegas de trabalho podem nos perguntar:
"- E aí? Você comeu?" - porque lá ninguém precisa comer nada.
"- Sentiu o sol? Estava bom?" - porque lá tudo que fazemos é carimbar os documentos kármicos dos que deixam essa vida em transição a próxima.
Nunca entendi muito bem o que é estar de férias. Até que vi uma entrevista do Rodrigo Amarante dizendo que o conceito de férias para ele é meio absurdo. Quando tu amas de verdade o que tu fazes. A ponto de isso ser uma pedaço de ti. Não existem férias.
Me senti como não sendo um idiota por não conseguir relaxar, mesmo estando de "férias".

Meu carro parou em um sinaleiro e um rapaz todo sujo se aproximou pedindo dinheiro. Uma daquelas cenas que te fodem onde tu não pode se defender.
Baixei o vidro dizendo que não ia lhe dar nada. 

Afinal, são as minhas "férias"...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Eu vou guardar tudo o que eu escrever só para mim.

Eu disse que as palavras me fugiram.
Escrevi isso em um bilhete e o guardei.
Perdi o bilhete e depois o encontrei.

Não entendi o que eu quis dizer.
Então o rasguei.
As palavras, depois achei.
Não entendi o que diziam.
As mudei.
Troquei ordem.
Acentuação.
E tom.
Falei para mim mesmo.
Usei o espelho.
Vidro da janela.
Disse que seria bom.
Tropecei tentando.
Passo é pulo da alma.
O choro me enxágua.
Dia e noite.
Abraço de tchau.
Até logo, tu me disse.
Até quando perguntei.
Sozinho e sem resposta.
Eu fiz uma aposta.
Apostei comigo mesmo que iria vencer.
Assim não posso perder.
Quando luto contra mim, o que sobra vai além do fim.
Quando me batalho, eu mesmo me faço nascer.
Como um novo começo.
De páginas iniciais.
Nada além de palavras.
Aquelas que eu te dei.
Que tanto procurei.
E que ninguém mais tem.