quarta-feira, 28 de junho de 2017

Igualdade.

Essas listas de músicas no youtube são muito legais. Eu conheço novas bandas todo dia ouvindo listas como essa aqui. Enquanto eu digito, desenho e penso em um circuíto que não tenho dúvidas, vai me levar a fazer uma máquina que viajará no tempo, escuto meu vizinho gritar:
"- MEU DEUS, TU É GAY?".
E me ocorre, como seria a resposta do cosmos para nossas questões sempre que as fazemos?
Algo do tipo:

"- Meu Deus, tu é gay?"
E antes que qualquer reação fosse possível, um flash de luz branca toma todo ambiente. Deixando para trás um homem com idade próxima a 30 anos, pele morena, olhos negros, cabelos e barba escuros e usando uma túnica puída de pé na frente de João.
João fica para com os olhos completamente arregalados. Sem reação. A beira de um ataque nervoso.
O homem lhe diz:

"- Sim João, ele é gay."
João falava com seu filho, Júnior. Que acabara de lhe dizer: 

"- Pai, eu preciso te contar uma coisa, eu quero me casar com o Adilson. Eu amo ele..."
E foi interrompido pelo grito do pai lhe perguntando se ele era gay.
João pisca uma. Duas. Três vezes. E finalmente diz:

"- O que eu fiz pra merecer isso Jesus?"
O homem da túnica puída responde:
"- Mas João, como isso te afeta? Do que tens medo?"
"- Da vergonha! Como é possível ter um filho viado???"
"- Da mesma forma que poderias ter um filho com qualquer outra característica..." - responde o homem da túnica puída.
"- Tu dizes isso porque não é teu filho!" - diz João.
"- Na verdade, vocês todos meio que são meus filhos....".
"- Ah cala a boca, que merda esse papo de evangélico... Irmãos o caralho...". - responde João gesticulando com as mãos...
"- Eu não sabia que tu ainda tinhas tanto a aprender João..." 
"- Olha só, cura ele por favor. Pelo amor de Deus, cura ele pra mim... Faz ele se casar com uma moça bonita, a Janaína filha do vizinho aqui do lado, já tá ótimo!".
"- João..."

"- Não, sem João, só cura ele por favor..."
"- João..."
"- Eu não posso viver com a vergonha de ter um filho viado. É muita humilhação..."
"- João..."
"- O que caralho!?!" - grita João.
"- Se eu fosse curar alguém seria você. Mas isso é contra as regras... Tu precisas aprender isso sozinho."

João fica em silêncio.
"- A vergonha que tu sentes, meu filho - disse o homem da túnica puída colocando uma das mãos sobra o ombro de João - vai passar. O amor que eu sei que tens pelo teu filho, acredita em mim, não vai."
João chorava.
Uma nova luz invade a sala e a figura do homem na túnica desvanece como magia.

João continuou chorando por algumas horas. Até conseguir se recompor, lavar o rosto na pia do banheiro. Se olhar no espelho e dizer:
"- Deus não existe."

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Com e sem palavras.

A cada palavra,
menos significado.

As sílabas que dançam

vão em vão
lado e alado.

Perde-se fala,

falada,
escrita,
vulgar. Varada.

A mímica 
é vazia,
no escuro.
No nada. Há tudo.

O cego fala ao surdo.
O surdo vê um mudo.
O mudo ouve o mundo.

E o mundo é só uma palavra.
Que muda

dependendo
de quem a fala.

E como toda palavra.
Fica com menos 
significado.
Descubro as palavras.
Me cubro de mundo.
Me vejo cego.
Não sou surdo.
Ou mudo.

Se não mudo.
Fico tudo.

Cheio de nada.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Seguinte, sigamos seguindo.

A água que sustenta o barco, é a água que o afunda. O barco furado, precisa ter água tirada do seu interior, e posta no seu exterior. Sem água o barco não se move. Com água no lugar errado, ele afunda.
Eu caminho sobre o chão que caio. O que me derruba, muda. Pode ser o vento, a pedra, o medo ou o tiro. O que me derruba não me importa tanto. Me ergo e sigo. Vou indo. Pé por pé. Passo por passo. O caminho não fica menor porque a gente cai. O caminho é o mesmo. De pé ou deitado. Sorrindo ou chorando.
A gente descasca avançando no caminho. E nos descascando, refazemos nós mesmos. Diferentes do que éramos. Sendo o que somos. Vendo o mundo com novos olhos. Ouvindo com novos ouvidos. E seguindo.
Parados, caídos, nos recusando a se mover. Tudo permanece. Tudo petrifica. Todo tempo se congela, e a chuva e o sol se soldam. Com dias após dias. Da mais perfeita igualdade. De total cristalização.
Alguns de nós, pelo motivo que for, preferem virar pedra do que descascar novas peles. Do que sangrar velhas dores. Do que crescer novas asas. Sem saber que o ato de descascar é impossível de ser impedido. Que mesmo as pedras, depois de milênios e milênios paradas no sopé da montanha, se partem. Se quebram em pequenos cascalhos. E escorrem, rolando pelas encostas até rios. E dos rios até os oceanos, se desgastando a cada milimetro que percorre. Até ficar pequena demais para ser vista. Até o que chamamos de desaparecer. Mas ao contrário do que pensamos, o vazio que preenchia toda grande rocha, está ali na quase invisível partícula da que sobrou.
E talvez, esse vazio de onde viemos e para onde iremos, seja um dos sentidos da vida. Talvez o sentido da vida, seja uma referência ao sentido em que a vida segue, do bebê ao avô. Da montanha, a pedra invisível no fundo do rio. O sentido do movimento que a vida tem. Como uma maré. Por mais que você fique parado, o sentido do dia é virar noite e virar dia novamente.
O sentido é o caminho.
Por mais que você escolha em ficar caído no chão. Chorando e reclamando das pedras e dos espinhos. O caminho é o sentido, é onde seus pés batem para segui-lo. O caminho é a água do barco. É o barco. É o furo. O caminho é o pé, o dia e a noite.
Alguém vai me perguntar: "Mas o objetivo é descascar? Devemos ir rápido pelo caminho então?".
Eu acho que não. A pedra vai demorar mais para descascar do que o bebê. Mas o que importa é que saímos do mesmo ponto e ao mesmo ponto chegaremos. Sendo pedra, pássaro, água ou nós mesmos.
Equilibrar a velocidade nos faz mais felizes do que gigantescas pedras tentando chegar aos oceanos. Cada qual com seu caminho.
Todos sendo o mesmo, um. Nunca totalmente sozinhos. Mas sempre únicos e ligados. Como folhas e galhos.
Como pés e chãos.
Como a água do rio que termina no mar. Para evaporar e se tornar chuva. Dando vida, morte e água novamente.
Até que o tudo absoluto se torne um tipo de nada confortável, que todos nós chamaremos de lar.