quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O muro.

Existe algo a respeito do muro.
E não é a sua altura.
É o silêncio daqueles que planejam derruba-lo.
E não se engane nobre transeunte: hão de derruba-lo em breve.
Não existe muro que resista para sempre. Nenhum deles se mantém de pé. Na verdade, a verdadeira função do muro não é delimitar a passagem.
Não. A real função do muro é cair.
Tijolo após tijolo, empilhados e acimentados. Perfilados em colunas verticais niveladas. Equilibradas com maestria.
Seguindo os relevos do solo. E se estendendo por longas distâncias.
Feitos como cicatrizes na pele da terra.
Lembrando a quem vem que não só a passagem é proibida, mas a visão também.
E nas sombras projetadas pelos muros, sentados no ponto em que a pedra empilhada se encontra com o chão, existimos confabulando sobre quais tijolos quebrar primeiro. Sobre por onde começar... E não nos confunda com aqueles que pretendem pular os muros para roubar a posse alheia. Assim que essa parede estiver no chão, nós começaremos a discutir qual deve ser a próxima. E a próxima depois dela.
Muros são feitos de pedras, mas são fundamentados sobre ideias. Nenhuma outra raça, além dos humanos, constroem muros impossíveis de serem ultrapassados. Murar é um habito nosso. E não só com pedra, madeira e metal. Nos muramos nossas vidas. E as vidas ao redor das nossas vidas. Muramos nossos pensamentos, muramos nossos olhos, muramos nossos hábitos, nossas lembranças e até nossos planos futuros.
Na verdade, a gente constrói tantos muros que ficamos até sem ter para onde ir. Dentro de tantas muralhas, com tantas alturas, materiais e espessuras diferentes a gente fica. Sem nem conseguir olhar para o céu direito. Nos sentindo completamente seguros.
Mas lembre-se, muros sempre caem. Seja pelo plano "mirabolante" dos que desejam a sua liberdade ou pela necessidade de outro muro ser construído. De uma forma ou de outra, aproveite a brecha pra olhar além dos tijolos... O planeta já tem muros demais. Seja o próprio céu que te proíbe de ver o espaço, ou o horizonte que te castra de perceber o que há além daquela montanha...

Para alguns muros, picaretas.
Para outros, basta dar um passo a frente.
Desmure-se!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Divisão de mundo paralelos e suas histórias fantásticas.

A primeira vez que ele ia na casa de uma namorada, conhecer seus pais.
Quando chegou lá, tava de boa. Mas não demorou muito pra sentir uma pontada na barriga, que evolui rapidamente para um clara identificação de gases. Até conseguir liberar um par deles, mas logo sentiu que a Fantástica Fábrica de Chocolates tinha iniciado a produção e precisava entregar a produção. Estava sentado na mesa com os pais dela, conversando sobre a cor do céu e essas bobagens. Quando perguntou onde era o banheiro, nos olhares ficou subentendido que era um xixi rap10. Lhe indicaram o lavabo ao lado da sala de jantar. Entrou no furacão do funk, soltando o baixo pela porta dos fundos. Desceu a calça na velocidade do The Flash e a cascata da lama foi liberada. Evacuação nível Shrek com direito a notas de Chuck o Boneco Assassino. O alívio foi tão grande que ligou o foda-se para o som da Orquestra Filarmônica do seu rabo.
Serviço feito, aqueles 10 segundos pra se recuperar, papel higiênico. Suporte vazio. Abriu todas as gavetas do móvel, zero. Sua bunda estava derretendo de suja. Alternativas:
1)não limpar, o cheiro ia ser foda.
2) limpar com uma cueca ou meia e jogar fora, o lixo era bem pequeno ia dar merda.
3)lavar na pia e secar como fosse possível, escolheu essa.
Tirou a calça, a cueca, as meias e os tenis. Motivo: não molhar a porra toda. Plano perfeito, ação rápida. A pia era suspensa ao lado do móvel, ajeita daqui e de lá, um pé pra cima, o outro na pontinha, ligou a torneira e a começou a efetuar a higienização. Primeira onda, segunda onda, terceira onda... Ouviu um crack. Nem deu tempo de nada, a pia rompeu. Tudo ficou preto.
Acordou no hospital. Luzes, médico, seus pais e a namorada chorando no conta da sala.
"- o que aconteceu?" - perguntou de prima.
"- Calma, tá tudo bem agora..." - diz o medico. - "... você sofreu um acidente, mas está bem...".
A namorada saiu correndo pela porta com os pais atrás dela.
A mãe só olhava para baixo, sem dizer nada. Seu pai esperou todo mundo sair e começa a falar:
"- ... os pais dela ouviram o som de algo quebrando, ou caindo no chão e foram até o lavabo ver se estava tudo bem. Te chamaram várias vezes, mas tu tava desmaiado. Alguns segundos depois, começou a sair água e sangue por baixo da porta. O pai dela se desesperou e arrombou a porta do lavabo. Encontrou vc caído no banheiro, todo sujo de merda e com um corte do tamanho de uma faca na coxa direita, com sangue e gordura saindo pelo corte... A porcelana quebrou e deu um talho na tua perna, tu levou 21 pontos. A pia estava estourada no chão, o cano aberto saindo água, a mãe dela começou a gritar e foi correndo fechar o registro, tua namorada ligou para a ambulância, o pai dela te levantou e te levou até a sala, completamente nu e cagado... Eles nos avisaram a caminho e estamos todos aqui agora...".
Ele nunca mais ouvi falar da namorada. Talvez as primeiras impressões realmente fiquem.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Artigo infiel.

Murro na cara, preciso te dizer que eu venho te traindo. Longe de ti eu escrevi em outras páginas em branco. Escrevi com canetas de várias cores. Escrevi em paredes, em mesas e até na pele de algumas pessoas. É isso. Longe de ti, eu continuei escrevendo. E fui escrevendo, frase após frase, através de muros, árvores, do chão, paredes e testas de pessoas, até voltar ao meu teclado. E digitar essas palavras.é muito libertador. Te dizer isso, é me livrar da culpa e me aceitar, como alguém que escreve além de ti.
Pensei em uma história em que uma pessoa saía de casa todo dia e ao se deparar com o porteiro do prédio, dizia:
" - Dia quente não?"
" - Sim sr. Dia quente..." - respondia o porteiro.
Um dia depois, na mesma situação:

" - Chovendo cedo.... que saco!"
" - Sim sr. Chuva de manhã cedo é complicado." - respondia o porteiro.
Alguns meses depois:
" - Tempinho nublado, vai ser um dia feio..."

" - Verdade sr, o tempo está fechado..." - respondia o porteiro.
Algumas estações depois:
" - E esse frio aí? De rachar né?" 

" - Muito frio sr!" - respondia o porteiro.
O tempo passou e chegou o momento do porteiro se aposentar. A empresa que o havia contratado o avisou da data com antecedência. E o porteiro se preparou para o último dia de trabalho. Acordou antes do sol nascer, fez a barba, vestiu o uniforme, tomou uma xícara de café preto, beijou o rosto da sua esposa e foi para o prédio.
Foi um começo de dia como qualquer outro... Algumas pessoas passando pela portaria sem nem percebe-lo. Organizar todas correspondências. Receber funcionários de empresas que vieram trabalhar no prédio... Nada demais.
Até que ele apareceu. Sempre trajado como um executivo, falando ao celular, postou-se na entrada a espera do seu motorista. A ligação logo foi encerrada e ele disse ao porteiro:

" - Abafado né?"
Mas dessa vez o porteiro não concordou:
" - Não!"
" - Não?" - disse o morador do prédio desconcertado...
" - Está abafado, mas hoje eu não vou concordar com a tua visão de mundo. Sempre reclamando da chuva, do sol, do calor ou do frio. O seu mundo é o que você percebe dele... Só isso".

O seu mundo é o que você percebe dele.
Não é preciso mudar de mundo, é preciso mudar de percepção.