quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Um dia desses.

Era uma terça feira. Dessas que vem depois da segunda e antes da quarta. Havia chovido muito, mas mesmo assim eles foram ao cinema. Maria Lúcia tinha os cabelos encharcados pela chuvarada. Luiz Alberto, era careca. Eles estavam sentados nas fileiras do meio da sala. O cinema ficava em um shopping movimentado e a sessão estava quase lotada. Era um filme brasileiro, comédia, com pessoas bonitas e uma história de amor. Não como todos, mas parecido com tantos outros.
Luiz Alberto golfava risadas enquanto os protagonistas se desencontravam em um enredo novela das 21h. Quando Maria Lúcia virou a cabeça para o lado e disse:
- Eu não acho que eu queira fazer isso.
Estranhando a fala dela, ele sem olha-la diz:
- Porque??? Esse filme tá ótimo... Olha ali o que tá acontecendo...
- Não o cinema Luiz Alberto, a gente. - ela disse lhe interrompendo.
Espantado ele a olhou:
- O que é isso Maria Lúcia? Tá louca?
- SHHHHHHH - fez alguém atrás deles - cala a boca!
Houve silêncio.
Até que ele recomeçasse:

- Do que tu tá falando? Aconteceu alguma coisa?
Maria Lúcia olhava a tela do cinema, mas assistia a outro filme. O seu próprio.
Casada com o namorado de faculdade. Mãe de dois filhos já crescidos, um de 18 outra com 22. Formada, empregada e feliz. Tudo era verdade. Menos a sua alegria. E não foi pelo caso que ela descobriu que seu marido teve com duas secretárias, os anos levaram essa dor e ela aprendeu a parar de procurar... Nem pelo tapa que ele lhe deu no rosto quando eles brigaram a meses a trás. O tapa nem lhe doeu ao rosto se comparado com o que faz a sua alma. Não foi por ter sido forçada a se tornar uma semi dona de casa empregada doméstica de 3 pessoas. Por seus filhos ela daria a vida, o que era então cuidar das roupas deles? Além disso eles sempre tiveram a ajuda de domésticas. Não foi também nenhum outro amor ou paixão. Apesar de que seu instrutor de ioga vivia lhe cantando descaradamente. Não. Maria Lúcia não teria coragem de ir tão longe. Não era também porque ele havia engorgado. Ela também havia antes de recomeçar a se cuidar. A diferença foi que ele nunca nem quis se cuidar. Nunca nem lhe permitiu argumentar a respeito... Na verdade, poderia ser, mas também não era pela quase total ausência de uma amizade real entre eles. Transavam. Comiam juntos. Dormiam lado a lado. Mas não eram mais a Lu e o Alemão, da faculdade. Eram outras pessoas. Pessoas que não se conheciam, nem se reconheciam. Mas de algum modo, ele parecia bem com tudo isso. E ela não...

Não era nada.
- Não, nada. - ela respondeu.
- Mulher louca... - disse ele virando para a tela novamente.
Era tudo isso junto, e muito mais do que ela podia até mensurar.
- A vida não é para ser tão triste sabia Luiz Alberto? - ela lhe perguntou.

Ele a olhou arregalado.
- Um dia desses, tu vais entender:  a vida não é para ser tão triste. - ela repetiu.
Se levantou e se foi.
Talvez ela volte.
Talvez não.

Talvez eu a encontre um dia desses caminhando de mãos dadas com o novo namorado.
Sendo mais ela. Mais feliz. Mais leve. Mais o que ela sempre quis ser.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

O caso no ocaso.

Vejo no acaso.
Do oceano que estou.
No raso, me caso.

E profundo, me vou.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Para quando eu me for.

Queria era escrever textos daqueles que fazem arrancar arrepios. Que as pessoas se emocionam quando leem... Que dizem que foi escrito pelo Pedro Bial ou pelo Luis Fernando Veríssimo. Textos daqueles que se leem em final de big brother, ou em seções de estudo no curso de literatura da PUC. Textos com aquelas frase do tipo: a vida é assim. Quem sabe o que é o amor? Mas na corrida da existência, todos somos vitoriosos. O mundo é lindo e gigantesco. Cheio de fadas e dragões escondidos, esperando os corajosos para os descobrirem.
Tu vê, eu queria escrever coisas assim, mas das pontas dos meus dedos só sai lodo e escuridão. Daqui, da praia onde as crianças mortas são trazidas pelas mares, o mundo não é tão bonito. Isso me lembrou dessa foto famosíssima dos anos 90, o autor se chamava Kevin Cartner.

Ele ganhou um Pulitzer pela fotografia tirada em 93.
E se matou em 94.


Era isso que eu queria fazer, a foto.

O bom de publicar algo assim, é que tu nem precisa pensar em um final.

É só olhar para a imagem.

Isso é final o suficiente para mim.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A tua vida acaba daqui a pouco. E isso nem é uma coisa tão importante.

Era um desses caras feinhos. Sem nada de charmoso. Comum. Parecido com outros centenas de milhares de Joãos. Apesar de que seu nome era Eros. A história do seu nome, em poucas palavras, foi uma idéia de seu pai. Eros, o Deus grego do amor, sempre lhe serviu de inspiração. Uma inspiração vazia e distante do ícone histórico. Mas que foi forte o suficiente para ser o nome do seu filho. A sogra lhe franziu o cenho. A esposa sorriu da graça. Seu pai perguntou: 
"- EGOS?"
"- Não pai, EROS! O deus grego do amor..."
"- Que bobagem..."
E foi assim.
Era feinho.
Comum.
E se chamava Eros.
Quando criança foi alvo de brincadeiras escrotas de seus coleguinhas de colégio.
Adolescente, era envergonhado e submisso.
Como jovem adulto, conheceu outros iguais a ele, principalmente na faculdade. E construiu algumas poucas amizades. Cursou filosofia.

Amores platônicos teve dezenas. Na verdade, sabia que não amava nenhuma. Mas desejava para si um relacionamento. Alguém para chamar de sua. Amiga, que lhe namorasse. Namorada que lhe casasse. Esposa que lhe fosse importante, mãe de seus filhos. Alvo do seu tesão. Que horrível seria morrer solitário, achava.
Mas não teve namoradas. Eros, o Deus do amor, sem namoradas...
Amigas, algumas. Duas importantes, pelo peso que a amizade adquirira com o passar do tempo.

Uma fazia psicologia, e lhe prestava atenção pela profundidade que aquele rapaz silêncioso sempre tinha em seus comentários.
A outra, mais bonita e charmosa, que cursava filosofia ao mesmo tempo que ele. Era seu segundo curso, ela era formada em direito. Divorciada e mãe de uma menina cujo o nome não tem importância alguma nesse contexto.

Eros, se formou.
Passou em um concurso público para lecionar em uma faculdade.

Seus pais moravam longe, se aposentaram e partiram.
Ele ficou só.
Falava com a mãe por emails e algumas ligações ocasionais no celular.
Eros continuou a estudar. E um dia, numa daquelas cenas clássicas do cinema americano, ele dobrou uma esquina dentro da faculdade que dava aula. Estava atrasado para uma prova que daria a seus alunos. Cheio de papeis e livros sobre os braços. Quando ela lhe esbarrou no corpo. Estava carregando seus próprios papéis. E tudo voou em camera lenta. Se misturando uns aos outros.
A moça se desculpou imediatamente, enquanto juntava tudo do chão. Dizendo que lhe ajudaria. Que era nova, e estava perdida. Que lhe devia mil desculpas.

Foi quando seus olhos se encontraram.
Lentos e preguiçosos.
Os dele atrás de óculos.
Os dela atrás de cachos dourados.

Ela sorriu primeiro.
Ele não acreditou e ficou a encarando.

Até se pegar sorrindo e dizendo que não havia problema. Tudo estava bem. Bem como nunca estivera em sua vida, mas isso ele não disse.
Sem jeito, os dois perceberam que se atraíram.
Flertaram suavemente.

E foi cada um para o seu lado.
Ele perdido e se perguntando se já estaria apaixonado.
Ela confusa e sem saber se ele estava interessado ou só muito bravo.

Naquela noite, ela que se chamava Letícia, morreria em um acidente de moto. Um onibus intermunicipal lhe fecharia a frente em um viaduto. Sua moto subiria na calçada. E seu corpo seria arremessado contra as grades de uma construção dessas que ficam lá para sempre. Sem serem terminadas.
Eros a procuraria por dias. Até ouvir alguém dizer que ela morrera. A Letícia, a menina nova que começava psicologia. Era bonita, mas ficou linda depois de morta. Era doce, mas ficou sendo a melhor de todas as meninas do campus. Era inteligente, mas foi chamada de brilhante pelo Reitor no enterro.
Eros perderá seu amor. Sua única chance. Sua última, provavelmente.
Muitos e muitos anos depois, décadas. Eros, aposentado em uma asilo desses caros para senhores e senhoras, escrevia em seu caderno/moleskine algumas palavras.

Um amigo que sempre lhe procurava para conversarem sobre as coisas da vida, lhe procurara novamente naquele dia.
Eros parecia mais distante do que o normal. Parecia triste.

No outro dia, seu corpo seria achado frio sob os lençóis brancos da grande cama.
No seu caderno, bem na ultima página, escrevera:


"Do amor, carreguei a sombra.  
Só que amor não faz sombra.
Amor que não existe, nunca sobra.

Não transborda.
Amor que não acontece, se esquece.
Se afoga.
Sem afagos.
E sem dobras."

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Mundar.

Vai:
Muda o mundo.
Se inunda.

Fica,
imundo
o mundo.
Sem mudar.

Mundo grita.

E fica mudo.

Mas mudo
é mais mundo.
Que o imundo mundo

que nunca quer mundar.