segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A tua vida acaba daqui a pouco. E isso nem é uma coisa tão importante.

Era um desses caras feinhos. Sem nada de charmoso. Comum. Parecido com outros centenas de milhares de Joãos. Apesar de que seu nome era Eros. A história do seu nome, em poucas palavras, foi uma idéia de seu pai. Eros, o Deus grego do amor, sempre lhe serviu de inspiração. Uma inspiração vazia e distante do ícone histórico. Mas que foi forte o suficiente para ser o nome do seu filho. A sogra lhe franziu o cenho. A esposa sorriu da graça. Seu pai perguntou: 
"- EGOS?"
"- Não pai, EROS! O deus grego do amor..."
"- Que bobagem..."
E foi assim.
Era feinho.
Comum.
E se chamava Eros.
Quando criança foi alvo de brincadeiras escrotas de seus coleguinhas de colégio.
Adolescente, era envergonhado e submisso.
Como jovem adulto, conheceu outros iguais a ele, principalmente na faculdade. E construiu algumas poucas amizades. Cursou filosofia.

Amores platônicos teve dezenas. Na verdade, sabia que não amava nenhuma. Mas desejava para si um relacionamento. Alguém para chamar de sua. Amiga, que lhe namorasse. Namorada que lhe casasse. Esposa que lhe fosse importante, mãe de seus filhos. Alvo do seu tesão. Que horrível seria morrer solitário, achava.
Mas não teve namoradas. Eros, o Deus do amor, sem namoradas...
Amigas, algumas. Duas importantes, pelo peso que a amizade adquirira com o passar do tempo.

Uma fazia psicologia, e lhe prestava atenção pela profundidade que aquele rapaz silêncioso sempre tinha em seus comentários.
A outra, mais bonita e charmosa, que cursava filosofia ao mesmo tempo que ele. Era seu segundo curso, ela era formada em direito. Divorciada e mãe de uma menina cujo o nome não tem importância alguma nesse contexto.

Eros, se formou.
Passou em um concurso público para lecionar em uma faculdade.

Seus pais moravam longe, se aposentaram e partiram.
Ele ficou só.
Falava com a mãe por emails e algumas ligações ocasionais no celular.
Eros continuou a estudar. E um dia, numa daquelas cenas clássicas do cinema americano, ele dobrou uma esquina dentro da faculdade que dava aula. Estava atrasado para uma prova que daria a seus alunos. Cheio de papeis e livros sobre os braços. Quando ela lhe esbarrou no corpo. Estava carregando seus próprios papéis. E tudo voou em camera lenta. Se misturando uns aos outros.
A moça se desculpou imediatamente, enquanto juntava tudo do chão. Dizendo que lhe ajudaria. Que era nova, e estava perdida. Que lhe devia mil desculpas.

Foi quando seus olhos se encontraram.
Lentos e preguiçosos.
Os dele atrás de óculos.
Os dela atrás de cachos dourados.

Ela sorriu primeiro.
Ele não acreditou e ficou a encarando.

Até se pegar sorrindo e dizendo que não havia problema. Tudo estava bem. Bem como nunca estivera em sua vida, mas isso ele não disse.
Sem jeito, os dois perceberam que se atraíram.
Flertaram suavemente.

E foi cada um para o seu lado.
Ele perdido e se perguntando se já estaria apaixonado.
Ela confusa e sem saber se ele estava interessado ou só muito bravo.

Naquela noite, ela que se chamava Letícia, morreria em um acidente de moto. Um onibus intermunicipal lhe fecharia a frente em um viaduto. Sua moto subiria na calçada. E seu corpo seria arremessado contra as grades de uma construção dessas que ficam lá para sempre. Sem serem terminadas.
Eros a procuraria por dias. Até ouvir alguém dizer que ela morrera. A Letícia, a menina nova que começava psicologia. Era bonita, mas ficou linda depois de morta. Era doce, mas ficou sendo a melhor de todas as meninas do campus. Era inteligente, mas foi chamada de brilhante pelo Reitor no enterro.
Eros perderá seu amor. Sua única chance. Sua última, provavelmente.
Muitos e muitos anos depois, décadas. Eros, aposentado em uma asilo desses caros para senhores e senhoras, escrevia em seu caderno/moleskine algumas palavras.

Um amigo que sempre lhe procurava para conversarem sobre as coisas da vida, lhe procurara novamente naquele dia.
Eros parecia mais distante do que o normal. Parecia triste.

No outro dia, seu corpo seria achado frio sob os lençóis brancos da grande cama.
No seu caderno, bem na ultima página, escrevera:


"Do amor, carreguei a sombra.  
Só que amor não faz sombra.
Amor que não existe, nunca sobra.

Não transborda.
Amor que não acontece, se esquece.
Se afoga.
Sem afagos.
E sem dobras."

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