quinta-feira, 18 de abril de 2019

Sobre ser livre em mundo de masmorras.

Eu prefiro ser livre.
Isso não me faz melhor que ninguém. Mas também não dá pra aceitar que me faça pior... Ser livre é no fundo uma declaração de independência. Um grito de liberdade contra os grilhões que violam a rotina que te proíbe de florir na primavera. Que não te deixa abrir as asas e voar. Que te diz que não vai dar pé, que não vale nem tentar.
Claro que o risco não é o único preço que a liberdade cobra. Li em algum lugar que o que a vida quer é que tenhamos coragem. Talvez, mas principalmente, a vida quer que tenhamos coragem para desafia-la.

"- Tu vai falar alguma coisa?"
Em silêncio por muito tempo, ele levanta os olhos lentamente.
"- Não vai né?" - perguntou ela com os olhos semi cerrados. - "Tu vais ficar quieto..."
Ele respirava fundo. Não de forma barulhenta ou agressiva, só respirava sentindo o ar circular pelas narinas em direção aos pulmões. Num ato intenso, ritmado e profundo. Como se cada respirada fosse uma chance de viver mais um pouco. Como se a cada vez que ele inspirasse o ar para dentro do seu tronco, a vida recebesse mais um pouco de água. A vida recebesse mais um pouco de tempo.
Até que ele vagarosamente inspirou o ar, enchendo seus pulmões com bastante ar. E não o soltou. O som do mundo se calou. Os pássaros não conseguiram mais cantar. Os passos não causaram mais barulho. O vento não conseguia assobiar. Tudo ficou mudo.

E na sua frente, a vida parecia tentar gritar. Gesticulava nervosamente, movendo mãos e braços, movendo lábios e língua. A vida vivia a agonia. 
"- Tu não vais mais decidir por mim..." - ele pensou em total silêncio.
A vida já estava de joelhos, se asfixiando. Roçando as pontas dos dedos no próprio pescoço, com lágrimas escorrendo dos olhos. Quando ele disse:

"- Eu sou livre!".
E todo o som do mundo voltou.
Como uma onda que encontra a areia da praia.
A vida golfou ar para dentro, respirando tempo e concordando com a cabeça.

Eu sou livre, ele disse. E a vida ouviu. Desde então, qualquer um que deseje ser livre, só precisa dizer. Ser livre é uma escolha. E apesar de todas as vezes que ele cai, alguém rir, alguém lhe apontar o dedo, alguém lhe dar palavras perversas pelas costas. Ele dobra os joelhos e novamente fica de pé.
"- Ralar os joelhos é um preço barato para se pagar pela minha liberdade." - ele me disse.
E o caminho segue longe. Passo por passo, queda por queda. Vitória por vitória. Ele vai, já não mais sozinho. Mas acompanhado por tantos outros que concordam que a liberdade é talvez o mais importante dos valores. Pois sem liberdade, nenhum dos outros valores podem ser  valorizados.
A vida lhe segue, as vezes preocupada, as vezes achando graça. Mas sempre orgulhosa, pela coragem que teve em ser livre.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Quando eu era pequeno.

Sol nascendo sempre me dá esperança. Sempre me deu. Sol nascendo é a semiótica do universo resumida na imensidão do céu. Eu lembro de quando criança, assistir por vários dias o sol nascendo. E quando eu conversei com meu pai sobre isso ele me aconselhou a desenhar ou escrever sobre o que eu sentia. Acho que eu to até hoje fazendo isso: escrevendo e desenhando o que sinto.
E sei lá, não me parece que existe certo e errado nisso. É só algo que aconteceu. E também acho que esse pensamento de não me permitir ver o "certo ou errado" nas coisas é algo que faço a pouco tempo. Na real, foi depois dos 30 que isso começou... Antes eu julgava com muito mais frequência. Aprendi que quanto menos eu julgo, mais leve eu me torno. No final, é um ato hedonista, de querer ser mais leve. Talvez até de ser mais feliz. Mas de qualquer forma, é melhor assim.
A vida é curta demais para sinais vermelhos, ouço alguém dizer. E de fato, acredito que seja... Mas entendo que os sinais vermelhos aqui, não sejam os semáforos com a luz vermelha acesa. Não. Eu acho que estamos falando de parar para julgar o próximo a cada tropeço que esse dá.

"- Tu ficou sabendo do Fulano?" - me perguntam.
"- Não fiquei sabendo do Fulano!" - respondo.

"- Ele fez isso e aquilo e depois aconteceu aquilo outro e mais aquele negócio...".
E eu me sinto no recreio do meu colégio, estando no pré-escolar. Sentado no pátio com a minha lancheira do He-Man aberta, comendo um pão com manteiga, presunto e queijo. Sinto o sol das 10h da manhã batendo no meu rosto, o vento movendo as folhas da grande árvore que tinha naquele pátio. Meus amiguinhos e amiguinhos conversando sobre desenhos animados e brinquedos... E aí alguém tropeçava na frente do pequenos, e a gente gargalhava como se aquilo fosse um circo. E a pessoa que tropeçou fosse um tipo de bufão ou palhaço. Simplesmente ignorando que essa pessoa podia ter se machucado, se ralado ou simplesmente ter ficado chateada pela humilhação de cair em público sem querer...
Mas nós todos éramos crianças.
O tempo passou e soprou a nossa infância para longe.
"And now that i´m older, my heart is colder..." canta o Arcade Fire nos meus ouvidos. (Inclusive, se puderes, clica nesse link e assiste a essa versão da música com o David Bowie, que é fantástica...).

Hoje, provavelmente a grande maioria de nós correria até a pessoa que caiu lhe oferecendo ajuda. Mas as vezes, você vai encontrar alguém que apontaria o dedo e riria.
Não deixe de ir até a pessoa e ajuda-la, mesmo ouvindo risos.

Acho que a vida é sobre saber envelhecer.
E é isso.



terça-feira, 9 de abril de 2019

Me atiro sobre o tiro.

Eu tava pensando que todo começo de texto é a eclosão de um casulo. Não sei como os outros escrevem, eu pelo menos, nunca tenho certeza do que vai sair pela ponta dos meus dedos. É parecido com a maturação de uma fruta, tu não tem certeza do sabor do morango até poder prova-lo. Eu sei que já falei sobre isso antes, mas a página em branco é um desafio para qualquer um que deseja se expressar. Ela é a primeira a ler o que se diz. E as vezes te diz que não gostou do que está escrito. Outras vezes ela permanece em silêncio. O fato é que nem sempre se pode ouvir as vozes pelo caminho, a voz da página em branco é só mais uma a ser ignorada.
Mergulho mais fundo e o que me vem a mente é um emaranhado de lembranças. Ainda essa semana eu sonhei com o meu velho pai, ele sorria, parecia super bem, mais jovem do que da última vez que eu lhe vi. É um daqueles sonhos que são parte sonho, parte pesadelo. Eu lembro de sorrir de volta pra ele e do pensamento "pô, agora eu posso falar contigo sobre isso aqui que eu tenho guardado..." mas mesmo tentando, eu não conseguia falar. Até pensar: 

"- Ok! Eu não falo nada então, só de ficar perto de ti já tá massa..."
Alguém me diz que o sonho não era sobre meu velho, era sobre "isso aqui que eu tenho guardado...".
Talvez.
Mas eu continuo a descer nesse universo branco e deixo o setor "velhos parentes que já morreram" para trás. "When i come back, i´ll give you love and I hope that you´ve not given up", canta o George Taylor nos meus ouvidos exatamente agora. É uma boa música, por isso deixei o link.

É engraçado como a gente persegue o sol. Quando o sol não está no céu, a maior parte da humanidade se desliga do mundo. Hão de dizer que existem os que trabalham a noite, os que curtem a madrugada e os que não conseguem dormir. De fato, eles existem. Mas a grande maior parte de nós, segue o sol para onde ele for. Somos como girassóis que caminham pela terra. Sempre em busca de mais um raio de luz. Não é de espantar que os primeiros de nós fizeram do sol uma divindade. Ok, parei. Alguns pensamentos são pássaros presos em gaiolas, livres se vão para além dos olhos. Presos são bonitos e tristes ao mesmo tempo...
Tenho tentado não escrever sobre esquerda e direita, sobre política e comportamento humano. Mas não vou mentir: tenho enchido a minha caixa de "rascunhos" do BLOGGER com vários textos inacabados.
Esses dias sentei para fazer a minha primeira tatuagem, e depois de 5h, ela estava feita. Não vou reclamar de tudo o que aconteceu com ela depois, basta dizer que falar sobre a marca que escolhi pra minha pele é completa quando a menciono nesse tecido digital que é o MURRO. Eu a acho linda de qualquer forma e não tenho nem 1g de arrependimento.
Minha pele foi a página em branco de alguém.
Quantas vezes nós somos a página em branco de outras pessoas?
Prontos para cumprir o que se espera ou o que desejamos? Ou o meio termo entre as duas opções?
Viver é tatuar os dias, nós nunca poderemos voltar para corrigi-los. Mas sempre poderemos tatua-los de outra forma amanhã.
Não se esqueça nobre navegador digital: viver não é preciso, navegar é preciso.
Até :)