segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Olá, como vai você?

Dia vai, dia vem e eu não ligo. A vida segue sem alarde. Vejo os dedos apontando direções. Mas sigo caminhando meu próprio destino. Que até pode ter sido escrito, em algum livro, por algum tipo de Deus antigo. A minha graça está na descoberta. No esforço do próximo passo. Na gentileza do sorriso desconhecido. Na palavra de afago. E se o dia terminar com um por do sol roxo, verde e amarelo, eu digo: muito obrigado.
Não duvido que o mundo faça parte do plano. Como uma peça com seu cenário. No fundo, um pano. Em que atores entram e saem do palco de acordo com as suas deixas. Respeitando as falas do roteiro. A mocinha que chora de raiva do amor que não deu certo. O vilão que esfrega as próprias mãos dando uma risada que representa o caos trazido por ele mesmo a trama. E o herói, com suas falas prontas e seu jeito de instrumento afinado. Perfeitamente sincronizado com a orquestra. Até o momento do seu majestoso solo. Quando seu tom sobe solitário. E ele dança pela trama trançada pelos outros atores. Causando admiração na platéia. Terminando com um beijo nos lábios doces da mocinha injustiçada. Ao fechar das cortinas, as luzes do salão se acendem ao som das palmas. E na reabertura, todos estão lá alinhados lado a lado. Perfilados como pregos presos a uma tábua. Se curvando em agradecimento. Alguém entrega flores aos atores. Que sorriem enquanto a cortina se fecha novamente. Agora sim, para o final da peça.
Na saída do teatro eu encontro um amigo que não vejo a muito tempo:

"- Fulano! Tudo bem?" - pergunto.
"- Opa!" - ele responde.

"- Acho que eu to morto, isso aqui é um tipo de purgatório.... E tu?". - digo.
"- Não sei ao certo, não me lembro nem do meu nome. Nem do teu."
"- É, eu também não. Por isso te chamei de Fulano...".
E eu acordo deitado na minha cama. De um segunda feira qualquer do ano. Zonzo e com sono. Eu me arrasto até o dia que me espera. E depois de lavar tudo que preciso e tapar tudo que é necessário, eu ganho um ticket de passagem para a sociedade humana. Entro no elevador do meu prédio e vejo um cara qualquer. Digo:

"- Bom dia!"
"- Bom dia Leandro!" - ele responde.
Estranho, não me lembro de a gente se conhecer. Penso.
"- Meio que a gente nunca foi apresentado... Mas eu sou Deus e leio todas as mentes a todos os instantes!".
"- Puta que me pariu!" - eu digo.

"- Relaxa. Tá tranquilo." - ele diz.
Fico sem reação. Simplesmente travado.
Ele me olha, sorri vagarosamente. Um sorriso feio. Torto. Meio sem jeito. Perturbado. E se vira quando o elevador para... A porta se abre e um cachorro entra segurando um homem na coleira. O cachorro usando terno, gravata e um chapéu. Sapatos de couro e um óculos de grau. O humano completamente pelado, de quatro no chão...
Todos se olham como se nada de anormal estivesse acontecendo. E sorriem uns para os outros. Menos eu, por motivos óbvios.

O homem encoleirado olha para cima e diz me olhando:
"- Olá, como vai você?".


quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Como peixe fora da água.

Pessoas circulam por dentro de prédios nas cidades como micro organelas se organizam dentro de células. Falando umas com as outras ou prontamente se ignorando. Sem nem perceber como fazem parte de toda essa organização complexa. É engraçado se você parar para pensar: em como a perspectiva muda a história. O contexto da formiga não é o mesmo que do pássaro. Nem um cachorro percebe o mundo como um peixe. E nós que ocupamos o cargo de seres "mais evoluídos" do planeta, curvando todos a nossa soberana vontade, vivemos como se até a morte fosse uma empregada do nosso prazer. Flutuamos sobre esse grão de areia perdido no vácuo do universo. Enquanto a sua ronda ao pai sol arde em milhares de milênios. E acredite, muitos de nós ainda perdem o dia porque a cor do carro que queriam comprar não está mais disponível. Ou porque o seu amiguinho Organela da Silva lhe olhou torto. Lhe disse algo no tom errado. Ou qualquer outro desses motivos que ninguém se importa de fato. Mas que muitos pensam se importar simplesmente por não saberem sentir além do superfície dos seus próprios sentimentos. Eu desconfio que a maior profundidade disponível nesse planeta é o mergulho no próprio peito. É o salto contra o desconhecido que habita dentro de si mesmo. A queda é desesperadora e parece por muitas vezes ser eterna. A ponto de se perder a noção de estar caindo. Ou de se encontrar mais do que se queria conhecer.
Algumas vezes, eu vejo pessoas ao meu redor se segurando as realidades mais ocas que podem existir, para evitar serem dragados para o ralo do seu interior. Segurar atrasa o processo, mas não o impede. Eu, pessoalmente desconfio que um dos motivos pelo qual ocupamos esses corpos baseados em carbono, seja realizar essa jornada. A de ir até os Himalaias? Não, a de ir até nosso próprio coração. A jornada mais assustadora que podemos fazer. A de confrontar os medos trançados nas decepções. De se ver despido de qualquer vaidade. Ou máscara produzida para esse mundo.
Nossos luzes um dia se apagarão. Seremos pouco e ainda menos do que representamos hoje. Deixaremos para trás nossos filhos e os filhos deles. Nossos livros e as árvores que plantamos. Desperdiçaremos uma grande parte de nosso tempo com nosso próprio ego. Seremos ignorantes, ignorando toda sabedoria acumulada através das vidas dos que estiveram aqui antes de nós. E muitos de nós, morrerão sem ter a coragem necessária para se encarar. Para se desafiar no silencioso embate pelo auto conhecimento.
Sejamos mais inquietos sobre a nossa própria realidade. Sejamos mais peixes fora da água. Tenhamos mais coragem, não só no dia 31 de dezembro. Quando todas as promessas acontecem. Mas depois.
Todos humanos nascem. Mas nem todos humanos morrem.