quarta-feira, 26 de abril de 2023

O Rei e o Reino.

 Há um homem cansado, sentado na salão. Seu cansaço repousa sobre o trono real. E logo acima da sua cabeça velha, de fios brancos, lutas e dias tantos, existe uma coroa. Antes dourada, hoje manchada, mas ainda cravejada de pedras, rubis e diamantes. Suas mãos enrrugadas, magras e fracas, já foram grandes mãos de um guerreiro. Admirado, temido, faminto por vitórias e nunca vencido. O salão estaria vazio se não fosse por ele. Sua respiração produz núvens brancas de vapor invernal. Sobre seus ombros, um manto veradeiramente real. Vermelho cor sangue. Com taxas de metal e brancas bordas esvoaçantes, sem igual. Lá está ele, sentado ao trono sobre o último degrau. Como quem dissesse ao próprio reino:
"- Vejam todos, estou no ponto mais alto do Reino. Acima de qualquer montanha ou de qualquer desejo. Aqui, vos digo amigos e inimigos: temei-me. Pois ao som da minha voz, frias lâminas afiadas deslizarão pelos seus pescoços. E como o sol rompendo o turvo véu da madrugada, o sangue brotaria pelo horizonte vermelho, sem desculpas ou demoras! Brutal, como a força da natureza. E rápido como a cauda da raposa que desaparece no bosque distante dos olhos do caçador. Temei-me. Pois sou implacável!".
Mas nada diz ele. Nenhuma palavra é parida por aquela boca soterrada na funda barba de décadas e mais décadas de vida. Não caro leitor. Aquele homem cansado, imponentemente sentado, no ponto mais alto do castelo coroado, poderoso como um Deus alado, está calado. E seus olhos avermelhados, estão petrificados sobre o nada que sua mente busca desvendar. O vazio desesperador e pálido, de um mundo complicado. Intrigado. Como quem faz um cálculo estelar colossal sem mover um músculo. Ensaiando o movimento de peça por peça do tabuleiro de xadrez com a mente. Imaginando os reflexos, os movimentos perplexos, a missão, o objetivo e o nexo! Tudo ao mesmo tempo. De cenho franzido. Respirando ofegante pela boca seca. Até que na porta se ouve uma batida. Um único som.
TUUMMMM - ele faz.
E ecoa o carvalho pelo salão, como um tambor de guerra. 
Não reage nosso Rei. Nem a púpila se move. Permanece. E então vagarosamente apoia as costas no trono. E deixa a cabeça cair levemente para trás. Não move os braços, ou as pernas. Ele pende como um sino da igreja. E finalmente, sem desespero ou aviso pronuncia as palavras:
"- Entre." - e quem ouve sabe que é uma ordem.
A porta se abre de imediato.
O som das dobradiças rangendo rasgam o ar.
E o silêncio do salão é substituido por um momento.
Estranho. 
Pelo justo vão da porta, passa um pequeno corpo. Magro. E desliza pelo salão como uma cobra rasteja à relva. Até se ajoelhar diante do trono, com o capuz cor verde musgo escuro. E ficar em silêncio.
O Rei espera.
A criatura mal se move.
E então se ouve:
"- Acabou?"
"- Sim majestade! Acabou! A coroa tem a vitória. O Senhor, venceu..."
"- Não Kallabeth, com a sua idade você já deveria saber...

...não existem vencedores na guerra. Existem sobreviventes. As vezes, nem isso meu filho..."

Fim.