segunda-feira, 24 de abril de 2017

https://www.youtube.com/watch?v=rzsIToKA0o8

Interno inferno eterno.
Que arde quieto.
Queima hodierno.
Sem luz, sem chama.
E conselho fraterno.
Vejo a navalha vindo.
Em silêncio, me consterno.

O corte abre.
Dor que não espero.

Sangue que desprezo.
Em silêncio e desespero,
alterno.
Um mundo
de gravata e terno.
Onde o antigo é
moderno.
E meu barco flutua

o galerno.
Minhas memórias

encaderno.
Fecho a casa,
espero o inverno.
Interno inferno eterno.
Dentro de mim,
me espero.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Comunicar e ser.

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É, a comunicação sabe ser bem impertinente. Em uma época onde todo mundo carrega o acesso a informação no bolso, e escolhe o que vê, quando vê, como vê. A comunicação precisa ser bem pensada. E bem repensada.
Eu vejo anúncios de revistas impressas e digitais, aí vejo placas de rua gigantescas e posts em mídias sociais que não tem mais fim. Eu sento na frente da TV, com o celular na mão e os anúncios saltam como milho virando pipoca. Meu celular apita, e eu recebo um SMS de uma operadora de telefonia móvel me oferecendo a chance de ganhar um carro mais 1 milhão de reais caso eu responda meu CPF por msg. Caminho na rua e me entregam panfletos que eu jogo no lixo sem ler.
Mas será possível?

Eu abro a minha timeline do facebook, e a quantidade de coelhos que aparecem na páscoa é excessivamente chata! Só que tudo bem,  as pessoas postam coelhos na páscoa. De repente, surge uma marca local que eu nem curto a página se "oferecendo" para o meu like com um post de páscoa. Algo do tipo: Feliz páscoa, impressoras com 30% off em abril.
Inferno!
Desço mais, recebo outra: Feliz páscoa, picanha em promoção no supermercado XUXUZINHO!
Serio?!

Continuo descendo, deve ter fundo esse poço: Feliz páscoa! Páscoa é época de renovação, troque seu carro na garagem BLABLABLA!
Desisto!
As pessoas consomem isso mesmo?
Ou simplesmente usam o google/lista telefonica/contatos para fazer uma procura quando precisam?

"Ah mas precisamos comunicar o que estamos fazendo!"
Precisamos!
Pera ai!
Precisamos?
Será que um dos pontos de realmente evoluirmos a comunicação dos nossos clientes não seja o de pensarmos em mais espaço para os nossos consumidores?
Será que não é chegada a hora de deixarmos que os consumidores decidam o que realmente querem?

Porque do jeito que tá a impressão é de que o mercado publicitário esteja cada vez falando mais alto. Gritando a todos pulmões produtos, serviços e marcas.
Até que fica todo mercado berrando tanto, que os consumidores precisam usar tampões de orelhas para conseguirem transitar por esses meios (vide AdBlock, por exemplo).
Quem grita mais alto vende mais?
Não Jão. Não vende. Faz tempo que não...
Esse conceito é tão torto quanto o "fale mal, mas fale de mim" ou "comunicar-se boca a boca".
Veja bem, não estamos falando em não fazer nada. Estamos falando em fazer de um jeito diferente. Em comunicar e ser uma alternativa que possibilite a mudança.

O ser humano é um animal coletivo. Já estudamos isso. Na nossa maioria (e isso não significa a totalidade), aplicamos o conceito de bando para muitas das nossas ações e relações.
Comemos em praças de alimentação, porque comer sozinho em um espaço isolado é considerado desagradável.

Caminhamos em espaços coletivos, porque transitar sozinho em uma via pode ser até perigoso.
Achamos graça das mesmas coisas, porque as vezes a piada nem precisa ser tão boa, mas eu acho graça do jeito que o outro ri.
Temos linhas de pensamento similares. Determinadas por nuances tão frágeis que na maior parte das vezes nem conseguem ser contabilizadas.
Ok, a massa nos representa de diversas maneiras.

Mas toda comunicação precisa ser massificada para funcionar?
Enquanto eu vejo um amigo me falando dos números da indústria, eu me lembro das primeiras aulas de marketing da faculdade.
"- Os números esfriam as relações, cuidado com eles..." - dizia meu professor.
Demoramos anos para entender isso, meu professor já morreu inclusive. E eu fiquei ruminando isso por quase uma década. Ainda hoje eu me encontro com esse pensamento de vezes em quando.
Os números esfriam as relações. 
Claro, muitos entendem que o número te aproxima do foco. Porque enquanto tu estiveres vendendo 10% a mais do que tu vendias no mês passado, tudo vai estar lindo, certo?
Talvez.

Aumentar a quantidade de vendas efetivadas deve ser o objetivo principal de toda empresa? O lucro é mesmo o ponto final dessa relação que nós travamos com nossos clientes?
Existem alternativas?
Ao meu ver, a pergunta é: onde é a linha de chegada?
Muitas marcas terminam na venda, mas as marcas que eu realmente admiro continuam correndo depois da venda acontecer. E não necessariamente visando a próxima venda. Mas sim a construção de uma imagem sólida em relação as expectativas dos consumidores.
Agora veja bem, nobre leitor, a palavra CONSUMIDORES precisou ganhar destaque.
Nós consumimos mais do que produtos e serviços. Nós consumimos atitudes. Consumimos posicionamentos. Talvez, a efetivação da relação comercial na era digital seja a ponta de um iceberg que esconde submerso uma série de relativismos individuais de cada um.

Você não compra só o que ama, eu sei. Mas você definitivamente não consome o que odeia.
Posicionar um player em qualquer mercado de acordo com a expectativa dos seus consumidores e possíveis consumidores é um jogo complexo. Que vai além da promoção, do preço e do ponto de venda.
Mas quem foi que disse que a comunicação é simples?

O ciclo de consumo da era digital vai te exigir ritmo. Vai te julgar e publicar no facebook caso goste ou não do teu comportamento.

E o que se pode fazer? Muita coisa. Mas gritar alto, não vai ajudar.
Te garanto.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Taças de vinho e conversas fulanas

Quando o médico lhe falou que o cancer não era bom, ele baixou a cabeça. 
As palavras do especialista ecoaram pelo consultório enquanto seu paciente encarava as próprias mãos enrugadas. 
"- ... então a melhor atitude agora é pensar nos teus preparativos Jairo...".
Silêncio. Daquele tipo de silêncio denso. Corpulento. Que não se desfaz sozinho.
O médico lhe deu espaço. Sabia que as pessoas reagiam de formas diferentes a essa questão. E se tu parar pra pensar, não é nada fácil. Abrir um envelope de papel timbrado com a logomarca de um laboratório. Ver os números. Os gráficos. Ler as análises. Levantar a cabeça e olhar para quem está na tua frente, dizendo:
"- A chance de cura é menor do que 1%. Você vai morrer em breve..."
"- Essa árvore é muito bonita Dr..." - disse Jairo tirando os olhos das mãos.
O médico continuou em silêncio. Franziu suavemente os lábios. E virou a sua cadeira para a grande janela que havia atrás da sua mesa. Ela dava pra um jardim. Um espaço utilizado pelos pacientes da clínica para tomar sol e se movimentar um pouco. Todo gramado. A árvore a qual o Jairo se referia era uma figueira de copa bem vasta. Dois enfermeiros conversavam na sua sombra, enquanto alguns pacientes caminhavam com a ajuda de andadores e bengalas pelo jardim. Aproveitando o sol da manhã.
O médico achou aquilo realmente muito bonito. Fazia tempo que ele não olhava pela janela. Consulta atrás de consulta, hospital, clínica, consultório, tudo tomava tempo demais. Ele virou a cadeira lentamente dizendo:
"- Olha Jairo, acredita em mim, eu sei que isso pode ser bem complicado..."
"- Não sabe não." - o interrompeu o paciente, movendo seus olhos com rapidez em direção aos do médico. - "você já disse para outras pessoas que elas vão morrer, eu sei... Mas ninguém nunca te falou isso...".
Os lábios do Dr. se franziram suavemente de novo.| Dessa vez junto com o cenho.
"- Ta certo... Eu nunca ouvi isso...Eu acho que devias conversar com a nossa psicóloga, ela pode te ajudar muito..."
"- Ela pode me fazer morrer mais devagar?"
"- Ninguém pode..." 
Jairo dobrou os joelhos se levantando, enquanto falava sem olhar o médico nos olhos:
"- Quanto tempo Roger? E não me diz que tu não sabe..."
Silêncio de novo.
"- Realmente depende muito do teu organismo mas não mais do que 3 meses, o cancer se espalhou..."
O paciente ficou de pé diante da mesa. Agora ele olhava para os próprios pés.
"- Jairo, não precisas ir embora agora. Espera um pouco, me deixa chamar a Dr. Sílvia aqui, vocês podem usar o meu consultório para conversar..." - mas o médico parou de falar. Ele reparou que o Jairo ria baixinho. Não um sorriso terno. Uma risada mesmo. Daquelas de quem escuta uma piada boa. Só que ele se controlava para não solta-la.
Como eu falei, o Dr. Roger sabia que cada pessoa reagia de um jeito diferente. Enfrentar o final iminente da vida pode revelar formas de desespero desconhecidas dentro de cada um de nós. Não seria a primeira vez que o médico veria alguém rindo de desespero. Nem a última...
"- Senta Jairo, por favor, espera alguns minutos..."
O paciente não aguentou, gargalhou alto. Sentou com lágrimas nos olhos, chorando de rir. Golfando ar pela boca, sem conseguir se controlar.
O médico observou preocupado.
"- Doutor... hahaha... Me desculpa..." - disse Jairo enxugando as lágrimas.
"- Está tudo bem... Não tem nenhum problema...".
"- É só que... hahaha. Desculpa... hahaha, tu tá pedindo calma e tempo pra alguém que acabou de saber que tem menos de 3 meses de vida... haha. Desculpa..."
"- Jairo, esperar 5 minutos não vai mudar nada... A doença não vai ir embora e nem piorar nesse tempo... Precisas sim ter calma..."
"- Não doutor. haha... 5 minutos pode ser tudo que eu tenho... Eu tenho netos, tenho filhos, tenho textos que não terminei de escrever, viagens que eu programei sem fazer... Tenho planos pra nossa empresa. Vinhos que eu quero experimentar. Tenho um charuto guardado em uma caixa com uma garrafa de uísque que preciso abrir. Eu me casei com o amor da minha vida... A mulher que mais amei, em toda minha existência. E agora eu preciso encontrar ela e falar que vou morrer. Não daqui a 30 anos... Daqui a 3 meses, antes provavelmente.... E tu me pede 5 minutos, me pede uma consulta de 1 hora com uma psicóloga... - as lágrimas corriam pelo rosto de Jairo - ... eu não preciso falar de mim doutor.
Eu preciso falar com eles. Dizer o que eu ainda não disse. Fazer o que eu ainda não fiz... Eles dizem que é por isso que se chama o cliente do médico de paciente... Porque é preciso ter paciência... Paciência para que doutor? Para morrer???"

Jairo se sentou.
O silêncio parecia tão denso que poderia ser cortado com uma faca.
O médico lhe olhava com uma das mãos tapando a própria boca.
Jairo moveu a boca para falar.
Não disse nada.

O médico baixou a mão e pensou em lhe dizer para falar, mas também não disse nada.
"- Obrigado Roger. Por tudo..." - Jairo disse olhando para baixo enquanto se levantava.
"- Jairo... Jairo..." - repetiu o médico enquanto o paciente saia da sala rapidamente.
O médico se levantou e foi até a porta, a tempo somente de ver o paciente saindo do consultório a todo vapor.
A secretária olhou o médico, o médico fez sinal de que estava tudo bem... E suavemente fechou a porta...
Dr. Roger se sentou na janela. Viu alguns pássaros voando sobre o gramado.
O sol da manhã tocou a sua pele pelo vidro e o calor foi reconfortante.

Ele fechou os olhos e pensou na sua filha. E na filha dela...
Alguém bateu na porta, era a secretária.

"- Dr. o exame da próxima paciente... Vou deixar aqui..." - colocando um envelope sobre a mesa. - " Tudo bem Dr. Roger? Posso ajudar em algo?".
"- Não, não, obrigado Dulce... Pode deixar, obrigado." - disse o médico abrindo o envelope e passando os olhos pelos números, gráficos e análises.
Outra morte, pensou.