segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O que sabem os Deuses do tempo?

Lá do alto das suas cúpulas, permanecem os Deuses discutindo o vazar dos grãos de areia pelo ralo da existência. Assistindo ao relógio de todos os finais preencher completamente seu caminho. Sorrindo diante dos devaneios dos seres viventes. Que de tantas vezes divagarem sobre a existência já encontraram a verdade absoluta uma ou duas vezes. Mas acabaram afogando-a no turbilhão de pensamentos que é o existir. Sem nunca terem conseguido explora-la amplamente.
"- Eu sou do tempo em que os jovens respeitavam os mais velhos..." - diz o Seu Geraldo, morador de Botucatu no interior do Brasil.
E gargalham os Deuses do tempo em resposta.

"- Eu sou do tempo em que o tempo ainda não havia nascido..." - responde um deles em um silêncio profundo.
Uma raposa vermelha sentindo dor, doente, escorre sua língua para fora enquanto para de respirar. Sua ninhada chora sentada ao redor da mãe, o pai nunca participou da sua criação. Não era culpa dele. Quando digo NUNCA, digo que na história das raposas vermelhas, nenhum macho jamais ficou junto com a ninhada.
O corpo da raposa apodrece e em 2 ou 3 dias seus filhotes são mortos um por um, por predadores que não querem nada além de alimentar seus próprios filhotes. Que por sinal, ficam histéricos ao ver seus genitores retornando para os ninhos e tocas com grandes porções de uma saborosa e nutritiva carne de raposa para o jantar.
Por fim, o corpo da raposa vermelha é devorado por toda sorte de insetos, lesmas e vermes disponíveis no bosque. E a vida brota da morte. Com direito a flores silvestres de todas as cores nascendo por entre os ossos mortos daquela mãe.
"- Compreender o existir é uma tarefa para os humildes." - balbucia um deles sem dizer nenhuma palavra.
"- Alô" - responde Sílvia ao telefone celular enquanto dirige seu carro por uma rodovia.
"- Sílvia, vc pode falar?" - pergunta a voz do outro lado.
"- Estou dirigindo, quem é?"
"- Meu nome é Adalberto, sou da operadora de celular TUM! É sobre a sua conta de celular atrasada..."

"- Adalberto, quando eu tiver tempo procuro vcs ok?" - e desliga telefone a apressada Silvia.
"- Percebe? Que somos nós a moeda deles? Eles trocam tempo por vida, e nem percebem quando o fazem... Como crianças brincando com lâminas afiadas, vivendo da sorte..." - diz um deles sem nenhuma resposta dos outros.
Do alto de uma cachoeira, entre duas pedras com limo. Na sombra de uma pedra maior que se projeta para fora da queda da água, uma petúnia vermelha cresce majestosa. Sendo visitada por abelhas e beija-flores. Abre sua pétalas ao som da água corrente e contempla sua extraordinária visão. De mais um indescritível nascer do sol na campina. Pintando as nuvens de roxo, rosa, verde, amarelo, vermelho e branco.
Quando é arrancada por um único puxar de uma mão e sente a sua seiva escorrer enquanto sua existência termina.
O último som que escuta é:
"- Para ti Cecília! Te amo!".

"- A eternidade não é uma quantidade infinita de tempo... A eternidade é um instante." - pensa um deles.
Toda forma de vida que nasce ou brota nesse planeta tem um fio invisível atado ao firmamento. Esse fio se enrola ao carretel a cada volta que a Terra dá. Girando até que a linha se rompa, permitindo que novos fios substituam os que já existem.
Os Deuses do tempo decidem quanta linha existe em cada carretel. E o que sabem eles, eu pergunto?
"- No final, a maioria deles nem entende porque foi até lá..." - dizem todos eles olhando pra ti no exato momento que você termina de ler essas palavras.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Culpa do destino?
Universo em desatino!
Sopra vento,
corte fino.
Como frases de
um livro infinito.
Que nunca foi escrito.
A vida se faz no
instante:
Num momento se nasce.
Noutro se vai
adiante.

sábado, 7 de setembro de 2019

Sobre pássaros, chuva e a morte.

Eles dizem que quando você morre, sua vida toda passa diante dos seus olhos.
Eu não sei se isso é verdade, não me lembro de ter morrido para saber. Mas sei que estando vivo, e já tendo perdido pessoas que amava mais do que as minhas palavras enguiçadas conseguem expressar, um filme sobre a vida dos que se vão passa diante dos olhos dos que permanecem aqui.
Eu acredito que a vida seja desenhada entre diversas simbologias e que muitas vezes elas se trançam além do que nós compreendemos como realidade. Faço questão de permanecer conectado a essa mínima parcela que me faz imaginar o que não entendemos perfeitamente. Porque através dela, cada um de nós pode perceber algo novo. Algo único e que acima de todos os dogmas, define a visão de mundo única que cada ser humano possui por direito de ter nascido nesse mundo.
No dia em que o meu irmão mais velho faleceu a primeira frase que eu ouvi de uma das suas filhas foi:

"- Ele esperou a gente chegar para partir...".
Eu acredito completamente nisso.
Ele esperou a gente chegar para partir.
Forte como ele só. Um exemplo de pai, de irmão e filho. Mais um filho do meu pai a pular para o outro lado da cortina e sair do palco da vida. E enquanto cada um recebe e percebe essa nova realidade, eu me percebo encarando de novo a morte e seu terrível hábito de encerrar as coisas. Porque a morte não termina só a vida. Não, a morte põe fim as conversas que ainda não tivemos. A tudo aquilo que eu queria ter te dito e não consegui... As perguntas que eu deixei de te fazer. As histórias do nosso pai que por ser tão mais velho que eu, só tu sabias. Aos natais em que as taças de vinho e os sorrisos eram abundantes. Ao teu jeito engraçado e ao mesmo tempo sempre pronto para ajudar tanta gente dentro e fora da nossa família. A todo conselho que tu já deu as minhas lágrimas. Aos teus convites que eu queria ter aceitado e aos que eu queria ter te feito. E todo acalento que tu sempre teve no coração por todas pessoas ao teu redor.
A morte cessa muito mais do que a vida. Ela dá fim as possibilidades. E diante de uma força capaz de produzir essa interrupção, nós confrontamos a gigantesca pequeneza de todos os outros problemas. De todas outras questões. Nos percebemos como são importantes os momentos que temos. Como a vida é construída segundo sobre segundo. Como um sopro breve que tem começo, meio e fim.
Eu fiz questão de ver o dia de hoje nascendo meu irmão. Só pra ver como seria o céu no primeiro dia em que tu não estaria mais aqui. E não tenho vergonha de dizer que chorei assistindo ao filme da nossa vida que passou diante dos meus olhos.
Eu me lembro de um período em que nosso pai ainda era vivo e tu tinhas consultório perto da nossa casa. Todo dia estavas lá conosco. Bebendo um vinho na sexta feira ou tomando um café na terça. Me lembro das conversas na mesa. De abraços e sorrisos. De histórias e amor. Vá em paz, tu fez muito!
A gente vai se encontrar de novo. Até lá!