terça-feira, 23 de agosto de 2016

Pra ti lá em 2116.

Aqui quem fala é de 2016. E é 100 anos antes propositalmente. Porque se vocês aí em 2116 estão mal, eu preciso que tu faças alguma coisa. Eu to soterrado por toneladas cúbicas de uma coletividade que tem certeza de que "é assim mesmo". Que o mundo não ficou louco. Que gente morrendo de fome e da raiva dos outros, é tudo bem. Desde que seja longe de mim. Desde que eu não os ouça gemer, ou os sinta cheirar. E enquanto a rua corre pra todo lado, parece que todo o resto tá completamente estacionado. Estacionamento de carro sabe? Tipo açúcar em excesso no sangue. Só que barulhentos e burros. Perdendo toda paisagem, perdendo os passarinhos pra ouvir rádio. Perdendo tempo vivo. E comprando a maior miséria do planeta: a de ter nascido e morrido. Enquanto enchem o espaço entre os dois com um "vivido" mirrado. Seco. Pobre de vida. E de sentido.
E eu sei que alguém aqui vai achar que quando a cidade é grande não precisa de muito pra ter um carro blindado ou morrer. É 2116, aqui ta foda. Difícil ver tanta gente indo pro outro lado e dizendo: " caralho eu to errado??".
Até pode ser que esteja. Não sei doar tudo que tenho para viver entre os pobres. E nem é disso que eu to falando. Na real, é exatamente disso que eu to falando. Dessa necessidade coletiva de responder a todo pulso com "mais razão" que o pulso anterior. E a gentileza ardeu até virar cinzas. Aqui sobrou pouca e ainda menos. Enquanto a vida perde o sentido de existir, a gente compra um levando dois de qualquer coisa que seja um "ótimo negócio".
Sem olhar pela janela de vidro. Sem parar pra respirar. Sem titubear. Vivemos a liquidação da existência. Todo mundo pode tudo, desde que possa pagar em dinheiro por isso. 

O pior, 2116, é que estão ensinando isso para as crianças. Aqui, cada vez mais pequenas, elas tem celulares, namoradas(os), times de futebol, ódio e preconceitos absurdos. Cada vez menores, eles são ensinados a comprar, a ter, a consumir, a gastar, a mostrar o que tem. A se orgulhar do poder que eles acham que isso lhes dá.
Ser rico aqui, é a prioridade.
Ler, é uma raridade (a não ser que seja o facebook).

Ajudar alguém aqui é ser idiota.
Acreditar é coisa de burro.
E assim, eles seguem. Vivendo cada vez menos. Esquecendo cada vez mais. Empurrando suas tristezas tão fundo, que tá ficando normal comprar arma para matar 30 no shopping. Botar bomba na cintura e explodir carro na rua. Ta ficando normal, se matar por qualquer razão. Decidir tudo na violência, falada, batida, escrita e vomitada.

Sei lá como vocês estão ai 2116. Se estiverem melhor, aproveita e continua dando as costas para a gente aqui. Se estiverem igual, tenta fazer algo. Nem que seja escrever uma carta pra 2216. Contando o que tu vê. E dizendo pra eles serem diferentes.
Abraço.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A melancolia que eu imaginei para ti.

Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não faria nada diferente. Viveria meus dias, como se tudo fosse eterno. Do jeito que é na nossa mente. Não daria um tchau antecipado, ou mandaria beijos. Não abraçaria além do normal ou vocalizaria meus mais positivos desejos.
Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu me manteria igual. Quase incrédulo, até o final. Até o último instante. Só para ver aquela bola de fogo se aproximando, gigante. Ardendo a vida da terra, sem culpa ou pena. Como quem varre uma varanda empoeirada. Não pensando em como a vida é pequena. Na morte dos que se foram cedo. Na tristeza dos que te ofenderam. No café que ficou no bule quente. No pão de amanhã. E bem pouco no próprio presente.
Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não contaria para ninguém. E quando minha esposa falasse sobre algum problema do trabalho, eu diria que tudo está bem. Que amanhã isso se resolve. Que o suspiro da vida que vivemos não vale o incomodo.
Ela iria estranhar.

Eu iria sorrir.
Mas um novo dia nasceria, para que o fim nos achasse.
E se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não dormiria. Eu leria a poesia de Pablo Neruda. E caminharia através das estrelas com Ariano Suassuna. Eu conversaria com Deus do jeito que eu penso que ele me ouviria.
E esperaria.
Aquele último instante, antes do tudo virar nada. E de todos os problemas da terra serem resolvidos em um único segundo.
Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, eu não faria nada diferente.

Eu amaria. Erraria. Choraria. E não desistiria nem por um segundo de ver outro sol nascendo, nesse mundo sem fim. Tão divino. Tão terreno.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Leandro Gomes de Barros me disse sorrindo:

Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando se chega pra cá?

Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que é que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Vivemos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?


Isso aí Leandro, quem foi temperar o choro e acabou salgando o pranto!?