domingo, 11 de setembro de 2016

Um dia desses.

- Se a pilha do controle remoto acabar, a gente compra outra. - ela disse com um sorriso quase infantil nos olhos.
É claro que a gente compra outra, o que mais a gente ia fazer? Construir uma usina elétrica pra fabricar as nossas próprias pilhas?! Ainda assim, eu não respondi. Existe algo de mágico no jeito em que ela me diz as coisas mais óbvias do mundo. É quase sórdida a forma como ela trata a realidade. Ainda assim, eu não consigo fazer nada além de sorrir de volta. No meu caso, com a boca. Meus olhos devem sorrir também, porque ela não liga e continua comendo pipoca no sofá. Não me importo com os grãos e "pelinhas" de milho por todos os lugares. De verdade que não. Mas esse cheiro me incomoda.
De repente, os caras do Monty Python acertam uma piada boa. E a gargalhada dela é milho por toda sala. Uma "super camera" filmando em camera lenta faria disso um milhão de acessos no youtube fácil. A piada é boa e eu acabo rindo junto. Um pouco por causa da situação, mas tá valendo. 

- Tu viu o que ele disse? - ela pergunta.
- haha bem bom né? - eu respondo.
- "Como eu poderia, o senhor é o Rei, majestade!" - ela diz imitando a voz do personagem
Ela acabou de me perguntar se eu vi o que ele disse. Eu respondi que sim. Ainda assim, ela imita a piada. Exatamente como a gente acabou de assistir. Novamente, eu não digo nada.
- "Como eu poderia, o senhor é o Rei, majestade!" - ela imita de novo e chora de rir.
- É boa né? - eu pergunto sem saber o que falar.
- SIM! - ela grita - eles são geniais! - completa.
Eu apresentei Monty Python pra ela no inverno passado. Assistimos tudos que eles fizeram pro cinema. E agora estamos assistindo os episódios pra televisão. Monty Python é um grupo de atores britânicos que começou lá pelos anos 60 a produzir comédia. Muito do que a gente assiste hoje na televisão e no cinema é um extrato do que os caras produziram. Eles eram mesmo geniais. Mas as vezes eu me arrependo do que faço. Eu criei um monstro, de novo. Foi assim com Beatles, ela já conhecia a banda. Como todo mundo. Mas nunca tinha ouvido os discos em ordem pra realmente sentir a viagem dos caras. Ficou tão brisada que alucinou. Por pouco não fez uma tatuagem de "let it be" nas costas. E um dia (não sei ao certo como) comprou um decalque de "all you need is love" na deepweb e colocou no pulso. Achei que era uma tatuagem de verdade por algumas horas. Foi uma boa trollada.
Agora é Monty Python. Eu me levanto pra pegar algo gelado pra beber. To na frente da geladeira e pergunto:

- Queres beber algo?
- Nãã... - ela diz e volta a rir de outra piada.
Pego água. Encho um copo. Sento de novo tentando me concentrar na história do filme novamente. Ela olha meu copo. Olha a tela. Eu bebo. Ela olha o copo novamente. Eu olho ela. Ela pergunta:

- Tem coca?
- Acho que sim...
- Pega um copo pra mim por favor?
Eu acabei de perguntar se ela queria algo, faz menos de um minuto. Devem fazer uns 30 segundos.
- Pego...
Ela sorri. De novo, boca e olhos em um sorriso doce. Que raiva desse sorriso.
Me levanto, pego um copo, gelo, coca. Sento. Ela ta rindo de outra piada. Um riso mais silêncioso. Entrego o copo. Ela bebe, apoia o copo no descansa copos de madeira no braço do sofá. E diz:

- Esse cara tá falando pra aquele cara que ele deveria ser Rei, no lugar do Rei. Só que esse cara é irmão do Rei e só tá falando isso pra que ele mesmo seja Rei. É muito bom. Tipo um Game of Thrones engraçado.
Sinto vontade de dizer que já assisti isso. Não acho que pareça nem de longe um Game of Thrones engraçado. Na verdade não tem nada haver. Dou um sorriso amarelo e continuo vendo.
Passamos quase meia hora, rindo das piadas deles. Como um pouco da pipoca. Acabamos nossas bebidas e eu levo os copos pra máquina de lavar louça. Ela liga outro filme.
Quando vejo que é um desses romances forçação total de barra tipo "Como eu era antes de você" ou "A culpa é das estrelas", digo que vou jogar video game no escritório.

- Assiste comigo - ela diz quase choramingando.
Coço a nuca respondendo:
- É que tu sabes que eu não curto muito...
- Pooor favooor - ela praticamente chora.
- Ok.
Me sento. Ela sorri, boca e olhos novamente. Uma hora e quarenta minutos depois. Ela chorou tanto que eu achei que ia virar uma poça. Eu no máximo consegui ficar mais atento no momento em que o mocinho lindo morre e a família dele fala do casal de namorados jovens e cinematograficamente modeléticos no enterro do rapaz. Alguém lê uma carta e a minha barra se quebra de tão forçada.
Letreiro subindo. Eu olho pela janela, é final da tarde de sábado. O céu está tomando por um amarelo antigamente genial. Penso que a gente podia fazer alguma coisa, tipo ser jovem 20 e poucos anos de novo. Nos drogar de juventude, como Juca Chaves diria.

Ela me abraça por trás e sussurra no meu ouvido.
A gente se beija.
Ela sorri com a boca e os olhos de novo.

- Adoro quando tu sorri com a boca e olhos. - ela me diz.
É, é isso.