segunda-feira, 16 de março de 2009

Foi durante a madrugada...

Quando eu era pequeno sempre acordava muito cedo.
Minha mãe dizia que era porque eu nasci as 4h30 da manhã de uma quarta-feira. O fato é que muitas vezes eu acordava enquanto ainda era noite. E ficava zanzando pela casa. Brincando com as coisas que os adultos não me deixavam brincar enquanto eles estavam ao redor. Como pregos, furadeira, facas, me debruçando nos parapeitos das janelas, correndo nas escadas e escalando os móveis enquanto eu derrotava os monstros da minha jovem mas já fértil imaginação.
E permitia que minha família dormisse em paz. Afinal, alguém precisava protege-los...
Um dia, durante um verão daqueles que ficávamos todos juntos na praia.
Eu acordei.
Não era mais noite, mas também ainda não era dia. Sabe aquele período, extremamente bonito e pacífico, em que o céu ainda não decidiu aceitar o sol e nem mandar a lua embora ? Fica um tom meio roxo amarelado com cinza, azul e vermelho. Tudo misturado, formando figuras. É como se o Criador, pintasse um quadro por dia. Usando o céu como tela.
Foi naquele horário.
Eu ouvi um choro, bem baixinho.
Curioso que sempre fui, me levantei usando meu pijama da Shell (ele era branco e cheio de "loguinhos" vermelhas da Shell...).
Atravessei a casa e o quintal tentando ser tão silencioso quanto um ninja.
Minha família toda me ouviu saindo... obviamente.
Fui até o portão, o abri. Lembro bem, a rua não tinha movimento.
O céu estava sendo pintado. E um vento praiano daqueles beeem gelados me fazia bater os dentes de frio.
Eu sou da época que leite vem em saco plástico.
E tinha um sacolinha daquelas, enconstada no portão da nossa casa. Bem vagarosamente ela se movia. Como se tivesse algo dentro. O choro também vinha dalí. Não demorou até ela botar as patas pra fora...
Era um cachorro. Cachorro não, uma cachorra. Eu não sabia dizer, mas parecia recem nascida. Tinha os olhos meio fechados e lambia a parte de dentro da sacola. Alguém tinha lhe abandonado a própria sorte.
E a sorte dela, a trouxe pra perto da minha.
Eu não preciso dizer...
Foi amor a primeira vista.
Peguei a cachorrinha no colo e nos tornamos melhores amigos do mundo. Quando eu me virei, minha mãe estava na varanda da casa com cara de quem queria saber o que o pequeno leandro estava aprontando dessa vez.
"- Eu não quebrei nada. Nem botei fogo em alguma coisa. Eu achei um cachorro : ) !"
Minha mãe sorriu.

Ela foi batizada de Madrugada. Meu pai achou pertinente. Nós concordamos.
Alguém tirou uma fotografia minha a segurando no colo. Essa foto falante está no meu quarto até hoje.

Eu sempre gostei da Madrugada. Ela foi muito carinhosa com toda a minha família. Nós nunca a abandonamos. Ela ficou conosco o tempo que quis e foi embora quando chegou a hora. Foi muito bom ter acordado cedo aquela manhã.
Até hoje, as madrugadas me trazem o inesperado. Talvez não mais em sacolas de leite. Mas toda vez que a maré muda, algo novo surge. E se não fosse assim, seria horrivel.
As vezes eu penso na Madrugada. Penso que ela foi meu primeiro cachorro.
Que outra pessoa podia ter acordado, um vizinho ou um irmão meu...
Que alguém podia ter passado e a levado embora.
Que ela podia ter sido atropelada, tentando explorar o universo além da sua sacola de leite.
Que qualquer coisa, além de eu ter levantado e saido de casa, podia ter acontecido.
Mas não. Nada disso aconteceu.
E eu e a Madrugada nos encontramos em uma madrugada de verão.
Acho que ela precisava de uma casa, de atenção e de leite...
Eu precisava de uma amiga, de um primeiro cachorro que me ensinasse a gostar tanto de bichos e de um motivo pra levantar da cama naquela madrugada.

Na verdade, fico um pouco triste quando penso na Madrugada.
Ela é uma das coisas que foi e não volta mais.
Ela é uma das minhas dores imutáveis.
Mas eu preciso continuar respirando.
Preciso continuar dormindo e acordando.
Preciso continuar levantando de madrugada e saindo pra explorar o quintal.

Afinal, quem pode me dizer o que a madrugada vai trazer amanhã ? ;)






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