quarta-feira, 22 de abril de 2009

Indefinitely - Travis

Uma das minhas pedras me contou essa história:

Eramos nós, duas pedras.
Mas não dessas pedras pequenas cheias de rachaduras. Eramos pedras grandes e imponentes, as duas. Sempre existimos juntas. Desde o princípio lembrado, fomos as primeiras a chegar até aquela planice. Fomos paridas pela lava do centro do planeta, nos tempos do começo. Cuspidas grosseiramente, ainda líquidas, vermelhas, borbulhando e disformes. O tempo nos moldou através da sua vontade. Passamos por muitas estações, chuvas e nevascas. Passamos por noites frias e dias de forte sol. Cometas iam e vinham sobre o céu das nossas existências. Animais dormiam em nossas sombras e plantas cresciam e morriam ao nosso redor.
Se existia um sempre, o representavamos e muito bem.
As duas.
Alí.
Paradas através do tudo que pudesse nos surgir.
Inertes.
Frias no inverno e quentes no verão.
As vezes, no raiar de uma nova era, alguns humanos faziam suas moradas próximos a nos. Os observavamos enquanto eles cresciam, viviam e morriam. Enquanto suas vidas terminavam, como a areia de uma ampulheta. Alguns se casavam, alguns se mudavam para longe, alguns tocavam tambores e dançavam... Toda aquela movimentação parecia estranha. E nos sempre esperavamos a hora de ouvir o silêncio novamente.
E ele sempre voltava.
Às vezes na forma de um incêndio, ou de uma chuva de meteoros, ou como uma matilha de lobos famintos que atacava durante a madrugada...
De uma forma ou de outra, os humanos sempre iam embora.
Sempre.
Um dia (em mais um deles), enquanto o sol nascia. Um grupo de humanos se aproximou. Eles pareciam vir de longe. Pareciam ter viajado muito. Traziam tiras de couro e grandes bois presos uns aos outros.
Eles nos mediram com as tiras.
Posicionaram os bois.
Conversaram por algum tempo, nos apontando. Argumentaram. E decidiram.
Enrolaram uma de nós com cordas e as cordas aos bois. E a retiraram de onde ela sempre esteve. A cada passo dos animais, ela se afastava mais. Rolando sobre troncos e sendo puxada pelas cordas. Os homens gritavam ao redor, a ajudando a se mover.
Assim ela foi. Até que os homens pararam e a recolocaram no chão. Alí eles usaram lixas, lâminas e martelos para corta-la. Reduziram-na a um grande cubo com seis faces lisas.
Um cubo do tamanho de uma casa.
E então a arrastaram de volta, até onde nos encontraram. Lá a colocaram e depois partiram. Sem explicações. Sem se desculpar ou dizer adeus.
Lá ela ficou, parada. Confusa por se sentir diferente da outra. Mal nos reconheciamos.
Haviamos vivido a eternidade lado a lado. E alí, no mesmo local de onde sempre observamos o mundo, percebemos que jamais seriamos como fomos antes.
Quando a noite caiu, um Senhor se aproximou com seu pequeno neto nos braços.
Após nos observar por alguns instantes ele disse:

"- Vê garoto, essas pedras já estavam aqui antes de eu nascer... E aqui elas continuarão até mesmo depois da tua morte..."

E finalmente percebemos que pedras são pedras.
E humanos são humanos.


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