sexta-feira, 22 de maio de 2009

Ouvindo Pavement.

Tive um professor de faculdade muito querido. Era o tipo do cara boa praça que todo mundo queria ao redor. Sempre simpático, muito educado, tinha opiniões engraçadas e inteligentes. Ouvia o que era dito pelos outros e sempre tinha algo agradável para acrescentar, nem que fosse o seu sorriso silencioso.
Além de ser um bom professor. Ele era conhecido por ser bastante positivo. Na verdade, dizíamos que com ele não tinha tempo ruim. Tudo era agradável, tudo tinha um lado positivo muito forte. Sempre o convidávamos para ir ao bar da faculdade depois das aulas. Para os churrascos e festinhas da turma. Para as mesas de truco. Ele sempre era visto sentado com os alunos ao lado de fora da sala, contando piadas, rindo dos acontecimentos do final de semana e aconselhando os corações apaixonados.
Um dia, quando chegava em casa depois do trabalho, nosso professor encontrou a porta de sua casa aberta. Como morava sozinho, pensou que pudesse ter esquecido de tranca-la e o vento se encarregou de empurra-la... Achou estranho mas entrou silenciosamente. Logo de cara ele percebeu que a sala estava revirada, tinha gavetas abertas, almofadas largadas pelo chão, uma grande bagunça... Foi quando ouviu um som vindo do seu quarto. Exitou, mas se aproximou vagarosamente. Era um garoto, não devia ter mais de 20 anos de idade, estava revirando uma gaveta. Usava uma camiseta toda suja e rasgada, estava descalço e tinha um arma em sua mão direita. Parecia muito transtornado.
Nosso professor pensou em fugir, mas o assaltante lhe ouviu e apontou a arma para seu peito gritando que queria dinheiro, jóias e o telefone celular. A reação do professor foi a mais calma possivel, começou a dar-lhe o que tinha na carteira, tirando um escapulário que ganhou de presente de uma ex namorada e dizendo que tinha mais algumas coisas em cofre que estava em outra sala...
O garoto o empurrou com a arma até o cofre e quando o professor começou a abrir o segredo da fechadura ele pensou que poderia morrer. Que mesmo que desse o dinheiro a aquela criança ele poderia ser baleado e morrer alí. Um medo gigantesco lhe invadiu o coração e ele ficou nervoso. Errou o segredo, duas vezes seguidas. O garoto desconfiou que talvez estivesse sendo enganado. Ele estava drogado. E também ficou nervoso...
O assaltante começou a gritar e o professor a pedir calma.
A situação saiu do controle.
Do lado de fora da casa, os vizinhos puderam ouvir quatro tiros. Altos e secos. Não como os de hollywood. Eram tiros de verdade, seguidos de uma porta batendo e de um garoto correndo desesperadamente pela rua. Com os pés descalços. Desaparecendo na dobra da esquina.
Um vizinho entrou na casa do professor correndo também e saiu gritando:
"- CHAMA UMA AMBULÁÁÁNCIA, ELE VAI MORRER, RÁPIDOOOOO..."
Toda vizinhança se juntou na porta da casa dele enquanto os paramédicos o levavam cheios de pressa. As mulheres faziam o sinal da cruz. As crianças choravam enquanto viam aquele corpo sendo levado em camera lenta , pingando sangue... Desacordado.
O professor não era bem quisto só na faculdade. Ele era querido em todo lugar que frequentava. No seu bairro, não era diferente. Ele sempre era convidado para almoços de domingo com seus vizinhos. Para jogos de futebol contra o time da rua de cima. Para ajudar a pintar muros ou para um simples bate papo em um final de tarde de sábado...
Todos ficaram chocados ao ver o que aconteceu.
"- Logo ele..." - alguns lamentavam.
Na ambulância a caminho do hospital, ele despertou enquanto os paramédicos faziam os primeiros socorros. E alí, ele já percebeu que sua situação era muito ruim. Ele viu isso nas expressões dos dois paramédicos. O professor tentou falar, mas não conseguiu. Ele ouviu o motorista avisar no rádio que seu estado era gravíssimo.
No hospital, uma equipe de médicos o aguardava. Enquanto ele era levado através do corredor, até a mesa de operação o professor conseguiu recuperar um pouco mais da sua conciência. Como um sopro de vida que surge e ninguém consegue explicar... Ele não parecia mal, apesar dos quatro buracos de bala. Dois na altura dos pulmões e dois um pouco abaixo do estomago.
Um dos médicos se aproximou e percebendo que o professor estava conciente ele perguntou:
"- O Senhor consegue me ouvir ?"
O professor lhe olhou com seriedade. Piscando.
"- O senhor é alérgico a algum medicamento ?"
Toda a equipe médica parou o que estava fazendo, aguardando uma resposta.
"- Senhor... o senhor é alérgico a algum medicamento ?" - repetiu o médico.
Ninguém achou que ele fosse responder. Ele estava morrendo. Todos sabiam disso. Todos viam isso.
Foi então que se ouviu a voz rouca do professor dizendo:
"- Sim.... eu sou !"
Todos pararam novamente. Enfermeiras segurando máscaras e ciringas. Médicos que discutiam o que fazer. Dois estagiários que observavam tudo... Todos ficaram em silêncio aguardando a resposta...

"- Eu sou alérgico a tiros...."

Ninguém acreditou.
Como poderia um homem, a instantes da sua morte, fazer uma piada da sua própria desgraça ?
Os dois médicos foram os únicos que não riram. Eles permaneceram sérios, se entre olhando.
Enquanto as enfermeiras e estagiários sorriam nervosos com a situação ele começou a falar:
"- Eu sou um homem e estou vivo. Não quero morrer. Não me deixem morrer. Parem de me ajudar como se eu já estivesse morto. Por favor... me façam ficar vivo..."
Um dos médicos se aproximou e lhe colocou a mão no ombro pedindo calma. Ele fez sinal para que uma das enfermeiras lhe desse a medicação que o sedaria.

Meu professor acordou no quarto do hospital. Quase dois dias depois. Sem um pedaço de um dos pulmões. Com alguns metros a menos dos intestinos. E quatro marcas de tiros gigantescas no tronco.
Ele sorriu ao perceber que estava vivo. Que não havia morrido. Depois ele chorou e se lembrou do que aconteceu. Alguém abriu a porta cuidadosamente, era uma enfermeira. Ela também sorriu ao ver que ele estava acordado. E disse:
"- Boa tarde professor..."
Ele a olhou espantado e se perguntou:
"- Como você sabe minha profissão ???" - foi então que viu que a sala estava repleta de buques de flores, caixas de chocolates, corações e ursos de pelúcia e mais de uma centena de cartas coladas pelas paredes. Todos desejando que ele se recuperasse logo... Ele se sentiu muito querido e pensou que sorrir pras dificuldades da vida, valiam mais a pena que reclamar...

Ele chorou sorrindo. A enfermeira também se emocionou. Foi muito bonito...

Eu encontrei meu professor caminhando pelo campus a umas duas semanas e gritei:
"- Tudo bem professor ?"
Ele se aproximou, me abraçou e disse:
"- Se melhorar estraga, quer ver minha novas cicatrizes ?" - abrindo alguns botões da camisa.
Começei a rir enquanto ele me contava a história... quando ele terminou, me deu dois tapas nas costas dizendo que tinha um compromisso com sua namorada !

Eu o vi indo embora. E pensei:
" É incrivel como a tua perspectiva altera a realidade... Tudo depende de como você vê alguma coisa..."

: )




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