quarta-feira, 20 de maio de 2009

E começa a chover pássaros mortos sobre a triste cidade da alegria.

Eu caminhava na rua quando avistei um senhor vindo na minha direção. Ele se movia com dificuldade, mas não usava muleta ou bengala. Olhava para baixo para perceber exatamente aonde pisava. Tomava um cuidado metódico com cada passo que dava. Como se estivesse se equilibrando em um trapézio. Não demorou muito para ele levantar a cabeça e me olhar. Tinha olhos azuis. Cabelos brancos e o rosto severamente castigado pelo tempo.
A passagem era curta, tinha menos de meio metro de largura. Eu precisava dar a vez a ele, não queria que ele tivesse que mudar sua rota por minha causa. Olhei para trás, por cima do meu ombro direito e vi um caminhão gigantesco se aproximando. Eu não podia pisar na rua e nem dar passagem ao meu mais novo amigo imaginário real. Precisava fazer alguma coisa. Lhe olhei de novo, girando a cabeça em sua direção.

E foi aí que aconteceu.

Os prédios ao nosso redor começaram a tremer. O globo parecia ter saido do eixo de rotação normal. Girando mais rápido. E somente eu e aquele senhor não sentíamos a vibração. Continuamos em pé enquanto tudo ao nosso redor ruía. Os tijolos se dissolviam em pó. As pessoas desapareciam em fade outs. Os carros, caminhões e motos se desmontavam ao chão e as peças enferrujavam sendo levadas pelo vento. As árvores encolhiam de volta a terra. As núvens corriam muito rápido, desaparecendo sobre as montanhas no horizonte.
Novas construções surgiam. Menores. Mais antigas. Um grupo de crianças em preto e branco passou correndo atrás de uma bola, usando calções curtos de pano. Pude ouvir seus gritos e risadas com um eco bem suave.
Sob meus pés havia terra e grama. E levantando minha cabeça, o senhor estava parado, bem na minha frente. Sorrindo um sorriso reconfortante.
Não tive reação.
Ele esticou a mão até meu braço esquerdo. Senti sua pele gelada e áspera. E ele falou:
" - O que aos outros deres, em dobro receberás..."

Eu pisquei. Tudo voltou ao normal. O caminhão passou.

Pisei no asfalto enquanto o senhor passava por mim agradecendo. Não consegui dizer "por nada". Só sorri de volta, olhando para baixo.

No final da rua, eu olhei de novo para ele. De costas, longe. Alguma outra pessoa lhe dava passagem e ele agradecia da mesma maneira.

E eu pensei: " - O que aos outros deres... Em dobro receberás... É bem simples na verdade."

;)



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