domingo, 22 de fevereiro de 2009

Todo carnaval tem seu fim.

Daqui não dá pra ouvir a bateria. Mas eu sei que eles tocam alto.
Sei que tem um monte de gente fantasiada dançando ao redor dos carros de som. Também não dá pra ver eles. Mas eles estão lá. Tem o pessoal dos pandeiros, das cuícas e dos apitos. Tem o pessoal com pouca roupa e muita coragem, tentando não cair do alto dos carros alegóricos. Tem o pessoal da pista, que dança coreografias com cinquenta quilos hipotéticos nas costas. Daqui não dá pra ver eles, mas eu sei que todos suam cachoeiras apoteóticas de euforia. Tem a plateia. O pessoal da arquibancada que lutou muito pra estar alí. Cabeça atrás de cabeça, com os olhos atentos a tudo que acontece. Tem o pessoal que está nos camarotes. Que fica acima de todo mundo. Como em uma analogia a pirâmide social. Tem o pessoal que empurra os carros. Eles fazem uma força danada pra tudo dar certo.
E isso se repete.
Grupo após grupo. A multidão vai e outra multidão vem. Só que fantasias diferentes. Letras de músicas diferentes. Ritmos, temas, formas de dança, tudo diferente.
No final de tudo. Passa o pessoal da limpeza. Varrendo os restos da festa. Retirando as células mortas que foram arremessadas ao chão pela multidão, junto com latinhas de alumínio, papeis amassados, entre outras coisas que merecem agora estar no lixo.
Depois que todos aqueles pés passam. O pessoal das emissoras de televisão retira os cabos. A organização retira as placas do patrocinadores e desmonta os camarotes. Aquela gente toda que estava na arquibancada, vai embora.
E quando todo mundo termina. Fica vazio e silencioso. Quando todo mundo vai embora. A festa acaba. A pista fica solitária. Sem o som dos tambores, dos apitos e dos pandeiros. A arquibancada fica sozinha. Sem aquela gente curiosa que ocupa tanto espaço e faz tanto peso.
Mas esse final, tem uma parte importante no ciclo carnavalesco. Esse final lembra a todos que é hora de recolocarmos nossas máscaras e voltarmos a luta diária pela sobrevivência.
Bom, não me lembra porque eu não estava lá. A temática do carnaval não me atrai. Sempre foi assim.
Desde quando minha mãe, tentava de todas as formas possíveis e imagináveis, convencer a um de seus três filhos que o carnaval era legal. Falhando em todas tentativas. Ela desistiu de conseguir. Nos desistimos de tentar gostar.
O tempo passou e o abismo que existe entre nossa simpatia e a apoteose cresceu (em largura e profundidade). Até os dias atuais. Onde ninguém mais comenta a possibilidade de nos envolvermos com a comemoração (seja lá o que for comemorado).
Meu carnaval me rendeu assistir ao "Ensaio sobre a cegueira", "Alien - o oitavo passageiro", "Little Miss Sunshine" e ao documentário "Ponto de Encontro". Nenhum desses filmes tinha dança ou baterias.
O que foi ótimo.
Acho que no final, pesando os prós e contras eu consigo entender porque ficamos cegos. Porque nos tornamos uma multidão de cegos que vêem e cegos que, vendo, não vêem. E eu vou enviar essa informação para o Saramago. Talvez lhe seja útil.
O que não consigo compreender... é porque ainda continuamos surdos...




1 comentário:

  1. o carnavel me rendeu assistir Onde os Fracos Não Têm Vez e o Oscar, terminar de ler Budapeste e recuperar meu sono atrasado.
    gostei bastante do texto. :)

    ResponderEliminar