quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pássaros terrestres, ornitorrincos e lagartos mamíferos entre outros animais peculiares.

Ele traga o cigarro demoradamente. O segura entre o dedo indicador e o dedo médio, com o filtro preso bem próximo a mão. E esconde praticamente todo o rosto quando fuma. Cerrando gentilmente os olhos. Os pelos do seu rosto roçam contra a pele por dentro da mão, chiando bem baixo. Como o som de uma lixa.
Solta praticamente toda fumaça pelo nariz enquanto olha para fora da janela. E diz:
"- Amanhã é outro dia, o planeta gira e todo mundo fica feliz de novo. Aquela merda de sempre... Ela vai achar um cara para segura-la com força. Um desses que parece macho, mas que não passa de um franguinho maquiado. Tu sabes como é... Mas fica tranquilo, também vais te sair bem... É só ter paciencia..."
Eu não conseguia falar muito. Mas estiquei minha mão até a garrafa de uisque, torci a rolha entre os dedos e deslizei aquela valvulazinha de plastico transparente até meu copo. A ultima dose tinha entrado tão rapido que o gelo estava praticamente estático... Um terço do meu copo e ele me pergunta de novo:
"- Não vais me servir um desses também ?"
"- Vou, digo, queres ?"
Concordou com a cabeça tragando o cigarro novamente. Eu o observei por mais alguns instantes, tipo uns cinco segundos que fazem qualquer interlocutor ficar estranho. Porque você fala algo e espera que alguém te reenvie uma mensagem, normalmente. As vezes a negação, ou a explosão de raiva não são tão estranhas quanto um interlocutor que se porta fora do padrão de comunicação do contrato social humano.
Ele me observa. Levanto pego um copo, torço a tampa, coloco quatro cubos de gelo, derramo a bebida. Tudo muito Guy Ritchie. Acelerado. Cortes secos e planos curtos. Termina a sequencia no dedo dele girando os gelos. Cinco voltinhas só pra começar a derreter e PIMBA ! Goela abaixo.
Bebemos nossos uisques em silêncio. Dentro do meu apartamento no centro da cidade. Eu sentado no sofá, um pouco desconfortável. Ele na soleira da janela. Pernas cruzadas como de uma mulher. Corpo magro, rosto fino. Cabelo abagunçado. Olhos azuis. E uma cara de quem está adorando aquilo...
" - Eu sempre te imaginei diferente..." - digo.
" - Tunica, cabelos lisos, barba longa e sem bebidas ou cigarros... Certo ?"
" - Teoricamente, nem precisaria te dizer isso... Tu criou essa porra toda ! Não é pra ser onipotente e onipresente e tudo mais ?"
"- Sim e não. O que vcs chamam de infortunio, de azar e destino é pra mim algo bem interessante na verdade... Mas eu acho que o que vc quer ouvir é: sim eu também posso me enganar..."
"- Agora fudeu tudo !" - falo olhando para baixo.
"- Fica tranquilo, eu vou te ajudar..." - diz ele enquanto acende outro cigarro calmamente - "o mundo é um lugar bom, o que atrapalha é forma como vcs enxergam as coisas da vida..."
"- Blá blá blá Freudiano ! Tua próxima pergunta é se eu gosto de Glauber Rocha ? Por favor !"
"- Sempre tão certos de tudo... Sempre tão cheios de si. Eu não errei na violencia, errei na prepotencia de vocês !"
"- Eu sinceramente acho que deverias ter parado nas samanbaias !"
Ele traga novamente o cigarro e solta a fumaça me olhando nos olhos. Não sorri ou move as pálpebras. Só fumaça e o rosto sério dele.
"- É, eu não !"


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