segunda-feira, 15 de junho de 2009

A velha armadura.

Ela fica guardada. Não cabe em nenhum de nós e mesmo que servisse, provavelmente continuaria sem ser usada.
É de ferro negro, com um par de ombreiras ornamentadas. Traz inscrições em elfo sobre o peitoral, dizendo: "Seja como o sandalo que perfuma o machado que o fere...". A malha de ferro que vai entre o corpo de quem a usa e as placas de metal foi dada de presente por um mestre ferreiro anão, antigo amigo da familia. Alguns dos seus elos de metal estão tortos e outros foram remendados. Mas foi usada mesmo assim, até o final. Os braços trazem marcas de cortes e amassões que foram concertados durante o passar das décadas. O cinto é feito de couro de uma Bulette das campinas do Norte, além do Grande Mar. A fivela foi forjada pelos homens do Sul. Nas hoje extintas Chamas de Mirroranthar. Na altura do joelho ela ainda carrega as duas lâminas de proteção. Elas não perderam seu fio, na verdade, elas jamais precisaram ser reafiadas. As lâminas de proteção são um antigo costume que o usuário original sempre fez questão de manter. Elas são retrateis e o dispositivo foi desenvolvido por uma família de gnomos do Vale de Baixo. A capa dobrada sobre o ombro esquerdo é de tecido oriental. Ela foi comprada no Porto Azul e costurada por hobbits. Nela está o brasão da família.

Vestida em um suporte de madeira, a armadura repousa. Ela é limpa periodicamente. Suas dobradiças recebem óleo, a capa é lavada e passada, suas placas são reparadas e os fios das lâminas são verificados. Como se seu dono ainda fosse usa-la. Como se pudesse...
Os dias de guerra se foram. A paz conquistada através de tantas perdas e lágrimas por vezes é até sufocante. Mas ninguém reclama. Não aos ouvidos alheios.
É comum ver algumas pessoas sentadas a sua frente, em silêncio. Alguns tomam cafés e fumam cigarros outros leêm livros ou simplesmente meditam na presença dela. A natureza dos pensamentos nem sempre é revelada. A armadura os guarda em segredo, como a vida daquele que a possuía.

As vezes alguns suspiros correm os corredores do castelo, até a câmara da Armadura. E lá dançam com o vento antes de se dissiparem no ar... Dizem que são os antigos inimigos dela, voltando do mundo dos não vivos para verificar se ela realmente foi aposentada. Desejando ver com seus próprios olhos.

Muitas histórias são contadas sobre as batalhas em que ela esteve. Sobre aqueles que ela derrotou. Sobre as lágrimas de despedida que eram derramadas pela Rainha quando seu Rei deixava o Castelo em busca de justiça para seu povo.

Muitos duvidam do que é dito. E é normal que assim seja. Seu portador venceu batalhas demais para que suas histórias pudessem viver alem do seu próprio corpo. Além da sua própria vida. Cabe a nós, filhos da coroa carregar tal legado. Cabe a nós, garantir que seus atos se transformem em palavras e essas palavras na história de nosso Reino.

Aqui, sentado diante da Antiga Armadura, como muitos a chamam. Eu me lembro de me despedir do meu velho pai em diversas ocasiões em que ele a trajava. Sem muito sentimentalismo ele dizia de forma seca:
“ Te vejo depois garoto !”. E sorria com confiança.
Um dia corri até a porta, antes que ele a fechasse pedindo que não fosse... Pedindo que mandasse alguém em seu lugar...
Eu era uma criança e ele se ajoelhou enquanto dizia sorrindo:
“ Calma pequeno, eu assumi esse compromisso e preciso cumprir minha palavra. Que tipo de homem eu seria se não te desse essa lição ? Se não te ensinasse a cumprir a tua ?”
Não fez sentido algum na época. E as vezes ainda não faz hoje. Mas eu me esforço para que faça. Mesmo que eu prefira as vezes pegar o caminho mais fácil, eu me esforço para usar o que aprendi com ele... Acredito de alguma maneira que seja o correto.
Afinal, talvez um dia eu possa ter a minha armadura ao lado da dele...

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