quinta-feira, 2 de julho de 2009

A Industria de Memórias do Dr. Mundsig.

Me lembro de acordar com o cheiro do café em casa. Corria até a cozinha para conversar com meu pai. Ele sempre tinha uma história de antigamente pra contar. Quando não existia nada por aqui. Só algumas famílias sofrendo pra tentar construir uma cidade melhor.
Ele estava no meio deles.
Eu sempre procurei ouvir atentamente o que ele me contava, de uma algum jeito estranho valia a pena. Alguns contos tinham punch line outros terminavam em questionamento. Mas de uma forma ou outra, era sempre bom ouvir meu velho falar.
Acho que esses dias passaram. E talvez meu relacionamento com ele nem tenha sido tão perfeito assim. Afinal, éramos (às vezes) pai e filho. Por tanto precisávamos discutir algumas coisas irremediavelmente. Mas ainda assim, acredito firmemente que pai e filho não era nossa relação original. Prefiro pensar que fomos amigos com uma grande diferença de idade.
Consigo, ao menos, acreditar que mudamos bastante a vida um do outro. E foi bom.
Bom não. Foi do caralho.

Mas terminou.

Acordei pensando em começos e fins. Tudo que você acha que não terá fim e tem. E aquilo que você pensa que passa, e não passa. Pensei em espinhos nos dedos e dores de cabeça. Em fotos velhas e músicas que nossos instrumentos não tocam mais.
Acho que como uma metáfora, podemos concordar que tudo nasce, cresce e morre. Algumas coisas deixam filhos mais novos que gostam de ouvir histórias. Outras nem se casam...
Algumas vidas duram dois meses. Outras 96 anos.

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade - Os ombros suportam o Mundo



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