segunda-feira, 4 de maio de 2015

Se para, para ouvir, fica surdo além de parado.

Toda vez que se lembra, a idéia lhe escapa. Ele vive a promessa do que se tornará real. Como a transição entre as estações. Aquela curta lacuna entre os períodos que damos para a distância da terra ao Sol. Enquanto o planeta flutua por entre seus caminhos siderais. Mudando o vento. Os entardeceres. E a forma como a vida se comporta nesse grão de poeira.
Flutua nesse oceano de gases, como se nadasse no mar. De diversas formas, não passa de um peixe. Vive em um recife de concreto. Tem a vida em ciclos roucos. Asperos como lixas que lhe raspam a pele. Segue presas e plantas durante o dia. E as vezes é pego em um anzol. Se debate na louca luta contra o fim da sua longa vida. Move os músculos em espasmos violentos. Tem convulsões. Rasga a própria carne e sangra para viver.

Eu sou amigo dele. E demorei anos até compreender que a sua relação com a existência é distante da própria matéria. Longe do padrão vendido pela transmissão comportamental das gerações. E é somente através dessa distância que ele consegue se reconstruir. Que consegue reinventar a própria existência física que o cerca. Somente através dessa nova visão do antigo é que pode redesenhar o que já havia sido definido. Rasgando folhas desse caderno e colando novas sobre as que restaram.
Um dia me disse que prefere viver sozinho para que a sua confusão não destrua nada além do seu próprio caminho. Que o seu caminho é longo, mas não mais longo que o dos outros. Que todos caminhos tem a mesma distância, como os pixels de uma tela. Que todo caminho se cruza e se separa. Que toda existência é solitária. Toda vida é um capitulo da grande história. Como toda linha que tem começo e fim. Como a primeira letra do parágrafo e o ponto no final da frase. Lhe disse que essa idéia era sureal e que a existência de ninguém precisava ser assim. Ele sorriu. Mas não me ofendeu. Ficamos em silêncio por muito tempo até ele me perguntar que horas eram.
"- É hora de ser feliz." - eu disse.
Só então percebi que enquanto sorria ele também chorava.
"- Eu acho que cabe a cada um de nós saber quando essa hora chega." - ele me disse.
E foi embora do nosso planeta.

Sem comentários:

Enviar um comentário