segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Tudo aquilo que não foi, mas que podia ter sido.

Não sabiam eles que estavam vivendo o momento da vida em que se sentiriam mais importantes.
"- Mas aa Marco véio" - gritou o menor, enquanto descia o maior no carrrinho (sim com 3 erres).
O morro da vó Salvelina ficou pequeno. 
Decolaram voo pela internet. A televisão bateu na sua porta. A radio os chamou pra falar. Filmes publicitários. Funk. Domingão do gordão. "Taca lhe o pau!", repetiam. A cidade inteira ferveu. O prefeito fez palanque, elogiou a família. Disse que a vó Salvelina era uma cidadã respeitavel de bem, como nenhuma outra. Que a chance que essa família estava proporcionando ao município precisava ser aproveitada. Que era a hora de brilhar.
E brilhou. E como brilhou...

O garoto de 12 anos perdeu a virgindade depois de aparecer no jornal de domingo a noite. A menina tinha 19 e nunca tinha olhado (e nem olharia, se não fosse o sucesso que ele vivia naquele instante) para o Marco "véio". Também pudera. Ele mal sabia o que estava acontecendo enquanto ela se sentava sobre o colo nu dele. As calças arriadas e as promessas da moça bonita lhe sussurrando ao pé do ouvido:
"- Calma, tu vais gostar... Isso assim..."
Os olhos arregalados do moleque. Seu gemido rápido e tudo foi apenas um instante. Ela repetiria isso algumas vezes, até ter certeza. Nos dias que se passaram eles passearam juntos atrás da igreja. Na cachoeira. Atrás da casa da vó Salvelina.

E engravidou. O filho recebeu o nome de Jr.
Eles se separaram 6 meses depois da criança nascer.
Marcos tinha 13 anos feitos. E ao contrário da aposta da garota, nenhum dinheiro... Ele havia se tornado uma criança hiperativa. Solitária. E com severos traços de depressão. Se mataria aos 16. Tomando remédios que encontrou na gaveta da casa da avó. Sua família nunca comentou o que houve.

O mais novo tentou ser modelo. A mãe o achava lindo. Tentou gravar outros vídeos. Emplacar outros jargões. Fez publicidade local. Depois estadual. Uma agência de comunicação de São Paulo o procurou para orçar um filme publicitário para uma grande marca de carros, uma montadora de fora do Brasil. A família lhe cobrou migalhas e ainda assim o orçamento não foi aceito. Seu pai lhe olhava torto. Como uma promessa que nunca se cumprira. Como um sonho que nunca chegou a se tornar realidade. Leandro era seu nome. Ele ficou sozinho. Marco (o tal Marco "véio"), tinha alguma fama. Tinha uma namorada. Tinha mais gente ao seu redor. Leandro não. Ele envelheceu triste e amargurado. Sua tristeza se tornou uma raiva. Sua amargura cresceu até torna-lo seco e duro. Grosseiro. Facilmente irritado. Arranjou um serviço de representante aos 18 anos. Algumas vezes dizia quem era. O que tinha feito.
"- Você já assistiu esse vídeo?" - ele perguntava.
"- Fui eu quem filmou..." - dizia em seguida.
No começo era reconhecido. Até foi bem tratado. Tratado com diferença.
Depois não.

Parou de perguntar.
Largou o emprego.

Bebia frequentemente. Cada vez mais.
Um dia desapareceu.
Alguns disseram que fugiu. Alguns, que morreu.
Sua família também não comentou seu sumisso.
Algumas décadas depois, um programa procurou os envolvidos para falar sobre as celebridades da internet. Para entrevista-los. Puro entretenimento "fastfood".
A casa da vó Salvelina havia sido vendida. A família não quis falar.
Os vizinhos comentaram que nada deu muito certo para eles.

"- Vocês conhecem aqueles meninos que gravaram o vídeo do "taca lhe o pau Marco véio"?  - perguntou o produtor.
E as portas se fechavam com poucas palavras:
"- Não".
(porta fechando).
"- Não sei nada deles".
(porta fechando).
"- Vão embora!".
 (porta fechada).

Surgiram e sumiram do mesmo jeito, sem ninguém notar.
Sem ninguém se importar.
Como se suas vidas nunca nem tivessem existido.
Como se fossem só um sonho de uma noite.
Breve. Intenso. E com pouquíssima verdade.

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