quarta-feira, 28 de março de 2012

Pablo Neruda, Dna Selma e um livro sobre corvos.

A menina subiu o morro. Carregava uma torta confeitada, daquelas bem cheias de frutas e cremes de ovos em cima. Se equilibrou por entre as ruelas da comunidade até a casa da mãe. Um muro baixo, com não mais de meio metro. Pintado de amarelo antigo, daqueles que descascam com o passar dos anos, das chuvas, do sol e de mais anos. O portão já foi bonito e bem trabalhado mas agora era antigo e enferrujado. Sem grama, haviam espaços preenchidos por pedras britas e lama. A campainha foram algumas palmas batidas com o equilíbrio devido de uma criança que completa 15 anos e carrega um bolo.

O silêncio foi mortal, me disseram. Segundos daqueles que demoram anos, décadas para sarar. Segundos daqueles que não saram, muitas vezes...

A velha que abriu a porta, não era mãe de ninguém. Apesar de ter parido mais de dois pares de crianças. Ela não atendia ao chamado de mãe. E seu coração, pobre que era, estava lacrado ao amor e a vida.

A menina lhe disse algumas palavras e ofertou a torta com o melhor sorriso que conseguiu.
A velha e triste senhora de coração fechado observou o bolo. Levantou a cabeça e olhou a menina dos olhos. Isso demorou um segundo, depois ela mostrou os dentes em um take em slow motion. A torta foi ao chão e os braços da mulher gesticulavam como uma cobras que fogem da faca. A menina se encolheu, dobrando os joelhos levemente e abraçando o próprio tronco. Seu rosto espirrou lágrimas de medo, enquanto a cabeça virava para longe daquilo. A velha continuou a escurraçando feito um animal indesejado.

A torta ficou para trás.

A menina correu para casa. Perdeu um sapatinho no caminho, como Hollywood faria. Mas não choveu. Não, a chuva já havia pingado sua mudança e a semiótica não tinha mais nenhuma aplicação a aquela cena.

Do alto do morro da Cruz. Pablo Neruda me olhou e disse:
"- Essa tristeza toda, é a vida, sabes não é ?!"
"- Eu não sei o que sei Pablo. Não hoje..."
"- Meu caro, não espere por dias frios no verão... Eles até irão acontecer, mas espera-los é se fazer triste, já conversamos sobre isso."
"- É, eu sei."
"- E o que aconteceu agora ?"
"- Não sei, você é o espírito excêntrico imaginário, não eu..."
"- Somos um... Vamos lá, o que acontece agora ?"
"- Eu não sei seu poeta chileno do inferno ! Me deixa quieto, merda !"
"- Assim como ela, Leandro, eu também perdi minha mãe muito cedo. Antes do que qualquer um deveria. E desde muito pequeno, pensava sobre uma das minhas frases mais célebres..."
"- Se nada nos salva da morte. Pelo menos que o amor, nos salve da vida."
Pablo me sorriu um sorriso cheio de dentes.
"- Exatamente."
"- Aprendi a andar. Depois aprendi a amar. E por último aprendi a voar."
"- Gostei, mas não é por último aprendi a voar.... É agora, aprendi a voar. Você nunca saberá qual é a última coisa que aprendeu, até o momento do fim. Confie em mim."
"- Eu não confio em ti."
"- Perfeito. Confie em desconfiar."

A noite é longa, as vezes demora décadas. A vida é incerta, as vezes catastrófica. Mas uma das certezas que eu carrego é que a menina do bolo, fez a coisa certa.

E que o resto do universo beba sua própria urina misturada as fezes enquanto escuta Michel Teló. ;D

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