segunda-feira, 14 de março de 2011

Dona Laura.

Dona Laura era uma mulher daquelas. Tinha 42 anos bem vividos, 24 deles ao lado de seu marido. Cujo a importância do nome sempre foi questionada. Os filhos do casal, sempre foram chamados pelos vizinhos e amigos de "Filho da Dona Laura...".
Sempre que entravam na casa de um amiguinho do colégio. Com suas roupas bem engomadas, cabelos melados de gel e penteados melimetricamente para a esquerda e sapatos que refletiam tanto quanto espelhos. As mães presentes o apresentavam:
"- Você conhece esse garoto ? É filho da Dona Laura."
Seguido por um
"- Aaaaah, olá, como vai vc ?"
"- Boa tarde, vou bem e a Senhora ?" - respondiam parecendo pequenos andróides programados para te matar enquanto dormes.
"- Mas são muuuito educados esses filhos da Dona Laura..." - diziam elas com aquele tom de satisfeitas que as mães as vezes tem...

Dona Laura nunca trabalhou fora de casa. Ajudára seu pai na venda de secos e molhados que tinha. Mas somente no caixa. O velho era rígido com as filhas e não permitia que essas falassem com estranhos, nem que fossem clientes de sua venda.
Dona Laura cresceu assim. Imaculada. Pura. Contendo toda selvageria que podia, como um apitite voraz barrado por uma dieta.
Aprendeu desde pequena a sorrir sempre. Não chorava nem em velórios. Lá se limitava a desfazer o sorriso, cambiando-o por lábios vermelhos e sérios. A mulher realmente sabia como se portar.
Sempre com as duas mãos limpas sobre o ventre, e os cotovelos levemente contraídos. Adorava vestidos floridos e de bolinhas duas cores. Em casa, irremediavelmente usava um avental branco sobre o vestido. Mantinha uma pequena toalha de mão presa a tira traseira do avental, para as aventualidades.

Cozinhava como poucas mulheres cozinharam. Sempre teve o dom de conhecer o alimento com os olhos. Escolhia as melhores cebolas e batatas, apalpando-as com a ponta dos dedos. Perguntava sempre de forma polida ao vendedor da feira:
"- Com licença, o Sr. me permitiria experimentar um uva ? É para saber se estão doces e maduras.... !"
"- Claro Dona Laura, fique a vontade..." - respondiam todos os vendedores que já a conheciam de longa data. Tentando parecer educados também...
Ela sinalizava dobrando levemente os dois joelhos e arqueando o pescoço para frente. Usava dois dedos em formato de pinça. Arrancava a uva com um movimento brusco e único. A examinava com um olho fechado contra a luz. Procurando feridas ou manchas na casca. Só então, a colocava na boca. Procurava pelos sabores que queria. E assim escolhia qual cacho seria comprado.
Dona Laura passou quase 25 anos da sua vida ao lado do marido. Nunca teve certeza do que ele fazia profisionalmente. Dizia que o Cerqueira (sobrenome do seu marido) estava ocupado no escritório. Sem nunca lhe perguntar o que era esse tal escritório.
Sempre que terminava o jantar, ela rapidamente se levantava e ajudava a empregada a retirar os pratos e trocar pela louça da sobremesa. Tudo muito cheio de rituais. Sua família e amigos já conheciam os procedimentos. Almoço de domingo farto. Com dois tipos de carne, saladas e guarnições. De sobremesa compotas e tortas tão complexas quanto podiam ser. Sorvetes feitos a mão. E um cafézinho preto no final.
Seu marido nem precisava pedir. Dona Laura lhe servia o café e colocava ao lado um pequeno prato de prata com um cigarro e seu isqueiro. Ele mal a olhava. Ela sorria o tempo todo.
"- O Cerqueira sabe como me agradar..." - repetia ela sem que ele lhe demonstrasse nenhum gesto de carinho. Dona Laura não falava sem sorrir. Simplesmente não conseguia.

Casa limpa, sempre testada pela luva branca dela. As empregadas a odiavam na verdade. Mas em silêncio. Dona Laura tinha pulso firme. Aquela que não a obedecesse cegamente, era calmamente demitida no final da tarde. Com direito as mãos limpando o avental ao término da conversa. Como quem dissesse:
"- Fiz o que pude...".

(continua).


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