terça-feira, 15 de março de 2011

Dona Laura (2).

Mas não era implicante com as meninas que trabalhavam em sua casa. Por vezes era excessivamente rígida, mas tinha seus dias. As aconselhava sobre seus namorados. Nenhum deles nunca era bom o suficiente.
"- Porque o Cerqueira sempre me tratou como uma Rainha..." - dizia cheia de orgulho do próprio casamento. Apesar de suas ouvintes trocarem olhares de dúvida quanto a essa colocação. Nenhuma delas a contradizia. Não valeria a pena, no final das contas...

Gostava dos velhos boleros. Sua vitrola, presente da mãe, era sempre limpa e posta para girar o prato de discos na mais alta rotação. Para que as engrenagens não enferrujassem por desuso.
Nas manhãs de segunda feira, quando ficava sozinha em casa. Dona Laura, cantarolava alto os clássicos que ninguém mais conhece... De Carlos Gardel a Arturo de Navara. Ela conhecia todas boas músicas e as cantava com gosto de quem sabe o que está pronunciando. Mesmo sem nunca ter deixado o Brasil.

Dona Laura sempre teve aquele ar cheio de si. Um pouco arrogante, um pouco meticuloso. Dificil de decifrar. Pouca gente a conheceu de verdade. Talvez nem seu marido teve esse prazer por completo. A relação dos dois acabou se tornando cada vez mais fornal com o passar dos anos. Até se tornar quase uma inimizade hierárquica. Respeitosa e limitada. Cheia de paranhos e pó, como um antigo troféu que foi comemorado por tempo demais. E agora estava obsoleto e desimportante.

As aparencias da vida de Dona Laura, jamais poderiam ser substituidas por sinceridade. Ela se tornaria outra pessoa se tentasse tal feito. Jamais arriscou se despir dos próprios preceitos. Todas as manhãs, quando levantava, aproveitava aqueles minutos entre a noite e o sol nascendo para ouvir o som do silêncio. Ainda de cabelos soltos, sem seu costumeiro coque medieval, era alí. Deitada ao lado do corpo frio e magro de seu quase nada companheiro marido, que ela se sentia mulher. As vezes se tocava em segredo. Silênciosa para que nem ele,
"o" Cerqueira, a ouvisse. Ou a sentisse mover os quadris. Fechava os olhos fortemente e mordia os lábios. E enquanto ardia de prazer, ainda alí, ficava preocupada. Jamais se entregára completamente. Afinal, o que pensaria o Cerqueira ?
"- Que eu sou uma desclassificada ? Uma meretriz ??? Minha mãe me criou para ser alguém de bem !".

Como se gozar, a fizesse ser alguém má.
Suja como a Geni do Porto.

Não... Dona Laura sabia muito bem até onde ir. Além disso:
"- A vida não é só a carne !" - não cansava de pensar em silêncio quando seu desejo incontido se libertava como o excesso de água de uma represa.

(continua e termina)

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