terça-feira, 3 de novembro de 2009

Me diz só uma coisa.

Entre tudo que você é. Existe algo que não pode ser dividido ? Existe algo que caso você perca, deixa junto parte da sua essência ? 
O ser humano tem a chata mania de se considerar indivisível. É verdade. Consideramos nossa vida algo inquebrável. Já partimos do ponto da cultura ocidental recusar o pós vida. Aqui, ninguém gosta de sentar pra conversar sobre o espírito e suas mazelas. A gente quer falar de maquiagem, de cinema, de coisas que queremos comprar e vender e como é legal ser legal. Ninguém que falar sobre morte. 
Eu até entendo. Até.
Dentro de um ciclo curto é complicado inserir o assunto. Te imagina falando com alguém que você conheceu a pouco tempo:
"- E me diz,  como tu achas que vais morrer ?"
A pessoa vai ficar no mínimo constrangida. Uma mente criativa pode pensar que estás querendo ajuda-la na tarefa... Não é o caminho. Mas acho engraçado (em parte ao menos) as pessoas quererem esconder o medo da morte pra si. É estranho até quando temos medo de morrer e vergonha desse sentimento. Como não querer pular de parapente e maquiar esse sentimento com um recém adquirido medo de altura que sempre tive... (???). 
Ter medo de deixar de existir. Se render a própria imaginação viajando pelos tubos que nos levam a vislumbrar nossa inexistência. 
Kafka, por quem eu nutro um grande gostar, fala sobre o existencialismo em sua obra. Ele descreve em uma série de contos formas como poderia morrer... Em alguns o autor é simples e direto como descrevendo o conteúdo de sua caixa craniana sendo exposto ao sol de verão europeu... Em outros é particularmente estranho, como se enforcando nos fios de um varal ou caindo com o rosto apontado para o chão do alto de uma casa, enquanto sorri.
O fato é que nessas passagens Kafka confronta nosso sentimento de jamais deixar de existir. Jamais encontrar o fim do nosso próprio e valiosíssimo existir. E expondo sua ignorância quanto ao que vem depois da vida ele nos força a confrontar nossa própria. Essa é a magia. Percebermos a falta de informação em um medo tão ancestral e nos confrontarmos com a falta de racionalidade em mante-lo flamulando nos mastros de nossas idéias mesmo assim. Quase como que crianças mimadas. Desistimos do resto da conversa por costume. Entregamos os pontos a ridicularização do assunto com comentários que tornam esse tópico um tabu. 
E me ocorre agora, em quantos outros momentos e com quantos outros assuntos tomamos a mesma atitude. Como que criando um campo de proteção aos assuntos proibidos, jamais ultrapassando tal linha. E demonizando os que se arriscarem além da fronteira. Isso é muito importante, demonizar aqueles que ultrapassam os limites impostos pelo nosso contrato social. Eles devem pagar o preço por se arriscarem tão longe. Devem aprender que mesmo entre amigos, amores e família existem assuntos que jamais devem ser abordados. Não por serem grosseiros ou inadequados de fato. Simplesmente, por não termos boas respostas prontas. Simplesmente por não podermos discuti-los com a usual certeza que carregamos em nossos peitos, línguas e cérebros.

Não me espanta, realmente, que cada vez mais as crianças descubram o sexo (e quando eu digo crianças, não falo das de 18 anos... falo das de 10, 11 e 12...). Não me espanta que cada vez mais os números ligados a venda de drogas químicas cresça e que a intolerância esteja tão na moda.

E não acho justo ninguém se espantar.

Porque enquanto mentimos para nossos filhos e amigos. Eles aprendem que mentir é o jeito de jamais encontrar o fim das coisas. Que a mentira prolonga o nosso existir.

Pois que no fim desse texto eu percebo, que a mentira contada nunca engana só os que a escutam. Normalmente ela fascina igualmente aquele que a profere...

"- Ah" disse o rato, "o mundo torna-se cada vez mais estreito. A princípio era tão vasto que as vezes me dava medo. Eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via a distância, a direita e a esquerda e as paredes... Mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra. Que já estou no último quarto e lá naquele canto eu vejo a ratoeira que me prenderá..."
"Você só precisa mudar a direção."  disse o gato e devorou-o.




Sem comentários:

Enviar um comentário