sexta-feira, 3 de julho de 2015

iLife.

O nome dela era Maria. Maria mãe aos 16, Maria avó aos 33. Doméstica de acordar as 4h30 com seu celular apitando. Como se a lembrasse de que ele foi parcelado em 12 vezes e já com 6 parcelas atrasadas, mas que ela vai pagar. Assim que puder. Maria de trabalhar na casa de gente rica, com três ou quatro carros na garagem. Piscina que uns "moço" limpam toda 4a feira de manhã. Maria de ter diabetes e não cuidar porque "nem parece que eu tenho nada. Me sinto bem". Maria de não pensar sobre a existência da vida e da morte. De ter "coisa mais importante pra fazer moço". É verdade Maria, aqueles banheiros não vão se limpar sozinhos. E pensar na vida não dá dinheiro para pagar contas. Maria de "nem me fala querido, to com duas luz atrasada". Maria de lutar de sol a sol até as pernas definitivamente não aguentarem mais. Até a dor lhe forçar a sentar. Mas que esse dia demore pra chegar. Porque hoje é dia de condução. De mão apalpando sua bunda no aperto do metrô. Hoje é dia de faxina geral, de limpar grelhas de churrasqueiras. De lavar louça, roupas e chãos. Hoje, nossa Maria, sua até molhar a roupa. Limpa a testa com o antebraço, assoa o nariz e segue em frente. Esquece que tem dor de cabeça e que na boca lhe lateja um dente. Hoje não há tempo para cartas de amor e filosofia. Não, hoje ela faz tudo com a atenção de quem sabe o que está fazendo. Séria. Mas quando uma colega lhe dá um copo de água gelada ela se desencaixa desse planeta frio e quente em que trabalha e consegue até sorrir. Maria de "obrigado querida, nem vi que tava com sede". Maria não para. Nem quando o corpo grita por socorro. Nem assim. Ela continua até o fim.
Uma vez eu perguntei para Maria qual era seu sonho. Ela ficou parada me olhando. Sorriu. Depois ficou séria. Depois olhou para os pés e abriu as mãos na frente do rosto. Ficou a observar suas próprias palmas arranhadas com cicatrizes de tantas facas em cozinhas desconhecidas. Cozinhando, limpando, passando, dormindo e novamente acordando.
Ela ficou assim, e eu fiquei a lhe olhar. Até que ela disse:

"- To atrasada moço, dá licença dá..."
"- Mas Maria hoje é domingo!"
"- Não, hoje é dia de limpar a casa da Dona Marlene, que ele está na praia e o marido dela não gosta de ver empregada em casa."

E virou de costas, desaparecendo apressada.
E eu fiquei achando que foi ela sendo Maria que ensinava o mundo a ser mais humano.

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