quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Um inverso do universo.

Se o céu é azul agora, eu percebo, é porque foi noite antes. E será de novo. Não há erro, a noite e o dia vem e vão. As estações se alternam. As pessoas nascem, as vezes crescem mas sempre morrem. Sempre. Procurando por pilares inquestionáveis encontrei um garoto de 8 anos anos que achava que dragões existiam.
"- Eles existem!" - ele me disse cheio de certeza - "Eu já vi!".
"- Você viu aonde moleque dos inferno ??? (plurais errados propositadamente acentuam o tom agressivo)".
"- Existe uma caverna ali naquela montanha..."
"- Aquilo é um morro, não uma montanha!" - eu o interrompi.
"- É uma montanha!" - ele insistiu.
"- Aquilo ali é um morro! E por pouco não é uma colina. É um morro baixo!" - expliquei.
"- É uma montanha e tem um dragão que vive lá em uma caverna. Eu vi!" - 
"- Você está mentindo. Saiba disso. Podes pensar o que quiseres. Mas isso não é a verdade...".
Ele virou de costas para mim e saiu correndo. Corri atrás. Atravessamos uma avenida que ficava na base do morro. Subimos a rua de asfalto ladeando uma escarpa cheio de pedras e com algumas poucas árvores que cresceram equilibradas em rochas e barro.
Ele olhava para trás a cada quatro ou cinco passos, no começo meio nervoso. Depois parecendo estar gostando de eu o estar seguindo. Me peguei sorrindo para ele. Com aquele pequeno garoto de cabelos claros e camiseta listrada, correndo com seus braços em movimento. Sorrindo em camera lenta para mim.
Ele dizia:

"- Vem! Vem logo! Vaaaamoooooo!".
O acompanhei até o final do asfalto. Havia um mirante para os carros fazerem o retorno. Terminava ali. Ele pulou dentro do bosque como um esquilo. Confortável, correndo sobre as agulhas que os pinheiros soltaram. Seus pés faziam um som abafado. E ele olhava menos para trás, porque precisava desviar dos troncos das árvores.
"- Veeem! É logo ali! Vamo logo! Vem!".

Ele repetia.
Cruzamos uma baixada entre pequenos pinheiros, abetos e ciprestes que cresciam como se o mundo não existisse. Olha para cima enquanto passava ao lado de uma gigantesca sequóia que fazia sombra sobre outras árvores.
Quando percebi, ele estava parado a alguns metros a minha frente. 

"- Tá tudo bem?" - perguntei.
Ele me mandou ficar quieto com o indicador na frente dos lábios e apontou com a outra mão para o barranco a sua frente.
"- Ali, embaixo das raízes...."
Quando olhei pensei que era um buraco na terra. Me pareceu pouco natural, sendo que havia uma árvore sobre a protuberância que saia da terra. O buraco não tinha mais do que dois metros de diâmetro. E haviam algumas rochas nas suas laterais. Do tamanho de cabeças humanas.
"- Ele está ali dentro dormindo. Precisamos fazer muuuuuuito silêncio..."
Disse alto como quem duvidasse dele:
"- Para com isso, é só um buraco..."
E um jato de vapor emergiu das trevas da terra. Saindo pelo furo abaixo das raízes da árvore. Fazendo folhas e agulhas voarem em todas as direções. Seguido por um silvo agudo e oscilante como de uma criatura de um filme hollywoodiano.
Corremos.
Corremos como nunca.
Em algum ponto eu me lembro de ter pego o garoto com os braços enquanto ele gritava:

"- EU TE FALEI! É UM DRAGÃO! TEM UM DRAGÃO ALI!!!! VIU!!!??!?!"
Mais tarde eu me lembraria disso como uma brincadeira. Como algo que não poderia ter acontecido.
Anos se passaram até que um dia, em um parque eu vi um garoto dizendo para seu pai:

"- ... ele está dentro de um buraco pai! É um dragão com escamas verde e caramelo! Eu vi!"
"- Não fala bobagem guri. Me deixa terminar o jornal, vai lá jogar bola vai..."
Devo ter encarado o garoto desconhecido, porque ele me encarou de volta. Se o seu pai tivesse tirado os olhos da seção de esportes do jornal saberia que seu filho estava branco de medo. De um jeito que histórias de garotos não deixam seus interlocutores.
Ele me encarou.
Eu acenei levemente com a cabeça dizendo que sim. E balbuciei:

"- Eu sei..."
Ele me encarou sério por um par de segundos. E sorriu enquanto começava a acenar também.

Realmente existe um dragão lá.

Sem comentários:

Enviar um comentário