segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O Rei morreu!

Todos eles estavam naquele grande salão que antecedia os aposentos reais. Era uma grande sala feita de tijolos de pedra. Com uma única janela que ia do chão até os 4 metros altura do teto. A sala, em outras épocas servia para que o Rei e a Rainha pudessem ter encontros urgentes sem serem importunados na sua intimidade. Havia uma porta de saída para a escada que levava até os acessos da sala de jantar, uma sala de reuniões privada, a sala do conselho real, o pátio com o jardim privado, uma biblioteca e os aposentos dos clérigos. E uma segunda porta que levava diretamente ao quarto íntimo do Rei e da Rainha. No quarto havia uma segunda antessala, bem menor que a anterior, e depois dela um grande passagem sem portas até a gigantesca cama com dossel, as penteadeiras, a grande varanda e armários. E é claro, a uma latrina reservada que era limpa toda vez que a família real deixava o espaço.
Todas as famílias de alta linhagem do reino estavam naquele grande salão. Todas as cadeiras, sofás e espreguiçadeiras estavam ocupados, alguns se viam obrigados a ficar de pé... Eram ao todo, 26 pessoas. Alguns nobres estavam sozinhos, alguns trouxeram suas esposas, outros seus pais e mães já em idade avançada. Era possível sentir a tensão no ar. O silêncio era vez ou outra interrompido pela tosse ou espirro de alguém. Haviam ali homens vestidos em seus trajes de dormir, cobertos por grossos robes ornados com pedras e artes. Na porta do aposento, Sir. Nuvem Branca, o chefe dos cavaleiros reais montava guarda como uma estátua de 2 metros de altura, em uma armadura brilhante e com a mão direita sobre o punho da espada embainhada em sua cintura. Sua capa azul e branca lhe escorria as costas, lambendo até o chão. O homem não parecia piscar ou respirar, transpirando distinção com seu forte queixo de barba bem aparada e uma boca em formato de linha reta. Atrás dele, outros 6 cavaleiros se mantinham.
A pouco mais de uma hora, um mensageiro particular do rei havia sido enviado a cada um dos aposentos dos nobres da corte. Ele dizia de porta em porta:
"- Boa noite meu Lorde! Sinto muito em perturba-lo. Mas vossa presença é requisitada nos aposentos reais em nome de vossa Majestade, imediatamente!"
Não demorou muito para que a sala estivesse repleta por todos Duques que representavam os interesses das famílias reais na corte. Muitos, como dito, vieram de pijamas e foram atendidos pelos serviçais em seguida, lhes trazendo seus robes ou capas. Desde a primeira chegada, os únicos que ali estavam presentes eram os cavaleiros da guarda pessoal de vossa majestade. Quando o último nobre chegou, Sir. Nuvem Branca sinalizou para um soldado que entrou no aposento real silenciosamente e voltou acompanhado pela mãe do Rei, a Duquesa de Gravierth Flores de Arco-iris. Ela estava trajada com um vestido de cor verde escuro e tinha os cabelos presos em um grande coque. Seus olhos estavam inchados, revelando que chorara muito a pouco tempo. E torcendo as mãos sobre um pano veio até o meio do salão e se virou lentamente para Sir. Nuvem Branca que a encarava mais sério do que nunca... A sala se encheu de comentários, algumas perguntas e muitos murmúrios.
"- Senhores..." - disse discretamente, sem subir a voz.
Mas sua fala foi como uma taça de vinho derramado no oceano.
"- Senhores... por favor..." - tentou novamente sem conseguir.
Foi quando Sir. Nuvem Branca deu um firme passo a frente e batendo com uma das mãos contra a placa de aço do seu peitoral disse em voz alta, mas sem gritar:
"- Ordem! Ordem agora! Silêncio para que a Duquesa das Flores, vossa majestade fale! Silêncio!"
E a sala se calou completamente.
Nesse momento a porta do quarto real se abriu completamente e um sacerdote acompanhado por um noviço saíram do quarto. Os dois trajavam roupas brancas que estavam completamente manchadas de sangue real. Muitos nobres se levantaram em susto, mas antes que fosse possível falar qualquer coisa a Duquesa real disse:
"- O Rei está morto!" - e as lágrimas lhe escorriam pelo rosto como uma forte chuva de verão que começa sem aviso... O sacerdote trazia uma almofada com a coroa real repousada em cima. A guarda real se ajoelhou imediatamente. E um a um, todos os nobres, dos mais idosos aos mais jovens também se ajoelharam. A Duquesa continuou: 
"- Ferido em batalha contra o Vil Presa Afiada, o Rei Felipe Flores de Arco-iris está agora morto! E é preciso nomear um novo Rei. Porque um Rei sempre precisa haver..."
O sacerdote se aproximou da Duquesa e em uma reverência lhe ofereceu a almofada com a coroa real. A Duquesa levantou a coroa com as duas mãos dizendo:
"- Meu filho Thiago, onde está?"
E um rapaz com não mais que 15 anos de idade se aproximou vindo por trás dos guardas de dentro dos aposentos reais.
"- Estou aqui minha mãe..." - disse ele com uma voz firme e os olhos cheios de lágrimas.
A Duquesa dobrou um dos joelhos e esticou os braços. Thiago se aproximou e dobrou a cabeça para baixo, arqueando levemente uma das pernas, e a Duquesa lhe colocou a coroa sobre a cabeça. Enquanto o filho ficava reto novamente, sua mãe dizia:
"- É com a tua palavra que juras honrar a Deus e ao Reino?"
"- Sim, é." - ele respondeu.
"- Então temos um novo Rei." - disse a Duquesa se ajoelhando em prantos. - "...serás nomeado ao nascer do sol deste dia...".
E enquanto todos se levantavam e a Duquesa retornava para o leito do seu filho morto, a voz do Rei dizia:
"- Honrarei a Deus e ao Reino, mas antes vingarei o sangue da minha família derramado. Prepare-se Presa Afiada, seu destino se aproxima....".
Ao passar por Sir Nuvem Branca a Duquesa sentiu seu braço sendo puxado levemente e virou a sua cabeça de forma rápida para os olhos do cavaleiro. Ele a encarava, ainda sério, enquanto disse:
"- Duquesa, ele não deve lutar. Não está pronto!"
Ela olhou para a grande mão do cavaleiro que a segurava o antebraço somente tempo o suficiente para que ele a soltasse e olhasse para baixo com vergonha. E então falou:
"- Ele é o Rei, Sir. Você o questiona?" 
"- Jamais alteza..."
"- Pois bem... Dessa vez, tente morrer no lugar do meu filho e não traze-lo morto para casa..."
E lhe deu as costas.

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