sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Conversas fulanas nº742

Chega pra cá. Pode vir. Está tudo bem. Deixa pra lá tudo isso aí que te dá um nó na garganta. Segura essa taça, dá um gole, senta aqui. Deixa eu te ouvir falar sobre a vida. Isso vai passar, tudo vai passar, se não passar agora passa depois. Mas passa. Deixa que o canto saia ruim, só abre teu coração. A gente se conhece a tanto tempo que nem me lembro de como era antes de ti. Pode confiar nos meus ouvidos. Eles são simples, mas sabem guardar bem a nossa perturbação. O mundo não é essa masmorra, tu sabes também. O inferno são os outros, lembra de Sartre? Sim haha, isso mesmo. Lembra quando começamos a escrever? Só conseguíamos escrever direito no intervalo do nascer ou do por do sol... A gente passava o dia com um olho naquele caderno de capa preta. Quase que atormentados, lembra? Aí quando dava o final da tarde, a gente corria para a varanda e deitava de costas no chão, olhando para o céu. E deixava as mãos dançarem sobre o papel. A gente descobria um monte de coisa escrevendo. Escrevíamos até de noite. E depois passávamos dias lendo e relendo e lendo de novo o que havíamos escrito... Algumas vezes, eu vinha te avisar que o por do sol estava pra começar e você logo aparecia com o caderno e as canetas. E ali a gente escrevia, até que algum adulto nos chamasse pra fazer algo chato.
"- Já vou mããããeeee!" - haha lembra?
Esse tempo passou. Todo tempo passa. Na verdade, como tu mesmo escreveu: o tempo foi feito para passar. Se parar de passar, não vai mais dar tempo de nada. Sim, eu me lembro. Eu ainda leio teus textos antigos. É, eu não me esqueci não. Já fazem o que? 9, 10 anos? Tu tem quase 40? Sim, muita coisa aconteceu. Mas tu continuas voltando aqui. E o por do sol como está? Amarelo antigamente? Céu roxo, vermelho, azul e verde? Quantos segundos dura? Sim, haha, menos do que deveria... Sempre foi assim. Ainda assim, num instante de saudade a gente se encontra para conversar. É preciso coragem para se escutar. A maior parte do mundo não escuta a ninguém, muito menos a si mesmo. Eu entendo. As vezes a tua palavra sai torta. Quase todo mundo já sofreu com isso. São os erros ortográficos da vida, isso acontece. Tipo um desenho com um traço errado. Ou um acorde meio tom abaixo do que deveria. A vida tem dessas também. Tu vais rir se eu te disser que o show não pode parar? Vais né haha... Sim, mas é isso. A peça ao vivo não permite ensaios. Tá bom, parei haha. Não precisa ir embora não. Fica mais um pouco. Lembra daquela fase "é fácil ser feliz?". Como imaginávamos cenários de cinema, com paisagens fantásticas. Cheias de cachoeiras, bosques e montanhas? E depois ficávamos procurando fotos daqueles lugares no planeta? Lembra quando nós achávamos paisagens parecidas com as que a gente imaginou? Era bem maluco aquilo...
Melhorou? Tá tudo bem. Já te disse, tu é mais sereno do que pareces ser. É só te escutar, que vais ver também. A chuva e o furacão não são o céu. Nem o azul ou o negro da noite cheio de estrelas. O céu é aquilo que fica em cima da tua cabeça quando teus pés estão no chão... E nada é permanente. Tudo precisa passar.
Até essa conversa.
Vai lá. Te vejo depois.
Manda um abraço pro pessoal. E obrigado por aparecer.
Te cuida.

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