quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Ele não entendeu a piada.

Ouça: https://www.youtube.com/watch?v=ZqJhd9M7Zdk

Ele caminha o caminho, sozinho. Porque o caminho não se caminha de outra forma. Caminhar é algo solitário. Solitário mesmo quando feito em conjunto. Não, ele não acredita em cooperativismo. Ele acredita em "acreditismo". Acha que a maior parte da sua geração acredita demais em algo. Nem que seja o acreditar na ausência de algo. A crença humana se tornou uma doença.
"- Somos todos escravos de algo". - diz ele com frequência.
Ele escuta a voz dos outros e as palavras que suas bocas fazem durante o movimento de contração e relaxamento das mandíbulas. Ele percebe suas línguas dançando coreografias umidas de saliva dentro dos salões rosas das bochechas, enquanto procura pelo significado além das palavras.
"- É burro quem escuta só com as orelhas". - ele me disse um dia.
A vida que vivemos é um sonho. Quase tudo se resume a dinheiro, poder, amor, prazer, luxo, gordura, doenças e finalmente a morte. E a única parte que eu consigo entender é a que todo mundo odeia: a morte. La muerte. Morrer.
"- Não fale sobre a morte". - ele imita uma velha rabugenta enquanto diz.
"- Credo não tenx assunto meió não??" - ele imita uma pessoa ignorante esquartejando o tópico antes de ele nascer.
Todos nós somos abortados nesse universo. A sociedade é um erro. O sonho americano, um pesadelo. E a vida acaba sendo uma grande e grávida mentira que nunca pare seu feto.
"- Morremos na praia, entende? Nadamos, nadamos e morremos na praia...". - ele exemplificou para um terceiro amigo nosso que o observava com os olhos mais soturnos que já vi. Assustado com as verdades. Irritado com a visão que rompeu seu ciclo Disney fastfood e-comerce da vida two thousand and fourteen do ultimo pagamento salarial que recebeu antes dos descontos mensais.
Ele me dava medo. Essa é a verdade. Parei de procura-lo porque era mais fácil ver a vida de plástico que se vendia nas esquinas do centro da cidade. Era mais simples comer o lanche cheio de gordura, frito em mais gordura e besuntado de gordura para descer mais fácil.
Pensei que um dia, depois de ficarmos velhos e cansados da vida,  quando nos aposentássemos em nossos apartamentos de frente para o mar. Com nossos livros antigos e nossos habitos antigos... Eu talvez encontrasse ele sentado em um banco, lendo algo, fumando algo, olhando algo...
Eu lhe diria:
"- Tu não entendeu! A vida é uma piada!"
E ele, depois de retirar seus óculos lentamente e de inspirar e expirar o ar suavemente me diria:
"- Puta que o pariu..." - sorrindo.

Agora ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=ghb6eDopW8I&list=RDrVeMiVU77wo&index=6



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