terça-feira, 1 de abril de 2014

João ninguém.

Toda noite ele vagava pela rua. Dormia um pouco, onde podia. Onde cabia. Onde conseguia, talvez... Deitava na pedra da calçada que era aquecida pelo sol e procurava um pouco desse calor. Não sabia, mas também procurava um pouco de amor. Nunca achou nenhum dos dois. Se contentava com uma marmita do lixo. Comida fria. Ainda assim era comida. Acordava sempre que um carro desses da madrugada passava. Jovens, na sua maioria. Ele observava. Grupos de jovens apaixonados pela vida. Cantando músicas em outras linguas. Dançando e rindo. Tão felizes. Tão cheios de futuro. Tão encantados pelo mundo. Algumas vezes, homens ou mulheres, avulsos transeuntes da vida passavam. Pensava:
"- Deviamos conversar, eles também parecem tão sozinhos..."
Nunca falavam. Nunca tentava. Mas nunca falaram.
A muito tempo abandonado, ele aceitou seu próprio destino: Viver me será algo muito solitário. Lembrava sempre.

Já teve casa. Comida quente. Carinho constante. Sorrisos cheios de dentes.
Mas não agora.

Agora se alegrava com comida limpa para calar o estomago. Papelão novo para espantar o frio do corpo. Com noites tranquilas para seu pouco sono. Agora era diferente. Passava a maior parte do tempo deitado. Com seu par de olhos arregalados. Arfando no calor do verão, de uma terra sem vento. Ou com o maxilar trincado no ar seco de um inverno safado. De um ar condicionado que vivia ligado.
Durante o dia, quase ninguém o via. Mas não se escondia. Não corria dos carros. Nem dos policiais armados. Não. Ele se sentava próximo a rios, bares e estacionamentos lotados. Sempre olhando quem passava por ele, lado a lado. Nunca o olhavam. Pensava:
"- Será que o problema é meu?"
Mas sempre ficava calado.
Mesmo quando a saudade lhe atacava as entranhas e subia pelo torax até lhe encher o coração de um sentimento frio e devastador. Ele continuava calado. No máximo lhes olhava por mais tempo. Aos seus vizinhos temporários. Como se clamasse por um sinal de carinho da humanidade. Como se implorasse por algum tipo de verdade bonita. E não só aquela verdade. Não só a dureza ridicula dos seus dias de tristeza sem fim. Não só a frieza humana que despedaça qualquer coração de vidro vivente. Que estilhaça qualquer alma transparente e sem peso como o ar ao vento. Não. Sempre lhe era dado um pouco mais de nada. Pensava em partir, em fugir, em desaparecer, em deixar a vida ou em se mudar de mundo. Mas nunca teve coragem pra isso. E nem saberia por onde começar.
Assim levava seus dias. Dia após dia. Silênciando os gritos do mundo. Sempre humilhado, mas nunca com raiva dessa sina. Ele a aceitava e até a achava bonita.
Envelheceu assim.
E foi assim também que ficou doente.

Já sem forças pra recomeçar, pensou:
"- Sinto o fim vindo..."
Mas ele não veio.
Lhe demorou mais alguns anos.

De solidão e desespero.
De aceitação forçada e de noites com medo.
Morreu cedo. Tinha 11 anos.
Foi enterrado em vala comum.
Sem lápide. Sem nomes.

O homem que o levantou na pá xingou:
"- Puta que o pariu de cachorro."

Foi mais do que isso.
Só que ninguém nunca soube.

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