terça-feira, 20 de agosto de 2013

Vi

Voava dormindo. Ou acordava ao dormir. Não tem como saber o que era real ou fantasia. Os outros diziam: isso é impossível. Era impossível, mas acontecia. Aconteceu em uma noite de lua morna. Eu voava e o vento voava junto comigo. Existia ar entre meu corpo e o chão da terra. Mas esse ar me empurrava enquanto o vento soprava. Foi assim que vimos o outro lado do distante reino das coisas distantes. E voei para lá. Flutuando entre as lufadas do tempo. Como uma orquestra de sinos desconcertados. Sem ritmo certo. Sem nunca estar errado. Lá do alto, eu ouvi o mar. Vi pássaros passarem por baixo de mim. Piando e cantando como pássaros se põe a cantar. De olhos cerrados contra as nuvens eu entrei. Soltando seus nós como se fossem algodões doces suspensos no ar. Girando em meu próprio eixo eu me perdi. E por aquele instante pude imaginar que o céu é o espaço e a terra um sonho. Um sonho de mais de uma pessoa. Que por sonharem tão longe e com tanta força. Criam um lugar onde todas nossas almas são presas. Como uma conserva da existência. Como uma compota de frutas em calda. Uma baleia me viu passar. Jorrou água para cima. Isso era o mar. E uma praia com pessoas felizes a sorrir. Depois uma rua com casas em quadras e mais casas depois delas. Morros com mata. E mais mata, até ter mais casas e mais prédios e mais ruas. Me senti enjoado. E desejei flutuar para o espaço para fugir. Usei meus braços para subir. E comecei a subir. Em direção ao negro do espaço. Ao destino de todo pó. Ao eterno infinito desconhecido. O vento pareceu se arrepender e não veio comigo. Flutuei até onde conseguia, até a noite vazia. Até as estrelas que brilham de dia. E me larguei por lá.

É, eu me larguei por lá. Girando sem céu, sem terra e sem mar. E foi então que percebi. Que no espaço não é lugar para se respirar. Me imaginei falando com Neruda em um café antigo. Depois no famoso gramado da vida, cheio de amigos. Depois nas luzes de um rincão distante do planeta. Perto do carinho. Perto do amor. Junto e sozinho. Comigo sem mim. Até que adormeci.


E foi assim, que detestei existir. E me perdi dentro da caverna que vive em mim. Em ti. Em nós.

Bem ali.

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