quarta-feira, 9 de maio de 2012

Viver é deixar vir e ver.

Era assim que era. Não de outro jeito. Não era reto e liso. Bonito e fácil de entender. Era complicado. Mas bom ao mesmo tempo. Como tanto é na vida. Letras dos Beatles pouco vão me resolver. Existe quem jamais se esquece do esquecer. E existe quem nunca se lembra do jamais ver. 
Cegos em muralhas altas gritavam para que eu tomasse cuidado. Muito era dito. Pouco era falado. O dragão veio e matou a todos que viviam aqui. Fugimos eu e minha sobrinha. E logo ela me viu morrer. Sozinha no mundo, caminhou por todo tipo de rincão distante e isolado. Apavorada e faminta, a pequena aprendeu a arte desde cedo. Estava em seu sangue. E ela não o negou. Magia e feitiços. Muralhas ela derrubou. Vingou a morte dos seus. Derramou mais sangue do que deveria. E não se arrependeu por isso.
Apareci em um sonho dela e lhe disse:
"- Querida, erga uma estátua em nome da tua família e uma em nome dos que morreram por nós. E então saberás o que escrever na base de cada uma delas."
"- Sim meu tio" - ela respondeu.
E o fez.
Ergueu em nome da família um dragão dourado com escamas de ouro e fogo vermelho saindo em labaredas pelas presas.
Ergueu um soldado encolhido em nome dos que morreram para vingar nosso sangue injustamente sacrificado.
E percebeu que deveria escrever, e escreveu.


Minha sobrinha morreu 104 invernos depois. Sem filhos ou herdeiros. A última do nosso sangue.


Até hoje os que passam pela cidade em que vivíamos encontram as estátuas com os dizeres:


"Aqui jazem milhares de mortos sem lágrimas."


E:


"Aqui jazem milhares de lágrimas aos mortos."


Qual frase estava em qual estátua ?


Tanto faz ;)





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