quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

The riot squad e eu !

Eles não chegaram de supetão. Não invadiram a cidade como romanos enfurecidos pelas palavras de um César qualquer. Carregando seus estandartes e estupros pelas ruas centrais... Não, não foi assim.
A verdade é que eles formavam uma massa de insatisfeitos a muito tempo. Descontentes com suas realidades, mas não por falta de educação, saúde e segurança como todo o resto do país. Eles sofriam com a falta desses serviços, como todos os outros. Mas não foi isso que os motivou. Estavam cansados de ranger seus dentes em silêncio. De afiar suas facas  e depois  guarda-las. Estavam cansados de se sentirem tão iguais a todo mundo. Comendo, trabalhando e dormindo como todo mundo. E por mais que os que eram ricos, viajassem e comprassem novos apartamentos gigantescos de frente para vistas maravilhosas, no fim... Era tão vazio quanto se nem tivessem existido. Como se o silêncio de suas almas calasse todo grito de felicidade que qualquer bem material pudesse comprar. Ou, por mais que os pobres queimassem pedras com suas piteiras de lata nos guetos sujos e becos escuros... Eles sempre acordavam com o gosto amargo da culpa. E da vontade de algo além do sono entorpecido e dos pesadelos negros.  E sozinhos, deitados nas valas e vielas ou nas grandes camas brancas e quentes, eles ficavam. Olhando para cima ou para baixo. Sentindo o sol ou o cheiro do lixo. Ouvindo Bach ou o trânsito. Eles partilhavam da vontade. 
E quando essa vontade foi cuspida pelas suas bocas, o grito se formou. Uníssono, amargo e causando nojo até aos mais controlados. Como um punhado de merda atirado ao rosto de uma modelo que de boca aberta, vomitava o próprio almoço recém ingerido. Essa mistura, do vomito de Barcelona com as fezes das vielas se misturando dentro da cavidade bocal da menina. E a causando mais vomito e mais raiva. E as lágrimas que lhe escorriam a face. E a vontade de ver a própria mãe e fugir do mundo. Somado a expresão e a sensação que a menina teve... Isso nos dá 1/10 da idéia do que representou o grito. Quase um urro !
No começo foram alguns apedrejamentos de veículos nas ruas. Houveram um ou outro tumultos, nada fora do normal. Depois vieram os pequenos grupos com cartazes e porretes, espancando desconhecidos, crianças e idosos nas praças. Sem avisos ou chance de fuga. Pontapés nas costelas e murros nas caras ! Surgiram os primeiros cortes de laminas. Pele rasgada como pano ! Nervos brancos fatiados como barbantes e os gritos... Como eram assustadores. Pouca coisa é tão assustadora quanto um ser humano gritando pela própria vida. Dizem que as mães largam até seus filhos dos braços nos últimos momentos de vida. Quando percebem aquela sensação gelada na parte de trás da barriga. Não as julgo... As pessoas começaram a se trancar dentro das casas e apartamentos. Os homens carregavam as armas e as mulheres levavam facas nas bolsas ! Tudo acontecia muito rápido, muito mais rápido do que a polícia podia evitar. Muitos policiais voltaram para suas casas, abandonando seus postos. Vários eram requisitados pelas suas próprias famílias. Mulheres que tiveram as filhas assassinadas, garotos que viram as mães correrem com facas presas entre as costelas, ainda sangrando... 
Ninguém tinha certeza de quem se revoltaria em seguida. Os pobres primeiro ? Os que não tem quase nada a perder ? Certamente... Mas foram seguidos pelos que tinham algo a perder ! Que incendiavam seus próprios carros nos semáforos. Que os batiam de propósito contra os pontos de onibus cheios nos horários de pico. Alguns começaram a se suicidar, corpos se atirando dos prédios. Hospitais lotados. Presídios e delegacias de portas trancadas. Ninguém mais atendia telefonemas ou campainhas. Todos tinham medo e nada mais.
Quando se passavam dias sem incidentes, alguém arriscava abrir uma janela durante a tarde. Sentar-se numa varanda para fumar um cigarro. Ou até mesmo ir até o jardim sentir a grama sob as palmas dos pés. Ledo engano ! Eles surgiam como formigas sobre um doce, avassaladores na própria raiva. Logo ninguém mais arriscaria ! As pessoas foram desistindo de existir. Todo ser humano da cidade estava preso dentro de seu próprio domínio. As televisões e rádios foram invadidas e absolutamente destruídas. A luz havia sido cortada. Não havia água. Não havia vento. O alimento era escasso. Os dias duros, as noites curtas e aterrorizadoras.
Sem mais.
Era assim que era agora...

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