quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Tão vivo quanto se pode estar...

Se sentia frustado por não conhecer os mistérios que existem entre o céu e a terra. Paulo levava a vida como um Jonas dentro da barriga da baleia. Acostumado a ouvir as mentiras que lhe contavam, tão acostumado que nem se importava mais... 
Caminhava durante o dia. Dormia durante a noite. Dizia "olá, tudo bem ?" com um sorriso duro estampado nos olhos e lábios. Nem mesmo tinha certeza do que gostava ou odiava.
A única coisa que fazia Paulo ainda sentir seu coração pulsar e o sangue ser exprimido dentro de suas veias e artérias eram as lágrimas alheias. O choro dos outros representava um pouco mais de existência para ele. Esse pensamento na realidade o perturbava profundamente, como um pecado mortal aos que vivem com medo do inferno. Paulo, dividido pelo prazer de sair do fosso de incompetência e a culpa de desejar as lágrimas para os outros olhos, se calava perante tudo que surgisse a frente da sua cabeça...
O mundo é uma vitrine e Paulo um pária sem coragem de entrar na loja. Tudo que podia realmente fazer era assistir. Ouvir os comentários que lhe cuspiam nas ruas e catar as moedas que caiam dos bolsos daqueles que pagam para fingir que ele não existe. Daqueles que botam os olhos para correr quando fitam a peste. E assim olham para o céu, para o trânsito, falam da rotina da vida e atravessam as faixas de segurança como se aquele corpo estirado no asfalto não fosse real. Como se ele não sangrasse.
Paulo morreu em um belo dia ensolarado de verão. Avesso a toda energia jovem que existe na estação, fazia mais de duas décadas que ele não pisava na praia.  Na verdade não gostava de se sentir entre as pessoas bonitas. Preferia sua casa, mais precisamente sua varanda. De onde podia ver o mundo (como quem vê uma vitrine) escolhendo suas opiniões como em uma loja de chocolates. Lia muito ali. Gostava dos chatos pronfundos e verdadeiros autores clássicos. As vezes fumava o velho cachimbo do seu avo, morto por uma turba infurecida na década de 40. Por molestar a própria sobrinha.
Paulo foi encontrado pela proprietária do pequeno apartamento que alugava em um bairro pobre da cidade.
Nunca ficou rico.
Nunca teve uma linda família.
Jamais amou alguém, de fato.

A mulher entrou no apartamento com a chave mestra do prédio para cobrar o aluguel de dois meses atrasado.
Gritou ao encontrar o corpo frio daquele homem negro sentado em sua cadeira, com a boca e olhos abertos. Um livro caido no chão e um copo quebrado ao lado. Chamou uma ambulância e o médico disse que ele devia estar morto a pelo menos 2 dias, senão mais... Perguntaram se ele tinha parentes e a dona do apartamento não soube responder.
Seu corpo foi reclamado no necrotério quase no limite da data que foi estipulada para enterra-lo como indigente. O homem que o identificou disse ser um amigo de anos passados.
Paulo foi enterrado em um caixão de madeira barato. O padre não o conheceu, nem queria... Leu um trecho da Bíblia, fez a benção e se retirou. Quatro pessoas estavam presentes. Uma delas não tinha certeza se estava enterrando a pessoa certa.

A lápide de Paulo é tudo que sobrou da sua vida. 
Ela diz: "Paulo Covarde 1968 - 2011"


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