quinta-feira, 5 de junho de 2014

2014.

Do lado de fora dos estádios, não tem festa. Nenhuma fantasia com coreografia, música alta bonita, fumaça colorida e cornetas divertidas. Do lado de fora do estádio, nós ouviamos tudo isso de longe.  E ficamos imaginando. Com os pés no chão de barro molhado. 
Nossas roupas não são oficiais da Nike, ou listradas Adidas. Achamos esses calções por aqui mesmo. Jogados fora por alguém que poderia comprar outros pelo computador. Por alguém que viajou para Miami a pouco tempo e encontrou uma daquelas promoções 3 peças por 19.99 dolares na gondola de coleções antigas que os norte americanos ignoram. E os latinos emergentes que compram suas passagens aéreas em 60x no cartão de crédito, adoram. Nossas camisetas são de propagandas ultrapassadas. Antigas com logos rasgadas na frente. Golas alargadas nos pescoços. Furo nas costuras. Manchas de sujeira. Merda, lama e poeira.
Os cabelos dos jogadores, são disputados a tesouradas metafóricas por cabeleireiros internacionais. Cortes e tinturas que custam carros zero. Penachos. Tranças. Cores das suas bandeiras. Terra mãe. Como verdadeiros guerreiros tribais prontos para os combates. Os comerciais da televisão nos mostravam isso. Eles eram o mais próximo que nós conhecemos de hérois. Se armando para a guerra. Com direito a close do Rambo apertando o cadarço do cuturno que aqui era uma chuteira dourada como ouro. Com seus dentes brancos colgate. Suas namoradas barbies. Seus maseratis de ultima geração. Bancos de couro. Motores potentes. Cores metalicas. Como armaduras para garanhões medievais.
Nossos cabelos são ruins. Enrolados. Palhaça de aço, da puta que me pariu.
Nós andamos de bicicleta roubada, por não ter dinheiro pro metro. Rondamos o centro da cidade, e por medo da polícia que nos chama de ladrões, vagabundos e maconheiros, não ficamos muito tempo na mesma sinaleira. Comemos do que tem. No nosso menu tem pão velho, restos de salgadinhos e depois uma bituca de cigarro. Para nossas crianças, a marca de baton vale muito. É como beijar mulher na boca. Elas brincam. Sentem o calor do seus corpos. Acariciam seus seios e sentem seu perfume frances. Nós rimos de suas brincadeiras. Enquanto os carros das avenidas correm apressados. Rumo aos condominios fechados. Das garrafas de vinho importadas. E aos quartos quentes, de camas grandes onde eles dormem.
Nós também dormimos. Nem sempre no mesmo lugar. Mas também dormimos. Dormimos e sonhamos. Imaginos se quem tem dinheiro para grandes estádios. Para ajudar outros paises. Para fazer tudo que fazem. Também não pode nos ajudar.
Enquanto aqui, durante essa ultima madrugada, nosso vizinho morreu de frio. Sem gritar, sem gemer, sem chorar, sem sofrer? Não sei. Mas morreu. Foi encontrado duro na cama. Tava meio roxo, meio azul, foi preto a vida inteira e tinha o olho branco, dentro da boca era vermelho e na palma dos pés quase amarelo. Meu filho me perguntou em casa:
- Tem uma bandeira com essas cores pai?
Respondi:
- Não sei.

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