sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sem título.

Minha língua está acorrentada. Os grilhões de ferro saem de baixo dos meus dentes molares, presos a carne da gengiva. Passam por cima de toda ela em seu sentido vertical até o outro lado do maxilar. Se fixando novamente na carne... São várias correntes segurando-a na parte inferior da minha cavidade oral. Dói. Incomoda. Mas não há o que fazer.
As vezes eu acordo durante a noite e ouço minha língua reclamar. Ela se move como é possível, se arrastando a carne dentro da minha boca. Se esfregando aos dentes e movendo a ponta bem suavemente para frente e para trás.
Eu a espero se acalmar. E adormeço ouvindo minha língua chorar sua desgraça.
Ninguém deveria chorar sua desgraça. Mais do que isso, ninguém deveria chorar a desgraça alheia. Se ser infeliz é o que desejas, vá. Não me peça para te acompanhar. Muito menos tente me obrigar. Ninguém deveria ser dragado as correntes das tristezas alheias. Maldita seja a culpa.

Num mundo de fantasia, eu ouvi um cavaleiro dizer que "nada supera a honra". Eu deixei a minha para trás a algum tempo. Pesava muito carrega-la. Nesse planeta abandonado pelos Deuses, ninguém se importa com o que você é. Todos querem o que você tem. Tem sido assim nos últimos oitenta anos e assim continuará.
Pra que esperar ?

Nem o sorriso de domingo cantado pelo Beirut me alegrou. Isso é um mal sinal. Esses caras realmente sabem como me fazer sorrir.
Um primo do Fernão Capelo, me contou sobre uma terra onde a tristeza não pode pisar. Um lugar onde todos são sinceramente felizes ao redor de fogueiras acesas nos campos. Bebendo vinho e dançando a cada entardecer que acontece. Ninguém inveja o que perdeu. Nada o faz derramar lágrimas. Seu coração é blindado as maldades dos corações alheios.
Sórdido é o mundo dos sonhos. Ele se diverte com meus sentimentos. Como quem dança sobre a água cristalina. Repetindo noite após noite a minha dor.

Como eu não tenho como terminar isso, vou usar um final do Fernando Pessoa:

"Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio"

Seja suave a memória lembrando-nos assim, da beira-rio. :)





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