terça-feira, 18 de setembro de 2018

Para onde vamos?

A democracia brasileira tomou uma facada no abdomen. Foi uma única perfuração, mas a faca rasgou fundo as suas entranhas. A democracia que estava sendo carregada, não porque fazia campanha política, mas porque já não conseguia caminhar sozinha a décadas. Gemeu de dor enquanto o aço frio rasgava seus tecidos e penetrava agudo na sua barriga. Muitos demoraram para entender o que estava acontecendo. Perseguiram e agarraram o esfaqueador. A democracia foi carregada até o hospital mais próximo. Os homens e mulheres que a carregaram gritavam palavras de ordem pelo caminho. Pedindo espaço, pedindo pressa, pedindo justiça, prometendo vingança. A democracia foi fotografada com um braço largado para baixo, sofrendo com a expressão de agonia que só quem é esfaqueado consegue fazer. A foto correu o mundo em minutos. Time, People, BBC, CNN, NY Times, The Guardian... Todos a publicaram.
"Democracia esfaqueada!" - diziam as manchetes.
"Hoje a Democracia brasileira foi esfaqueada na barriga" - diziam os telejornais.
A democracia, coitada, que a tempos já sofria de uma série de doenças crônicas. Foi enviada para um hospital público. A cena era digna de um filme apocalíptico. Uma fila de pessoas sangrando, chorando e morrendo. Da porta do hospital até o final do mundo. A turba que carregava a Democracia correu para dentro do pronto socorro, todos sujos com o sangue que vertia do furo.
"- Não temos médicos!" - logo disse o atendente.

"- Mas essa é a Democracia!!!" - bradou um dos que a carregavam.
"- Eu sei! Mas não temos como ajudar, o hospital está falido! Não tem remédios, médicos, nada...!"
E a revolta foi geral. Alguns ameaçaram bater no atendente. Exigiram atendimento. Chutaram paredes, móveis e quebraram as janelas. A Democracia foi deixada de lado, deitada no chão sujo e frio. Um par de pessoas se ajoelharam junto a ela. Uma mulher chorava. Um homem gritava. Um cachorro latia. Alguns carros buzinavam na rua. Muitos tiravam fotos com seus celulares. Gravavam vídeos...
"- Estamos aqui na cidade de Brasilzópolis e a Democracia não pode ser atendida no hospital porque não tem médicos! Isso é um absurdo... Até quando?"

A Democracia desmaiou, depois de sangrar uma poça gigantesca no chão. Uma mulher disse que a poça tinha o formato do rosto de Jesus. Um homem disse que era o brasão do seu time de futebol. Um cachorro magro e doente começou a lamber o sangue ainda quente. Um homem o afastou com um chute seco, seguido de um ganido desesperado.
A TV estava ali para filmar o momento. Um helicóptero sobrevoava a cidade, transmitindo ao vivo tudo para um telejornal de audiência relevante. Um padre, um pai de santo e um monge budista tentaram se aproximar para ajudar. Outra confusão começou. Alguns eram contra outros. Ninguém se ouvia. Muitos gritavam que a Democracia não iria resistir muito mais tempo. Que estava morrendo. Carros foram apedrejados, vitrines saqueadas, telefones públicos depredados. A cidade fervia em raiva e indignação.
Por fim, a Democracia morreu. Cercada de desespero, dor e descaso. Uma mulher jura que as suas últimas palavras foram:
"- Salvem o país!"
Outros dizem que ela não disse nada, só parou de respirar com os olhos abertos, enquanto o sangue lhe escorria sem parar...
A TV deu o horário e o local do enterro. E em seguida rodou um comercial.
Depois de alguns dias a turba se acalmou. E todos pudemos viver as nossas vidas como se nada tivesse acontecido.

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