quarta-feira, 11 de abril de 2018

Vai ver...

Eu sou da geração X. A geração que se digitalizou. A geração que nasceu analógica e foi pega de surpresa pelo tsunami digital. Paredes foram quebradas, distâncias encurtadas. Todos nós fomos arremessados uns contra os outros, outros contra uns e assuntos antes nunca imaginados tomaram forma, cor, gosto e cheiro bem diante dos nossos monitores de tubo VGA com resolução SD.
A gente aprendeu que não precisamos mais ir para a biblioteca dos colégios para pesquisar sobre os assuntos de história. A gente tinha agora um "procurador digital" que reunia o conhecimento ao alcance de alguns cliques.
A gente entendeu que não precisamos mais nos ligar no telefone fixo para conversar, podíamos trocar mensagens via nossos PCs. Falar em grupos de amigos simultaneamente.
A gente descobriu que o mundo afinal nem era tão grande assim, e agora podíamos ver fotos virtuais de qualquer lugar do planeta (que normalmente demoravam vários minutos para serem completamente carregadas... mas ok!).

Fomos a geração que baixou os primeiros .mp3 durante as madrugadas.
Jogamos os primeiros jogos cooperativos nos computadores.

Muito antes de alguém se quer pronunciar a expressão "midia digital" nós vivemos o mIRC e logo depois o ICQ.
Muitas pessoas vão ler essas palavras e lembrar de expressões, programas, sites e procedimentos que eu não vivi ou não me lembrei enquanto escrevia...
E tudo bem! Meu texto não é sobre o saudosismo digital. Não. Meu texto é sobre pensar no que a gente tá se transformando depois da sétima ou oitava onda digital nos atingir.
A impressão que eu tenho, é que no passado as pessoas se desgostavam menos. Não sei ao certo porque. Talvez seja o menor contato. Tipo como a maioria de nós sente que as relações mudam quando deixamos as casas de nossos país. Porque paramos de vê-los diariamente, então quando os vemos é menos intenso. Assim parece funcionar a relação humana hoje em dia... É como se todos estivéssemos dentro da mesma residência. Falando, ouvindo e mostrando fotos e vídeos o tempo inteiro. Aí acontece de alguém fazer um grupo sem aquele primo mala. Ou de comentar sobre como a tia "fulana de tal" tá enchendo o saco do tio "beltrano de tal". E pior, nós de alguma forma ampliamos isso para nossas time lines. E de certa forma, escolhemos bloquear o "X" e parar de seguir o "Y". Porque eles não gostam da cor verde como eu, eles preferem o azul. E aquele pessoal que curte a cor vermelha então? Esses eu denuncio! Eu os odeio, eles dizem!
É como de se de um jeito surreal, ampliar a nossa comunicação acabou nos distanciando mais do que aproximando... Estamos todos a poucos cliques de distância, mas falamos frequentemente com as mesmas pessoas. E julgamos frequentemente as mesmas pessoas. Utilizando o acesso a essa informação toda só para declarar que "na minha opinião" o João é um merda porque ele torce para o time B ao invés de torcer para o time A.

É estranho.
Mas se tu parar para pensar, tudo que a nossa comunicação fez desde a invasão da primeira era digital foi nos segmentar. Você compra com cartão de crédito, você não ganha likes de ninguém, você gosta de um partido político específico, você não gosta de homens de cabelo enrolado, você prefere pizza com abacaxi, você acha as roupas da nossa loja lindas, você quer conhecer aquele autor, você quer saber como é a melhor forma de construir uma bomba.

Acelerando a nossa forma de se comunicar, nós criamos mais e mais muros entre nós mesmos.
Quando eu brincava na rua, antes de conhecer o computador, eventualmente era obrigado a jogar com um vizinho próximo por quem eu não tinha muita simpatia. E muitas vezes, me ver em uma situação física real de aproximação com outro ser humano que eu não gostava muito por qualquer que fosse o motivo, acabava me aproximando desse indivíduo. Abrindo o véu do meu próprio ego para alguém que podia muito bem ser um futuro amigo. Acabava por me mostrar um lado além do que as telas do meu celular e do meu computador hoje em dia podem mostrar.
Olhar no olho de alguém, me revelava mais do que as palavras escritas por essa pessoa. Ouvir a sua risada ou seus xingamentos, ver seu corpo se movimentando, seu esforço para alcançar uma bola e a sua reação quando outro amigo se machucava, me ensinava mais sobre esse alguém do que uma aba do facebook que diz "PERFIL" consegue ensinar.

Não entenda errado, a era digital é definitiva. Com certeza teremos novas mudanças em futuros não muito distantes. E provavelmente nunca mais seremos o que fomos nessa galáxia far, far away... E temos aplicações incríveis para a comunicação hoje em dia.
Meu ponto é que esse "ódio" digital é muito facilmente destilado quando toda relação que as pessoas tem é feita através de pouquíssimas palavras escritas em uma fotografia virtual.
E assim nós seguimos parando de nos curtir, deixando de nos seguir, julgando sem se ouvir e nos conhecendo sem nunca termos nos preocupado em se conhecer de verdade.
Jóia!

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