segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Buscando...

- Você tem conhaque nos olhos !
- Deve ser porque bebi pouco. O maldito devia estar todo na minha barriga... - respondeu em ironia.
Silêncio. Eu me lembro de como era o banheiro da casa dela. Me lembro do piso da varanda no quarto e da vista que tínhamos de lá. Me lembro de adormecer em seu ombro quente, sentindo o cheiro da pele no espaço entre o pescoço e o queixo. Silêncio. Me lembro das fotos que tirávamos na praia. Sempre a achei tão bonita, tão harmoniosamente agradável. O tom da voz, as opiniões, o jeito de sorrir carinhosamente de volta quando trocávamos olhares. Sempre a achei tão certa em tudo que fazia... Eu me lembro de tanta coisa...
- Você tem conhaque nos olhos ! 
- Tu acabou de dizer isso, e de ficar 3 minutos calada me olhando... E repetir que eu tenho conhaque nos olhos. O que foi ? Nunca bebeu pra esquecer ?
- Acho que não, não lembro. Sempre fui muito certa em tudo que fiz. Se bebia era porque sabia que ias cuidar de mim, que me levarias de volta pro nosso quarto. Que me trarias aspirinas e comida quente no outro dia, sem eu nem precisar pedir. Se saia é porque sabia que estarias lá, segurando minha mão com esse teu jeitão de ogro inveterado. Sempre próximo de mim, nem que só no olhar. Buscando não me abandonar no mar de estranhos que viviam ao nosso redor. Se conhecia um amigo teu sempre fazia questão de causar uma boa impressão, sempre para que eles nunca se virassem contra mim. Não sei, mas acho que jamais pensei tanto em alguém quanto pensava em ti quando estávamos juntos... Você me entende ?
- Porra ! Porque tu és assim ? Mesmo comigo sendo um escroto... Estando bebado na tua frente, tu ainda é delicada. Carinhosa. Ainda me fala as coisas mais foda que alguém já me disse. Fico puto ! 
- Não fica bravo... Não foi só culpa tua...
Os dois olhavam para baixo em silêncio. Daquele que ninguém consegue quebrar, que pra romper é preciso forçar a barra. Ele pensou por dois segundos que esse tipo de silêncio era o que existia antes do "big-bang". Foi a palavra de Deus que o rompeu da última vez e agora... nem fazia sentido um humano saco de merda e vermes tentar repetir o feito.
Esboçou dizer algo a ela. A olhou vagarosamente, cerrando bem de leve as duas pálpebras.
Ela percebeu e olhou de volta. Sabia que seria idiota o que ele ia dizer. 
Com a boca torcida, enquanto mordia os próprios lábios ele disse:
- Acho que eu vou indo.
Ela deixou escorrer uma lágrima bem pequena. Pequena o suficiente para que ele não percebesse... Não disse nenhuma palavra, nem ele... Até chegar na porta e sentir que ia pisar no mundo sem a presença dela.
- Olha, eu realmente sinto muito... - disse ele envergonhado. - É tarde demais ?
- Acho que nunca vai ser tarde demais. Mas agora não dá ! Não consigo te olhar com conhaque nos olhos...
- Isso vai passar.
- Eu não vou mais estar aqui.
- Eu vou.
- Adeus querido.
Silêncio.

- Eu sinto muito...

Na volta pra casa ele ficou na dúvida sobre quem disse o último "eu sinto muito". Pareciam ter dito juntos. Parecia ter ouvido só a voz dela dentro da sua cabeça. Seu carro no asfalto corria rápido enquanto o sol se escondia entre as montanhas. Seu choro era bonito e triste. Não soluçava como uma criança arrependida, chorava com amargura e verdade. Permitia somente que a dor lhe escorresse... Ninguém que o observasse teria pena naquele momento.

Ela ficou olhando para baixo. Por mais tempo do que ele levaria dirigindo. Negava com a cabeça, sem nem saber ao que dizia não. Pra que ? Por que ? Lentamente adormeceu.

Lentamente adormeceram para acordar.

Sonha-se com o eterno. Vive-se o findável.

;)

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