terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Eu prefiro abstrair.

É por bem que eu não curto discutir. Tudo bem que ninguém diz que curte discutir. Mas eu penso que tudo se enrola muito quando as ondas da discussão se chocam no meu mar. E tu fica confuso, vendo aquele monte de espuma em cima da água. Indo para lá e vindo para cá. Sem parar de borbulhar. E girar. E subir e descer.
A confusão é parte da vida, eu sei. E nem vou negar, dizendo que prefiro a permanência total do silêncio. Não prefiro. A vida sem caos é tediosa. Ao mesmo tempo que seu destempero a compromete. Como um doce muito doce, ou nada doce. Ou um salgado muito salgado, ou nada salgado. É preciso saber tempera-la. Espera-la marinar. E saber o tempo certo de entrada e saída do forno. A vida queima. E vida queimada é normalmente amarga. Produz caretas de asco em quem a consome.
Acho que como qualquer um de nós, eu também já comi porções de vida queimada. Vida queimada não se vomita pela boca. Vida queimada se vomita pelas lágrimas dos olhos. Vida queimada escorre salgada, mesmo quando doce. Evapora silenciosa, invisível ao mundo enxergador. E some no universo depois disso. Como poeira cósmica.
E é ali, quando isso tudo passa. Naquele momento em que o gosto já diminuiu bastante, mas ainda não se acabou. Que eu prefiro fingir que comi doces morangos da estação. Bem quando a boca geme silenciosa porque as lágrimas salgadas a enchem de náusea. Que aprendi a seguir em frente.
Muita gente volta para o prato e lambe as migalhas da vida queimada. Como um prazer sórdido de um doente que não consegue mais decidir o que pode ou não fazer.
Eu deixo o prato para trás. E admito que já fiz isso no meio da refeição. Nem sempre com razão. Nem sempre bem. Nem sempre feliz. E também não fiz por mal não. Fiz porque a espuma do choque entre as ondas do nosso mar me confunde mais do que me resolve.
E talvez eu tenha me acostumado a transição. A mudança. A troca das estações. E menos ao calor do sol. Ao vento do inverno. Ao por do sol do outono.
Ou talvez a minha alma flutue em ciclos maiores do que essa vida. Se abstraindo da vida sempre que o amargo se torna regra. Sempre que o caminho, me quebra a perna.

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