quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

PARTE II - O Rei e o Príncipe.

 

(REPOST DA PARTE I - continuação abaixo): O Rei e o Reino.

 Há um homem cansado, sentado na salão. Seu cansaço repousa sobre o trono real. E logo acima da sua cabeça velha, de fios brancos, lutas e dias tantos, existe uma coroa. Antes dourada, hoje manchada, mas ainda cravejada de pedras, rubis e diamantes. Suas mãos enrrugadas, magras e fracas, já foram grandes mãos de um guerreiro. Admirado, temido, faminto por vitórias e nunca vencido. O salão estaria vazio se não fosse por ele. Sua respiração produz núvens brancas de vapor invernal. Sobre seus ombros, um manto veradeiramente real. Vermelho cor sangue. Com taxas de metal e brancas bordas esvoaçantes, sem igual. Lá está ele, sentado ao trono sobre o último degrau. Como quem dissesse ao próprio reino:
"- Vejam todos, estou no ponto mais alto do Reino. Acima de qualquer montanha ou de qualquer desejo. Aqui, vos digo amigos e inimigos: temei-me. Pois ao som da minha voz, frias lâminas afiadas deslizarão pelos seus pescoços. E como o sol rompendo o turvo véu da madrugada, o sangue brotaria pelo horizonte vermelho, sem desculpas ou demoras! Brutal, como a força da natureza. E rápido como a cauda da raposa que desaparece no bosque distante dos olhos do caçador. Temei-me. Pois sou implacável!".
Mas nada diz ele. Nenhuma palavra é parida por aquela boca soterrada na funda barba de décadas e mais décadas de vida. Não caro leitor. Aquele homem cansado, imponentemente sentado, no ponto mais alto do castelo coroado, poderoso como um Deus alado, está calado. E seus olhos avermelhados, estão petrificados sobre o nada que sua mente busca desvendar. O vazio desesperador e pálido, de um mundo complicado. Intrigado. Como quem faz um cálculo estelar colossal sem mover um músculo. Ensaiando o movimento de peça por peça do tabuleiro de xadrez com a mente. Imaginando os reflexos, os movimentos perplexos, a missão, o objetivo e o nexo! Tudo ao mesmo tempo. De cenho franzido. Respirando ofegante pela boca seca. Até que na porta se ouve uma batida. Um único som.
TUUMMMM - ele faz.
E ecoa o carvalho pelo salão, como um tambor de guerra. 
Não reage nosso Rei. Nem a púpila se move. Permanece. E então vagarosamente apoia as costas no trono. E deixa a cabeça cair levemente para trás. Não move os braços, ou as pernas. Ele pende como um sino da igreja. E finalmente, sem desespero ou aviso pronuncia as palavras:
"- Entre." - e quem ouve sabe que é uma ordem.
A porta se abre de imediato.
O som das dobradiças rangendo rasgam o ar.
E o silêncio do salão é substituido por um momento.
Estranho. 
Pelo justo vão da porta, passa um pequeno corpo. Magro. E desliza pelo salão como uma cobra rasteja à relva. Até se ajoelhar diante do trono, com o capuz cor verde musgo escuro. E ficar em silêncio.
O Rei espera.
A criatura mal se move.
E então se ouve:
"- Acabou?"
"- Sim majestade! Acabou! A coroa tem a vitória. O Senhor, venceu..."
"- Não Kallabeth, com a sua idade você já deveria saber...

...não existem vencedores na guerra. Existem sobreviventes. As vezes, nem isso meu filho..."

PARTE II: O Rei e o Príncipe.

O silêncio se ergue após da boca do Rei se fechar.
O príncipe Kallabeth o encara com olhos jovens. Suado. Cansado da batalha. Com medo e um turbilhão de raiva e paixão entrelaçados como uma longa e espessa trança no cabelo de uma moça na flor da idade. Fio perfilado a fio, quase como uma cobra venenosa. Sua mente transa quase uma dezena de pensamentos ao mesmo tempo, confuso como os jovens podem ser depois de derramar sangue, de sentir pele e ossos se abrindo ao golpe de sua espada. 
"Tanto horror... mas vencemos!" - pensa Kallabeth enquanto deixava a mente vaguear por um universo de lembranças recentes e anseios. Até que algo o draga de volta com a força de uma cachoeira que impõe ao rio qual caminho seguir.
Os olhos do Rei o encaram com frieza. Ele conhece aquele olhar, não é o olhar do seu pai. Os dois pares de olhos se sustentam por um breve momento.
"Preciso saber se ele está pronto! Por favor garoto, esteja pronto..." - o Rei pensa enquanto diz:
- Nosso generais já estão aqui?
- Sir Ulv´Mir padeceu em combate senhor. - responde o príncipe - os outros dois devem estar chegando, se já não estiverem no castelo... ordenei que o corpo fosse trazido, limpo e vestido com sua armadura. Junto com as tropas.
"Excelente garoto!" -  pensa o Rei. Ele olha para uma pequena mesa lateral ao trono. Uma pequenina xícara, delicadamente ornamentada repousa. Sua mão a alcança com gentileza e ele beberica um gole sem retirar os olhos do Príncipe. 
- Vamos convocar a família de Sir Ulv´Mir, a viuva e os dois filhos. Eu darei a notícia a eles, a viuva receberá o soldo permanente do General. Em respeito aos serviços prestados por seu magnifico esposo. E um dos filhos poderá seguir a patente do pai quando a hora chegar...
"O mais novo é promissor, o mais velho é arrogante e indisciplinado. Mas ele não se importa com isso agora..." -  pensa Kallabeth.
Continua o Rei:
-... Sir Ulv´Mir será cremado na pira real. A cidadela será fechada por 2 dias...
-... e somente depois desses 2 dias, as tropas poderão entrar. Fazendo um desfile pela rua principal, limpos, armados, alimentados e completamente bêbados. - completa o príncipe Kallebeth enquanto interrompe o Rei.
"Muito bom filho..." - pensa o Rei enquanto encara seu filho.
- Exatamente. Uma festa para romper o luto. - lhe diz.
- E um herói para justificar a causa... - diz Kallebeth sorrindo enquanto se levanta.
"Até aqui, perfeito. Mas e o que mais você tem ai garoto?" - pensa o Rei.
Continua o príncipe agora de pé:
-... minha majestade receberá nossos dois generais, de armadura polida, descendo de seus cavalos na escada na entrada do Palácio...
- Sim - diz o Rei - com honras, música e pétalas de flores coloridas sendo jogadas ao vento sobre nós. E você? - lhe interpela com uma sombrancelha erguida.
"Vamos lá! Me impressione Kallabeth, coroe nossa vitória diante do Reino! " - pensa o Rei.

O príncipe se empertiga, deixando a coluna reta, movendo suavemente os ombros para trás. E mesmo ainda sujo de sangue seco nas mãos e na face. Levanta levemente seu queixo magro. E esboça um suave sorriso com um dos lados da sua boca. Suave o suficiente para existir, mas nada ousado. E então diz:
 - Após os aplausos, após o Rei beijar a face dos generais, após as tropas entrarem dançando, cantando, beijando as meninas da rua, por último a tudo isso me apresento eu. Armado, vestido com a capa branca, montando um brutalmente gigantesco manga larga da infantaria, limpo e ornamentado. Para descer diante de vossa majestade, saudar a população, subir as escadas e me ajoelhar aos teus pés... 
"Sim..." pensa o Rei "... o nascimento de um herói vivo! O filho que merece a coroa sobre sua cabeça!"
- Você será recebido como um herói! - diz o Rei.
Forma-se um silêncio pétreo entre os dois.
- Mas não serei coroado... - diz a voz do príncipe em um tom consideravelmente mais baixo.
"Fico feliz que seja você a dizer isso, filho..." - pensa o Rei enquanto diz:
- Ainda não... - deixa a voz morrer enquanto o encara.
"Mas esse é um passo importante..." - pensa o príncipe enquanto diz:
- Eu entendo PAI! - e lhe encara com um olhar duro.
O Rei se move no trono enquanto se levanta e diz:
- Venha até aqui - lhe esticando uma das mãos.
Kallabeth prontamente avança sobre os degraus e toma a mão do seu pai que lhe puxa para si. Enquanto enrola seus braços ao redor do tronco do príncipe. Lhe segura com força pela nuca e diz ao seu ouvido:
- Mas ser coroado herói dessa vitória é o passo mais importante que você já deu em direção a esse trono...
- Eu entendo pai! - lhe diz o príncipe.
O Rei se solta do filho dizendo:
- Agora vá, você tem muito o que fazer. E não esqueça de me enviar a viuva de Ulv´Mir ainda hoje.
O príncipe concorda com a cabeça.
E enquanto fecha a porta da sala do trono, pensa:
"- A vida de Ulv´Mir é uma excelente barganha pela coroa..."  - e sorri um sorriso ácido.

Após a saída do príncipe, o corpo do Rei desmorona sobre o trono.
Há silêncio no grande salão escuro. Até que a boca real diz:
- Não me deixe esquecer disso: na próxima estação depois da neve, o príncipe estará pronto para assumir a coroa.
E uma voz vinda da escuridão do salão responde monocordicamente:
- Como desejar Majestade!.
- Aproxime-se amigo, você já ficou tempo demais no seu esconderijo.
E um homem alto, com ombros largos, usando capa e capuz escuros como a noite sai de trás de uma coluna escondida.
- O que me diz? Ele está pronto? - pergunta o Rei.
O homem retira o capuz, enquanto caminha vagarosamente em direção ao trono e responde:
- Ele enviou Sir Ulv´Mir para um flanco de batalha da qual nenhum dos homens saíram vivos. Todos foram esquartejados pelas lâminas adversárias. Cavalos, homens, capitães e até o General... - respira fundo enquanto se senta no degrau mais alto, bem próximo do trono.- "... no começo achei que fosse um erro que custaria toda batalha!
O Rei o encara com um olhar sombrio.
- Depois percebi que a falange do velho Ulv´ era composta por soldados mais velhos e rapazotes ainda verdes. E que pelo tamanho, o inimigo precisaria despender muitos homens e força para segura-los. Se o inimigo não fizesse isso, seria rompido ao meio e perderia. E se fizesse, o centro e o lado oposto iriam devora-los. Kallabeth garantiu a vitória, sobre todas as outras coisas. Caso Sir. Ulv´Mir vencesse, nós venceríamos. Caso Sir. Ulv´Mir falhasse, como falhou, a coroa teria um herói morto, um príncipe herói vivo e a mesma vitória... - e se cala.
O Rei leva sua mão ao próprio queixo e diz:
- Garantir a vitória é a primeira regra.- se cala por um instante até continuar - E ser coroado herói enquanto cumpre a primeira regra, pode ser um bom passo...
O homem sentado ao pé do trono respira fundo novamente e diz:
- Foi o que nós fizemos Kallarth...- e lhe lança um olhar ameno - ... seu filho está fazendo exatamente o que nós dois fizemos a 25 anos atrás... e sorri.
O Rei continua lhe encarando. Menos como Rei e mais como homem enquanto diz:
- Meu pai estava louco, nobre amigo... Ele ordenou que eu trouxesse a cabeça da minha mãe em um baú com moedas de prata... - diz olhando para o vazio a sua frente.
O homem responde:
- E nós fizemos o que precisava ser feito para que um homem louco deixasse a coroa para você, e que sua mãe pudesse morrer de velhice, confortável e segura no palácio de verão...
O Rei permanece encarando o vazio enquanto o homem se levanta e recoloca o capuz. Desce os degraus do trono e suavemente se vira para trás dizendo:
- Não demore muito para dar a coroa à Kallebeth, meu amigo... Ele estará pronto em muito breve!
Sem lhe olhar o Rei acena com a cabeça, concordando...
"Um último teste e saberemos!"- acena enquanto pensa.

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Imagina se o tempo fosse infinito...

Escrevo isso para o meu filho.
Ele se chama Fernando e tem (no momento em que escrevo isso, 3 anos 8 meses e 3 dias de vida). Eu ouço NOVO AMOR (clique aqui) enquanto despejo essas palavras aqui.

O tempo não é infinito meu amor. Mas te ver crescendo é um previlégio que nunca esperei ter na vida. De fato, após te conhecer, nada foi igual. Você mudou a mim, a sua mãe, nossas famílias se reorganizaram com a tua chegada. Houve espaço criado para ti. Espaço que tu criou, chegando e sendo amado por tantas pessoas. A vida é rápida, hoje tenho 42 anos, mas me lembro claramente de quanto tinha 10. Tu tens 3, quase 4... O tempo é inexorável. Suas marcas são inevitáveis. Você meu filho, meu pequeno grande amor, é uma marca do tempo. Assim como eu, tua mãe e todas as pessoas desse planeta foram antes de nós. Nossa vida é preciosa e existe muito BEM, nesse planeta que escolhemos habitar. As vezes, pode ser difícil perceber isso. As vezes, podemos ter nossa visão turvada por sentimentos complexos. Tudo isso é normal. Se acalme, respire fundo. Várias vezes. E busque não agir durante a cólera. Uma das lições mais importantes que teu avô, Fernando Beduschi, me transmitiu é de que aquele que não controla a própria língua, não controlará NADA neste planeta. Tenha calma, o vento que trouxe a tempestade será o mesmo vento que a levará embora. E se não houver abrigo para você da chuva, aproveite para tomar um banho. Sorria. O sol voltará logo. Acredite!

Não há problema sem solução nesse grão de areia que flutua no espaço. O único aspecto humano completamente imutável é a morte. Todo resto pode ser refeito, repensado, reconsiderado em uma nova tentativa.

Eu penso em ti e na tua mãe enquanto escrevo isso. No amor que sinto por vocês dois. Um amor completamente diferente. Mas também preciso te dizer, que minhas falhas como homem, como pai e como marido, me acompanham ao pressionar cada tecla. 

Espero ter tempo para te ver crescer. Para te ver tomar tuas próprias decisões. Para celebrar tuas vitórias e estar ao teu lado diante das tuas falhas. Tudo é passageiro. É importante aprender a não fazer morada nem nas vitórias e nem nas derrotas. Tua morada precisa ser o céu estrelado, as cachoeiras intocadas, o riso dos teus amigos e amigas, os teus amores, teu esforço e teus sonhos. Não viva aonde teu coração não bater forte, se recuse a aceitar o que te comandam e não concordas. Lute por ti. Garanta que quando fores mais velho, tenhas a leveza de quem se esforçou para concretizar aquilo que tua alma pulsa! Não tenha medo filho...

O tempo passará diante do teu medo ou da tua coragem. Nada impedirá a areia das ampulhetas de cair. Aproveite! Tenha coragem diante do teu terror.

Com quase 4 anos, tu és um menino MUITO inteligente. Sensível, tu és carinhoso. Danças e brincas todos os dias. Tu provoca sorrisos por onde passas. Hoje, corres para perto de nós quando algo é muito diferente para a tua percepção. Sempre te protegemos e gostaríamos de sempre poder te proteger, até teus 100 anos de idade. Mas não podemos. 

Tenho muito orgulho de ti. Tu é meu tesouro na terra.
Te amo com uma força que desconhecia dentro da minha alma.
É como se tu fosse a materialização de todo significado que já encontrei para estar aqui.

E eu estou pronto para estar do teu lado, enquanto for possível. Diante das tuas decisões.
Mas saiba meu amor: as tuas decisões, serão tuas. De ninguém mais.

Se o tempo fosse infinito, talvez o amor que eu sinto não fosse tão forte.
Não sei.
Mas só de pensar em te perder, meu olhos se enchem de doloridas lágrimas cristalinas.
Se o tempo fosse infinito, talvez eu tivesse menos urgência em minhas palavras.
Não sei.
Mas de pensar nas tuas batalhas, eu me encho de uma vontade gigantesca de te ajudar a erguer teu escudo.

O tempo não é infinito.
Teu escudo é teu e eu só posso te dizer o que penso sobre como se defender.
Espero que um dia, tu tenhas a sorte que tenho, de sentir o que sinto por você.

Com amor que conheço,
teu pai!

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A META DO ALGORÍTIMO, NÃO É HUMANA...

Você já falou sobre determinado assunto, e depois encontrou esse tópico anunciado nos programas que chamamos de "midia social". Eu sei que sim. E perceba, não estou escrevendo sobre DIGITAR e depois ser abordado. Eu disse: FALOU! É, estranho né!? Até perigoso, porque não?
Eu reparei algo a alguns meses, meu carro sabe para onde estou indo. Não, eu não estou ficando maluco... Dependendo do horário e do dia da semana, meu carro tem a intrigante capacidade de me sugerir rotas para meu destino, sem eu apertar ou digitar nenhuma tecla.
E não, não é um carro do topo da linha. Mas foi comprado zero km em 2022. Então ele vem de uma geração que acha isso normal. E ele é bom em sugerir meus próprios destinos.
"X TEMPO ATÉ SEU TRABALHO"
Eu realmente estava indo trabalhar.
"X TEMPO ATÉ A SUA CASA"
Eu to indo pra casa...
"X TEMPO ATÉ O COLÉGIO DO SEU FILHO"
Eu vou buscar meu filho.
"X TEMPO ATÉ O RESTAURANTE Z"
Chega! Como ele sabe que a gente tá indo pra lá!?

É, já foi o tempo que uma curtida no instagram ou uma pesquisa no Google, eram o limite entre gerar dados para anunciantes ou não ser tocado pela pesada mão do tráfego pago. Mas admito, a questão tem respostas diferentes dependendo de quem pergunta e para quem. A internet já popularizou participações de membros de equipes técnicas do Google, Android e Apple em Podcasts dizendo que SIM, eles tem acesso a informações faladas próximas a dispositivos conectados. E que aparelhos de telefonia celular, smart watches, tablets e afins, são marcadores perfeitos para cruzar geolocalização, hábitos de compra on line E OFF LINE, além de poderem servir para analisar conjuntos vocais verbalizados (leia-se FALAS HUMANAS) e reações de conjuntos oculares (leia-se IRIS E PALPEBRÁS). Gerando montanhas de dados de comportamento, opiniões, hábitos de consumo, hábitos sociais, nossos medos, o que nos emociona e quais opinões temos sobre "o todo" (leia-se planeta terra e seus habitantes reais ou imaginários).

Muitos de nós achavam que a câmera frontal em HD, ou em 4K era um recurso cool! Uma feature que valia a pena ter! Uma inovação natural diante da evolução tecnológica global.
Mas poucos já perceberam que quando nossos olhos estão descendo o feed do TIK TOK ou do INSTAGRAM, a leitura que é feita vai muito além do tempo de permanência x interações (curtidas, envios de DIRECT ou comentários) com o conteúdo. 

Os algoritmos nos conhecem muito melhor que nossas mães ou que nós mesmos. E uma das muitas razões, é que eles não dormem nunca. Eles sabem quando dormimos. Eles não descansam. E sabem quando descansamos. Eles não tem fome, sede, medo ou euforia. Mas sabem quando temos. A que horas comemos. Porque não nos exercitámos. Porque não entramos em determinada RUA ou BAIRRO. E o que nosso ego quer ver quando entramos em seus domínios.

Escrevo isso em um final de tarde, ouvindo esse som: CLIQUE AQUI!
Meu filho dorme no quarto junto a minha esposa enquanto vejo o final de tarde cair por trás do horizonte, do nosso apartamento em Blumenau.
E o que me ocorre é que há tanta poesia no mundo. Mas que provevalmente, a beleza do que vejo e sinto nesse instante é fruto da química humana de perceber a existência. Com esperança e o desejo profundo de que haja vida no futuro.

O ser humano foi capaz das piores atrocidades realizadas nesse grão de poeria que flutua na imensidão especial. Mas também produziu arte, tecnologias, ciências e tanto amor.

Os algoritmos que nos perseguem foram criados por seres humanos.
Mas também, foram auto reprogramados, em muitos níveis.
Diante de nós sempre existiu um futuro. E o futuro sempre poderá ser inovador e brilhante. 

Ou pode ser só um futuro em que a insensatez humana não tem mais espaço.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

A VELHA LOBA

Nas terras ao Norte, não importa em que tipo de solo seus pés pisem, todos moradores conhecem a história da velha Loba. Para alguns, a história é antiga como o tempo. Mas não espere encontra-la em estátuas, ou tomos das bibliotecas e universidades. A velha Loba é uma história contada pelos avós junto a fogueira. E mesmo que para alguns, sejam somente histórias, ela nunca desaparece por completo...

Dizem que antes das cidades terem muros e dos rei usarem coroas, o homem vivia mais perto da natureza. Curávamos nossas feridas com folhas e ervas, cuidávamos das nossas crianças com frutas e flores. E acima de tudo e todos, respeitávamos a natureza. Caçávamos sim, mas nunca filhotes. Colhíamos e plantávamos nos campos. Mas haviam muitos lugares que não ultrapassávamos. O elo entre os homens e a terra era vivo e forte. Sadio e equilibrado. 
De tempos em tempos, saiam das florestas densas para os bosques abertos, homens e mulheres que falavam com os animais. Que se camuflavam como se fossem invisíveis aos olhos desatentos. Que conheciam palavras antigas para curar e fazer a natureza ajudar na colheita, na doença e na vida de todos. Essas pessoas quase sempre viam acompanhadas de muitos animais, e quando partiam anunciavam que esse seria o tempo de uma dessas criaturas. Houveram assim, muitos registros de anos do falcão, da lontra, do pequenino tordo negro, do bisão e dos lobos... Infelizmente, o homem se esquece. E mesmo que de tempos em tempos a natureza reafirmasse o acordo, com o passar das gerações, cada vez menos de nós recebia o povo da floresta de forma apropriada. O tempo dos animais não durava um ano humano. Ele durava o quanto durasse. E só seria alterado quando uma dessas pessoas se apresentasse e por fim, declarasse seu novo nome. Por séculos, recebemos o povo das florestas com música, comida, bebida. Dançando com nossas melhores roupas, com flores nos cabelos das meninas e até os mais velhos dobravam os joelhos em respeito a eles. A sua chegada, era sempre requisitado água limpa. O povo da floresta a tomava e muitas vezes se banhava com ela, sem pudor. Após, pedia-se que os doentes lhes fossem trazidos. E um por um eram examinados e consultados. Aos curáveis, curas rápidas e naturais eram ofertadas. Aos incuráveis, davam-se longas conversas ao pé do ouvido. Muitos dos que não tinha cura, sorriam diante da entidade. Agradeciam. Se ajoelhavam e os abraçavam. Após esse período, o povo da floresta conversaria com todos que tivessem perguntas. Dos menores até os mais velhos. Sem distinção. Eles dormiam pouco, sempre ao redor das vilas. Comiam frutas e as vezes carnes, sempre perguntando como foi a caçada. Quem abateu a presa. E demonstrando respeito pelo alimento. Era um tempo de ouro. Muitas vidas foram salvas, por cura, conhecimento e acolhimento.

Mas o tempo passou.

E houve um novo capítulo dessa história, onde poucos e cada vez menos se importavam.
Não vou lhes contar sobre quantas vezes as criaturas da floresta esperaram junto as clareiras. Sozinhas. Sem nenhuma fogueira ou abraço, como recepção, até partirem... Não vou lhes dizer de como as criaturas da floresta ficaram cada vez mais agressivas. De como os corvos e falcões atacavam as crianças ou de como as matilhas de lobos rompiam a escuridão e desapareciam carregando um ou dois dos nossos, sem qualquer aviso. Ervas venenosas começaram a crescer entre nossas folhas e as árvores davam frutos cada vez menores ou simplesmente nenhum...
Houveram aqueles entre nós que tentaram avisar. Que em conciliuns (reuniões oficiais) foram ridicularizados. Chamados de velhos e inúteis. Grupos de homens se armaram com metal e raiva, entrando fundo nas florestas. Pouquíssimos retornavam. Um desses grupos, teve somente um sobrevivente. Um jovem homem que não tinha 20 verões de vida. Ele voltou nu, pedindo para falar com os anciões. E um aviso ele transmitiu. Daquela data, em exatamente 4 estações, haveria um reencontro. E se fosse o desejo do homem, pacificar-se com a natureza, essa possibilidade existia. Porém, essa seria a última chance. Após isso, nunca mais.
Esse moço foi encontrado enforcado em uma árvore, fundo na floresta, pouco tempo depois. Em seu rosto havia um risada demoníaca. Algo não humano, algo selvagem...

Os dias flutuaram como folhas que boiam sobre um rio. Descendo em direção ao mar, sem parar. E quando a data se aproximou, muitos de nós se negaram a participar. Mas um grande grupo se formou. Pessoas vindas de várias vilas e até cidades distantes. Todos conhecedores das histórias. E foi lá que ela apareceu...

 


Velha, como diz o nome. Pequena, com um metro e meio de altura, ou menos. Cabelos brancos como a neve. Profundos olhos azuis cintilantes tal qual água de uma caverna escondida. Movia-se de uma forma sobrenatural, não humana. Com longos dedos das mãos e pés. Coberta por tecido fino e delicado. E com um sorriso escancarado nos lábios.
Primeiro sua cabeça surgiu de dentro de um vasto arbusto. Como se fosse um coelho em um corpo de velha. Levou poucos instantes para sumir e reaparecer metros a sua própria direita, farejando com o nariz como um javali procura por trufas. Dali, ela se ergueu em pé. Mexeu nos cabelos com as mãos estabanadas, claramente sem intimidade com a ação... Então ouviu-se um longo e firme uivo lupino vindo das trevas da mata. Ela olhou sobre o próprio ombro, mas sem mover seus pés. Seu tronco girou rápido, sem dificuldades. E quando voltou para a pequena multidão que assistia tudo em silêncio, ela sorria com dentes pontiagudos, inumanos. Depois, novamente se ergueu sobre as pernas e deu alguns passos em direção as pessoas. Mas ela andava de forma alegórica, movimentando excessivamente as ancas e os ombros. Como se estivesse fingindo ser uma humana. Movendo o pescoço para os lados a cada passo. Até que depois de alguns metros, ela caiu no chão grunhindo. As pessoas se entreolhavam, confusas.
Foi um dos conselheiros do Rei que disse:
"- Ela está caçoando... !?" - sem ninguém entender se isso era uma afirmação ou uma pergunta.
Os grunhidos se transformaram em risada. E a risada se transformou em uma tosse, mais rouca do que deveria ser. Para tossir, a velha se pôs sobre os 4 membros e com os joelhos no chão, ficou parecida com um gato expelindo bolas de pêlo... Até que foi parando. E como se tivesse lembrado do que estava fazendo. Diante daquelas pessoas. Estacou. Olhando para todos com as pupílas erguidas até a própria testa, como faz um cachorro acoado. Antes do bote.
E ali rosnou, bem baixinho primeiro.
"- RRrrrrRRRRRRããããrrrrrrRRRRR" - ela fez com o fundo da garganta. E as mães pegaram seus filhos no colo. Então tossiu mais e parou de novo.
Então, pela primeira vez falou:
"- Nos darão carne..." -  ela resmugou. E poucos a ouviram.
Então repetiu mais alto:
"- Nos darão carne!" - disse se levantando.
E um dos nobres presentes a respondeu:
"- Claro, claro... Que tipo de carne querem? Basta dizer e trare..."
"- Carne viva!" - e sorriu um sorriso cheio de dentes.
As pessoas suspiraram de medo. Uma mãe correu de volta para a vila segurando seu bebê que gritava. A velha a olhou com um suave relance de sua cabeça.
"- Carne viva? Uma va-vaca?" - retrucou o nobre dando um passo para trás.
Ela lhe olhou e um longo uivo foi ouvido.
"- Nos darão carne, daqui a 5 noites. Mas não nos darão seus animais. Nos receberemos sua carne, crianças, mulheres, velhos, homens, o que for. 2 cabeças de carne. Aqui nessa clareira. Cinco noites..."
"- E se nos recusarmos?" - disse um soldado com a espada em punho.
E vários rosnados diferentes vieram da escuridão da mata.
"- Aí nós pegaremos toda carne que quisermos, em 5 noites. Escolham duas cabeças, vivas. Aqui. Ou cedam o que nós quisermos. - e sorriu como se preferisse a segunda opção - Cinco noites." e recuou para trás se movendo sobre os 4 membros. Encarando a multidão.
Até parar na beirada da mata, ficar de pé e dizer:
"- Houve um tempo em que nós eramos amados, cediamos a vocês nossos filhotes, nossas crias, nossas mães e pais. Vocês entravam na mata, tomavam nossa carne e partiam para se nutrir do nosso sangue... Mas vocês pararam de nos amar. Pararam de nos receber. Pararam de nos honrar. Agora, vocês viverão o Ano da Velha Loba..." e sorriu um sorisso frio e cheio de dentes.


sábado, 5 de outubro de 2024

Ode cardiáco.

Existe um lugar distante, longe de tudo.
Em que a vida é sempre infante.
E o tempo não provoca luto.
Um lugar escondido.
Secreto à tudo.

Guardado no peito calado.
Habita,
meu coração
mudo.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

O busto parado
na praça
Assiste a vida
que passa

Toma chuva
no tempo
Sente o pó
do vento

Sem pressa,
o busto 
espera
a sua
hora



quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Quatro vezes: sim, pois não!??

O cachorro late na rua.
Verdade nua e crua.
De quem é a culpa?
É só mais um
cachorro!
Na rua,
mato ou
morro.

O vento sopra no inverno.
Frio como o inferno.
Silencioso
movimento
incessante 
Num mar
de instantes.

Passa o tempo, tic tac.
Os relógios não param, tic tac.
Como pessoas trabalham, tic tac.
Em prédios e lojas de pregos,
vendendo caixões
e remédios.
Tic tac.

A tarde é preguiçosa.
A preguiça é perigosa.
O perigo é prosa.
À rima corrida da vida.